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Art. 15 do NCPC: a integração do processo do trabalho na perspectiva da teoria das lacunas do sistema jurídico

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22/03/2017 às 14:38
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10. A POSIÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO 

Dentre os nove critérios identificados no primeiro tópico deste texto, perquire-se qual deles foi adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho.

A resposta pode ser extraída, em um primeiro momento, da Instrução Normativa nº 39/2016, que dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva.

Trata-se de norma administrativa, de caráter meramente indicativo, com a declarada pretensão de "transmitir segurança jurídica aos jurisdicionados e órgãos da Justiça do Trabalho", assim como "prevenir nulidades processuais em detrimento da desejável celeridade"[40].

Em seu art. 1º, a IN 39/2016 dispõe acerca da heterointegração entre os ramos processuais nos seguintes termos:

Art. 1° Aplica-se o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15 da Lei nº 13.105, de 17.03.2015[41].

A redação do dispositivo muito pouco esclarece acerca do significado das expressões ou do critério distintivo utilizado. Evidencia, contudo, a excepcionalidade das aplicações supletiva e subsidiária, já que cabíveis apenas no caso de omissão.

O texto endossa também a necessidade de compatibilização da regra importada com normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, além de indicar que os dispositivos celetistas não foram revogados pelo art. 15 do CPC/15. Desta forma, se bem compreendido, o art. 1º da IN 39/2016 ratifica a necessária relação de complementaridade dialógica entre os dispositivos.

Outras duas passagens da Instrução Normativa, ao aludirem à aplicação supletiva, dão melhor pista do critério distintivo adotado:

Art. 9º O cabimento dos embargos de declaração no Processo do Trabalho, para impugnar qualquer decisão judicial, rege-se pelo art. 897-A da CLT e, supletivamente pelo Código de Processo Civil (arts. 1022 a 1025; §§ 2º, 3º e 4º do art. 1026), excetuada a garantia de prazo em dobro para litisconsortes (§ 1º do art. 1023).

Art. 13. Por aplicação supletiva do art. 784, I (art. 15 do CPC), o cheque e a nota promissória emitidos em reconhecimento de dívida inequivocamente de natureza trabalhista também são títulos extrajudiciais para efeito de execução perante a Justiça do Trabalho, na forma do art. 876 e segs. da CLT[42].   

Como se percebe, nas duas hipóteses abrangidas pela norma administrativa, a ideia inicialmente vinculada à supletividade é a de colmatação de lacunas normativas parciais.

No caso dos embargos de declaração (art. 9º da IN nº 39/2016), a norma celetista revela-se incompleta ao deixa de regular, por exemplo, o cabimento dos embargos na hipótese de obscuridade, a dispensa de preparo, as situações que configuram omissão da decisão, etc. Todas estas lacunas devem ser preenchidas pela aplicação de normas do NCPC, em acréscimo àquelas contidas na CLT, ainda hígidas, mas insuficientes.

O mesmo raciocínio é aplicado ao rol de títulos executivos extrajudiciais (art. 13 da IN nº 39/2016), somando-se aos títulos previstos na CLT (art. 876 e seguintes) dois dos títulos estampados no art. 784, I do CPC/15 (cheque e nota promissória), desde que emitidos em reconhecimento de dívida inequivocamente de natureza trabalhista. Portanto, a regra celetista existe e não deve ser desconsiderada, apenas complementada.

Em contrapartida, para o TST, a aplicação subsidiária se volta aparentemente à colmatação de lacunas integrais. É o que se depreende de trecho da breve exposição de motivos lavrada pelo Ministro João Oreste Dalazen, ao relatar que a "Comissão reputou inafastável a aplicação subsidiária ao processo do trabalho da nova exigência legal de fundamentação das decisões judiciais (CPC, art. 489, § 1º)"[43].

É verdade que a CLT estabelece a necessidade de fundamentação da decisão em seu art. 832, caput. O texto celetista não informa, entretanto, o que é uma decisão fundamentada, ou quando ela deixa de ser fundamentada, sendo este o tema do art. 489, §1º do CPC. Pode-se dizer, sob o prisma do critério da amplitude da integração, que há na CLT, quanto ao tema da fundamentação de decisões, uma lacuna integral, daí porque cabível a aplicação subsidiária do NCPC.

Ressalta-se, entretanto, que o estudo da IN nº 39/16 não elucida por completo a questão, pois não esclarece se o critério da amplitude da integração com maior abrangência da aplicação subsidiária foi o único adotado, ou se o critério da natureza da lacuna do sistema jurídico é utilizado de forma associada.

A questão é fomentada pela Súmula nº 303 do Tribunal Superior do Trabalho[44], com redação adaptada ao CPC/15 a partir da Resolução nº 211/2016.

A súmula trata da colmatação de lacuna do processo do trabalho quanto ao tema do reexame necessário, não tendo sido modificada em sua essência com a nova redação.

O assunto é tratado de forma insuficiente pelo art. 1º, V do Decreto-Lei nº 779/69, que estabelece como privilégio da Fazenda Pública a obrigatoriedade do recurso ordinário "ex officio", sem abrigar exceções. Por tal razão, o Tribunal Superior do Trabalho optou, quando da edição da Súmula nº 303, pela aplicação das hipóteses de dispensa do reexame necessário previstas no art. 475 do CPC/73, posteriormente adaptando o entendimento à nova redação do art. 496 do CPC/15.

 Há dissenso quanto ao tipo de lacuna colmatada nesse caso. Parte da doutrina considera que haveria, aí, hipótese de lacuna normativa, pois a legislação trabalhista teria deixado de cuidar das exceções ao reexame necessário[45].

