Recentemente, a Ministra do Superior Tribunal de Justiça Maria Thereza de Assis Moura concedeu liminar em Habeas Corpus, de modo a permitir que a advogada Adriana Ancelmo, esposa do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB), denunciada pela prática de diversos crimes, dentre eles lavagem de dinheiro e pertencimento à organização criminosa, permanecesse em prisão domiciliar, com fundamento no artigo 318, V, do Código de Processo Penal[1], alterado pela Lei nº 13.257/2016[2].
Dada a repercussão da decisão, amplamente divulgada pela imprensa, acadêmicos do Direito e profissionais atuantes na área passaram a debater se, ante a verificação das condições objetivas previstas em lei – tal qual a insculpida no inciso V do artigo 318 do CPP -, seria ‘dever’ do juiz determinar a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar ou se tal decisão estaria afeta à sua discricionariedade.
Malgrado o advento da benfazeja Lei n° 13.257/2016, que ampliou as hipóteses autorizadoras da substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, o uso do verbo ‘poderá’, no caput do artigo 318 do CPP, não deve ser interpretado com a semântica que lhe imprimem certos setores da doutrina[3], os quais advogam constituir verdadeiro ‘dever’ do magistrado determinar a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar quando comprovadas as condições objetivas previstas no Código de Processo Penal.
Conforme já decidiu o STJ em outras oportunidades[4], a interpretação acima mencionada conduziria, em última análise, à vedação legal da cautela máxima em casos nos quais a custódia cautelar se mostre como a única hipótese apta a salvaguardar, com a eficiência necessária, situação de evidente e imperiosa necessidade da prisão. Nesse espeque, seria admitir que toda mulher que possuísse filhos com até doze anos de idade incompletos gozasse do direito a permanecer sob custódia domiciliar, mesmo diante da imprescindibilidade da prisão preventiva. Se a prisão domiciliar fosse compulsória em tais hipóteses, o agente teria verdadeira imunidade.
Outrossim, em alguns casos, a custódia cautelar é a única forma de obstar a prática de crimes pelo imputado, sobretudo em se tratando de delitos afetos a seara do Direito Penal Econômico, dos quais se destacam a lavagem de dinheiro e a evasão de divisas. Nestes casos, a permanência do investigado ou acusado em sua residência durante o transcurso do inquérito policial ou processo criminal, com amplo acesso à rede mundial de computadores e demais veículos de comunicação, estaria a viabilizar a continuação delituosa, prejudicando, desta feita, o resguardo da ordem pública, da qual, mormente a divisão empregada pelo Código de Processo Penal, abrange a ordem econômica[5][6]. Ademais, é muito mais fácil para o agente fugir do país quando está em sua própria casa.
É imperioso salientar ainda que, a Lei n. 13.257/2016, cujo artigo 41, conforme salientado nas linhas anteriores, imprimiu alterações pontuais no Código de Processo Penal, veio a lume num momento em que a população carcerária feminina vem aumentado em progressão geométrica, sobretudo em razão dos efeitos deletérios e criminógenos da Lei n. 11.343/06, que criminaliza as condutas relacionas ao tráfico ilícito de entorpecentes. Com efeito, estima-se que 70% das mulheres encarceradas estão presas pela prática de crimes relacionados ao tráfico, certo que um alto percentual dessas mulheres são mães, que se encarregam de cuidar dos filhos pequenos.[7]
Diante desse panorama, reconhecendo a irrazoabilidade e a desnecessidade da custódia cautelar de mulheres investigadas ou processadas pela prática de crimes relacionados ao tráfico, não obstante o STF já ter se manifestado acerca da inconstitucionalidade de dispositivo que vede a liberdade provisória em casos de tráfico de drogas, a Lei n. 13.257/2016 foi promulgada na tentativa de minimizar os efeitos colaterais da política de guerra às drogas, cujo ápice se deu com o advento da Lei 11.343/06.
Nesta senda, conclui-se que a presença de um dos pressupostos elencados no artigo 318 do Código de Processo Penal constitui requisito mínimo, mas não suficiente para, por si só, legitimar a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, devendo o magistrado sopesar os interesses em conflito, quais sejam: o resguardo da ordem pública, da ordem econômica, da instrução criminal e da futura aplicação da lei penal versus o direito do filho de até doze anos incompletos de permanecer com a mãe, sobretudos nos casos envolvendo crimes cuja prática reste facilitada diante do cumprimento da prisão domiciliar.
[1] Art. 318. Poderá o Juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...) V- mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
[2] Precitada lei, promulgada por ocasião do Dia Internacional da Mulher, tem como principal objetivo estabelecer políticas públicas para a primeira infância, “em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano”.
[3] Por todos, vide BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: RT, 2015. p. 993.
[4] Vide STJ HC 352467/RJ, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 15.04.2016.
[5] Art. 312: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
[6] Após a análise de vasta jurisprudência referente ao tema, assevera Guilherme Madeira Dezem tratar-se a ordem pública na ideia de probabilidade de reiteração de condutas criminosas. (DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de Processo Penal. 2ª ed. São Paulo: RT. 2016. p. 758).
[7] BOUJIKIAN, Kenarik. O Aceno do Papa Francisco para as mulheres presas. Boletim IBCCRIM, ano 24, nº 286, Setembro/2016.