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O caso José Mayer: o machismo exposto

09/04/2017 às 17:34
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A figurinista Susllem Tonani acusou categoricamente o ator José Mayer de assédio. Dentre os atos a ele imputados, o ator teria tocado as partes íntimas dela sem seu consentimento e, depois, quando rechaçado, chamou-a de “vaca” na frente de seus colegas de trabalho, finalizando com a frase “você não vai dar para mim?”.

Na última semana fomos testemunhas oculares de como o machismo se manifesta na sociedade de um modo geral e, por sorte ou porque o mundo está mesmo mudando, reagimos! E parafraseando o Direito, onde ninguém pode alegar desconhecimento da lei, aqui também não devemos alegar desconhecimento dos fatos que rechearam os tabloides essa semana a fim de evitar essa discussão contemporaneamente apropriada. 

Primeiramente, é necessário esclarecer que ao contrário do feminismo que pleiteia equidade entre os sexos, o machismo se fundamenta essencialmente pela superioridade, em todos os aspectos, do sexo masculino sob o feminino. Pois bem. Nesta semana a figurinista Susllem Tonani acusou categoricamente o ator José Mayer de assédio. Dentre os atos a ele imputados, o ator teria tocado as partes íntimas dela sem seu consentimento e, depois, quando rechaçado, chamou-a de “vaca” na frente de seus colegas de trabalho, finalizando com a frase “você não vai dar para mim?”. Talvez seja desnecessário e inapropriado tentar fazer com que o leitor imagine a violência de tais condutas, mas se ainda não sentiu uma intensa repulsa, pense que você, homem, tenha outro homem passando a mão em suas partes íntimas e em seguida repita as frases acima descritas. Pensou? Então, é por aí... Bem vindo ao clube!

Desde que o mundo é mundo as mulheres estão habituadas, porém não conformadas, com todo e qualquer assédio contra elas praticado. Não é raro termos que nos preocupar se vamos andar sozinhas na rua, se estamos sendo boas o suficiente em nossos empregos e até que roupa vamos vestir para pegar um ônibus ou metrô. E sabe qual é a verdade? É que a gente está literalmente cansada de sentir medo, puro e simples. Medo de sermos atacadas, medo de sermos mortas, violentadas, estupradas e assediadas. Ser mulher quase que boa parte do tempo, meus caros, é sentir medo. Não por acaso o Brasil é campeão em casos de feminicídio.

A boa notícia é que nosso medo não impede nosso caminhar e quando nos vemos unidas, descobrimos uma força implacável, irremediável e capaz de, de fato, mudar o mundo. Talvez por isso, por este inconsciente coletivo que atualmente paira nas mulheres, que José Mayer motivou instantaneamente a campanha “Mexeu com uma mexeu com todas” entre suas próprias colegas de trabalho e foi suspenso pela emissora da qual é contratado. E o que se chama a atenção neste caso é que ao contrário de outros pretéritos, onde havia a cristalina certeza da impunidade, afinal, assediar mulher é fato corriqueiro e aprovado por diversos setores da sociedade, não se esperava a reação global ao seu comportamento. Não só as mulheres da Rede Globo, mas toda uma legião de mulheres se uniu, e tornou impossível colocar o agressor na posição de vítima e a vítima na posição de "louca". 

E como a vida imita a arte ou a arte imita a vida, o acusado acabou seguindo cartilha semelhante a dos políticos denunciados: negou, foi pressionado, admitiu e fez um pedido de desculpas que ninguém que tenha o mínimo de noção engoliu. Previsível. Mas a real mensagem, meus caros, têm sido subliminar. A sociedade não está preparada para discutir e proteger a vítima mulher de seus algozes, e o exemplo mais claro que temos neste imbróglio todo é o caso do goleiro Bruno.  Não podemos nos quedar silentes quando mulheres que acusam seus agressores são taxadas por loucas enquanto homens condenados por matar e esquartejar os corpos das mães de seus filhos são peremptoriamente parados pela mídia ou público em geral para dar autógrafos e conceder entrevistas. 

Não por acaso a grande dúvida da sociedade na última semana se resumiu a um “como proteger homens inocentes, injustamente denunciados publicamente?”. Incrível que ainda tenhamos que nos preocupar com a ‘imagem’ dos agressores quando as mulheres são as reais vítimas da situação. E mais, não raras vezes as mulheres foram atacadas moralmente, difamadas e até mesmo caluniadas publicamente. É simples: protegem-se homens inocentes da mesma forma que mulheres inocentes devem ser protegidas. E independente do gênero, que a Justiça seja acionada para coibir os abusos e os responsáveis devidamente punidos. 

A mudança é necessária e só será possível quando houver uma modificação comportamental e cultural no meio em que vivemos, e para isso, precisamos sim que os homens estejam conosco nesta batalha. Desde muito cedo devemos apresentar às crianças a questão da igualdade de gênero, do respeito e da cooperação mútua. Não podemos mais conceber a diferença de brincadeiras entre meninos e meninas – meninas são direcionadas a brincar de casinha enquanto meninos podem ser super-heróis. Não podemos aceitar a reprimenda da sexualidade das meninas (meninas são educadas a literalmente “fechar as pernas” enquanto meninos ganham revistas eróticas aos dez anos). 

Fomos doutrinadas pela sociedade em geral a sermos “belas, recatadas e do lar” e aquelas que desafiam essa tríade podem, quando muito, serem substituídas por “belas, ilibadas e bem sucedidas”. Temos o dever moral de extirparmos essa imagem de mulher ideal. Temos o dever de discutir, e muito, a questão de políticas públicas voltadas às mulheres. Precisamos debater o preconceito, favorecer a igualdade, punir as agressões e oferecer suporte adequado às vítimas em situações de violência.  

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Precisamos deixar claro que os homens em casa são parceiros, não são coadjuvantes. Precisamos extirpar a ideia machista que a mulher é um produto a ser consumido pelo homem, e por isso que é necessário colocar um fim à cultura do estupro e avançar com a igualdade de gênero.

Precisamos mandar um recado ao mundo: não toleraremos qualquer tipo de assédio ou violência contra a mulher. Se por muito tempo as mulheres sofreram caladas, chegou a hora de expormos os constrangedores tanto para a opinião pública, quanto para a Justiça. O mundo está se transformando, as mulheres estão se unindo e, portanto, a mudança é possível. A responsabilidade disso tudo é de cada um de nós.

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Sobre a autora
Maíra Calidone Recchia Bayod

sócia do escritório Sônia Recchia Sociedade de Advogadas e presidente da Comissão da Mulher Advogada da 95ª Subseção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Itapira, além de integrar a Rede Feminista de Juristas (deFEMde) e o Movimento Mais Mulheres no Direito.

Informações sobre o texto

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