Parece mais acertado o entendimento de que a situação é de lacuna axiológica, tendo em vista que a omissão do legislador foi proposital (silêncio eloquente), diante da intenção de proteger o interesse público. Ao nada dizer, a lei pretendeu repelir exceções, o que culminou por submeter o credor trabalhista a processo mais burocrático do que o ordinário, produzindo injustiça (falha no subsistema valorativo).

É possível identificar também uma lacuna ontológica. A estruturação da advocacia pública propicia, nos dias de hoje, suficiente consultoria e assessoramente jurídico ao entes públicos, razão pela qual o privilégio absoluto do reexame necessário não mais se justifica. A norma não se adéqua aos fatos, daí porque há quebra da isomorfia também no subsistema fático.

Caso prevaleça o segundo entendimento (existência de lacunas ontológicas e axiológicas), o Tribunal Superior do Trabalho terá encampado a possibilidade de colmatação de lacunas secundárias[46], ainda que sem expressa alusão à tese jurídica em questão. Nesse caso, a Súmula nº 303 do TST, analisada sob o âmbito do art. 15 do NCPC, representaria exemplo da aplicação supletiva do processo civil, já antes praticada, mas agora embasada de forma segura em preceito legal.

A questão poderá ficar mais clara a partir da análise da aplicabilidade ao processo do trabalho do parágrafo único do artigo 523 do novo CPC, que  determina multa de 10% a quem não pagar a dívida definida em condenação judicial no prazo de 15 dias.

O tema é objeto de processo em trâmite no Tribunal Superior do Trabalho, afetado ao Tribunal Pleno e ainda pendente de julgamento na presente data, no qual foi acolhida proposta de Incidente de Recurso de Revista Repetitivo (IRR - 1786-24.2015.5.04.0000). A questão jurídica discutida é: "A multa prevista no artigo 523, parágrafo 1º, do CPC de 2015 é compatível com o processo do trabalho? A definição quanto à aplicação efetiva dessa multa deve ocorrer na fase de execução trabalhista?".

A aplicação da referida multa ao processo do trabalho é tida por muitos adeptos do parâmetro da natureza da lacuna sistêmica como exemplo de aplicação supletiva do NCPC ao processo do trabalho, em razão das lacunas axiológica e ontológica existentes.

Assim, caso o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, revertendo a jurisprudência que vinha se consolidando sob a égide do CPC/73, acolha a importação da norma, restará evidenciada a adoção de um conceito de aplicação supletiva compatível com a teoria das lacunas e mais condizente com o espírito modernizador do art. 15 do NCPC.

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CONCLUSÃO

Considerados os apontamentos anteriores, conclui-se que:

1 – É possível identificar pelo menos nove critérios utilizados pela doutrina para correlacionar as expressões “supletiva” e “subsidiariamente” (art. 15 do NCPC), quais sejam: a) sinonímia; b) continência; c) imperatividade da integração; d) amplitude da integração, com maior abrangência da aplicação subsidiária; e) amplitude da integração, com maior abrangência da aplicação supletiva; f) complementaridade em prol da eficiência (perspectiva teleológica); g) complementaridade limitada pela segurança jurídica; h) função integrativa ou interpretativa; i) natureza da lacuna do sistema jurídico;   

2 – Tais parâmetros são empregados pelos processualistas de forma isolada ou conjugada, sendo comum a adoção de posições fluidas, o que dificulta a sistematização da matéria;

3 – A partir de uma interpretação histórica e teleológica do art. 15 do NCPC, observa-se que a aplicação supletiva pretende atuar sobre o problema das lacunas axiológicas e ontológicas do processo do trabalho, possibilitando sua renovação, sem olvidar o necessário filtro ideológico trazido pelo art. 769 da CLT;

4 – Além de possuir fundamento na interpretação histórica e teleológica do dispositivo, o critério baseado na teoria das lacunas revela-se adequado por viabilizar a máxima concretização de princípios constitucionais, como o da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CRFB e art. 3º do NCPC), da duração razoável do processo e da efetividade (art. 5º, LXXVIII da CRFB e 4º do NCPC);

5 - O parâmetro baseado na teoria das lacunas compatibiliza-se com o art. 769 da CLT, mantendo com este uma relação de complementaridade (diálogo das fontes) em prol do aperfeiçoamento da tutela dos direitos trabalhistas;

6 – A correta compreensão do alcance do art. 15 do CPC/15, especialmente considerando sua relação dialógica com o art. 769 da CLT, permite perceber que o novo código, ao contrário de reduzir a autonomia do processo trabalhista, a torna mais consistente;

7 – A superioridade do critério da natureza da lacuna do sistema jurídico decorre da superação de falhas, limitações e incongruências presentes  nos demais parâmetros utilizados pela doutrina. Além disso, as próprias objeções ao critério da lacuna sistêmica não subsistem se adotado ponto de vista compatível com uma concepção contemporânea do ordenamento jurídico, aliada ao incremente da força dos precedentes no ordenamento brasileiro.

8 - O Tribunal Superior do Trabalho, por meio da IN nº 39/2016, parece endossar o critério da amplitude da integração, com maior abrangência da aplicação subsidiária. A posição será melhor elucidada quando do julgamento do tema relativo à aplicabilidade da multa do art. 523 do NCPC ao processo do trabalho.

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Sobre o autor
Bruno Ítalo Sousa Pinto

Especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG, em Direito do Trabalho e Previdenciário na Atualidade pela PUC-MG e em Direito Civil e Processual Civil pela UCDB-MS. Bacharel em Direito (UFPI). Analista Judiciário, desempenhando a função de Assistente de Juiz no TRT da 16ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Bruno Ítalo Sousa. Art. 15 do NCPC: a integração do processo do trabalho na perspectiva da teoria das lacunas do sistema jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5012, 22 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56587. Acesso em: 19 abr. 2024.

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