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Da proibição de obrigar doente emergencial ou seu familiar a assinar termo de responsabilidade por dívidas como condição de atendimento

22/09/2020 às 16:40
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A prática costumeira em certos estabelecimentos é ilegal e equivocada. Nada menos do que um crime e, em menor grau, um contrato nulo de pleno direito.

Já não é novidade que o Código Penal incluiu em seu rol de infrações penais o artigo 135-A, o qual pune o atendimento médico-hospitalar. Apesar disso, alguns hospitais continuam por praxe fazer com que os parentes do internado ou mesmo o doente em emergência assinem termo de responsabilidade, principalmente acerca das despesas eventuais que o plano de saúde não quiser cobrir.

Vejamos o que dispõe o referido artigo:

Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

A prática costumeira em certos estabelecimentos é ilegal e equivocada: enquanto o doente é atendido em urgência, eles obrigam que o familiar ou responsável assine a “internação” do doente e, juntamente a esta internação, um termo de responsabilidade acerca de débitos com o plano de saúde, caso este se recuse a cobrir. Ora, nada menos do que um crime e, em menor grau, um contrato nulo de pleno direito, uma vez que foi assinado em momento no qual o familiar não possui nenhuma condição psicológica (e física) de estar em seu melhor juízo para realizar um “negócio”, configurando o estado de necessidade de terceiro e o chamado estado de perigo, presente no Código Civil:

 Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. – Grifamos.

Para o reconhecimento de que o estado de perigo, mister se faz provar a existência dos elementos que o configuram: (a) a obrigação excessivamente onerosa; (b) o dolo de aproveitamento por parte do hospital.

 A obrigação excessivamente onerosa é aquela que mostra desvantagem exagerada ao doente, colocando em sua conta o pagamento de valores altíssimos ao mesmo ou ao seu familiar que, no momento, não possuem nenhuma condição para decidir uma questão como esta, e mais: não poderia escolher entre ser ou não atendido, pois isto poderia significar sua morte ou de seu parente, o que não se mostra justo.

O dolo de aproveitamento do hospital, por sua vez, é a intenção do nosocômio (hospital) de se livrar de uma possível dívida com o plano de saúde, e, para isso, não mede esforços para fazer o doente ou familiar assinarem um verdadeiro instrumento de “confissão de dívida”, o que é medida absolutamente antijurídica.

Além de o autor ter vivenciado situação pessoal neste sentido com parente, também cuidou de caso jurídico em que a doente, vivendo situação extremamente emergencial (crise de porfiria aguda intermitente), teve sua mãe obrigada a assinar termo de débitos hospitalares. Apesar de parecer um ato “inocente” praticado pelo hospital – a princípio – depois de finalizado o tratamento da autora, veio a surpresa: a cobrança de todos os custos de sua internação, pois o plano de saúde se negou a reembolsar o hospital. E, pasmem: ao invés do hospital ajuizar ação de reembolso contra o plano de saúde, chamando a autora como terceira interessada, entendeu “mais fácil” importuná-la de forma ininterrupta, com e-mails e telefonemas, pedindo o pagamento da dívida toda do plano de saúde, com ameaça de colocá-la nos serviços de proteção ao crédito.

No caso, imediatamente foi ajuizada pelos patronos ação de inexigibilidade de débito, apontando o real dono do mesmo – o plano de saúde – garantindo que a assinatura da mãe da autora foi um negócio nulo, pois assinado em estado de perigo, uma vez que a autora sofria risco de morte no momento em que sua mãe foi obrigada a assinar o referido documento. Assim, foi dada a liminar imediata para retirar o nome da autora dos serviços de proteção ao crédito e, caso não tivesse ainda sido incluído, estaria veementemente proibida a referida inclusão:

Dados do Processo

Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul

Número do Processo: 1.16.00043390

Comarca: Porto Alegre

Órgão Julgador: 15ª Vara Cível do Foro Central : 2 / 1 (Foro Central (Prédio II))

Obs: tal processo ainda encontra-se em trâmite.

Em suma, caso venham a necessitar de atendimento emergencial hospitalar, caso sejam obrigados a assinar termo de responsabilidade acerca de despesas que o plano de saúde possa negar (principalmente se o tratamento for caro ou haver dúvida a respeito da possibilidade de cobrança), façam boletim de ocorrência com base no artigo 135-A do Código Penal (crime de condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial) e, caso venham a ser lesados por cobranças indevidas, procurem seus direitos com advogados especializados nesta matéria, pois a referida dívida é – ao nosso ver – totalmente inexigível, com base inclusive em matéria penal, além de estar disciplinada no Código Civil, conforme explicado acima.

Para os hospitais, recomendo que acompanhem o pagamento do débito pelo plano de saúde e, caso este venha a se negar, procurem seus direitos junto a advogado, mediante ação de reembolso de despesas hospitalares, o que está plenamente de acordo com a lei, não condicionando nunca o atendimento hospitalar de emergência à assinatura do doente ou familiar de termo de responsabilidade pois, além de ação civil, podem muito bem sofrer ação penal consubstanciada pelo artigo 135-A do Código Penal.

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Sobre o autor
Ricardo de Lemos Rachman

Advogado atuante em causas da saúde nacional, que visa não somente atuar de forma individual mas, ainda, atingir o panorama coletivo da temática no país, seja através de publicações e atuações jurídicas e defesa dos interesses dessa fragilizada minoria.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RACHMAN, Ricardo Lemos. Da proibição de obrigar doente emergencial ou seu familiar a assinar termo de responsabilidade por dívidas como condição de atendimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6292, 22 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56679. Acesso em: 25 abr. 2024.

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