Capa da publicação Quando o "hate speech" não é "free speech": liberdade de expressão nos EUA
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A tutela da liberdade de expressão pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América

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30/04/2017 às 14:24
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3. CONCLUSÃO

Pretendia-se, aqui, disputar duas concepções sobre a liberdade de expressão nos Estados Unidos.

Com relação à extensão da proteção da liberdade de expressão em comparação com outras democracias ocidentais, os casos expostos aqui demonstram uma tolerância judicial com a propagação deidéias hostis às minorias e ao convívio social não encontradas no Brasil e em outros países, justificadas nas idéias bem reumidas pelo Juiz Easterbrook, já mencionadas no texto, que se podem descrever assim: uma vez que não existem idéias falsas para a Constituição, não poderia o Estado, com medo de que a verdade não prevaleça no “livre mercado de idéias” (expressão de Holmes), declarar a falsidade de um discurso e proibí-lo.

No entanto, com relação à inexistência de restrições, enumeraram-se aqui vários caminhos para a supressão do discurso: obscenidade, “fighting words”, “defamation”, ameaça clara e presente. Reconhece-se, todavia, todas essas doutrinas têm sido aplicadas de modo a autorizar o maior número de expressões possíveis.

Como visto, essa tendência não se ratifica em momentos em que se crê que há um risco real à segurança nacional, como as duas Ameaças Vermelhas e atualmente na Guerra Contra o Terrorismo.

Beauharnais v. Illinois, nunca formalmente afastado, embora muitas vezes distinguido, permanece como o contraexemplo motivador dos que favorecem a limitação de conteúdo no caso do “hate speech”. No entanto, pode-se tentar colocar esse caso na mesma perspectiva de risco real à segurança nacional, ao se considerar a “Revolta Racial de Cícero de 1951”, no subúrbio industrial de Cicero, próximo a Chicago, mencionada no trecho da decisão retrocitado. Um ano antes do julgamento, 4.000 brancos atacaram um prédio para onde uma família negra tinha se mudado. O móvel dos agressores era justamente o que estava registrado nos panfletos distribuídos por Beauharnais: impedir que negros morassem em áreas habitadas por brancos.

Diante dessa evidência, aparentemente novas restrições pressuporiam o convencimento de uma situação fática caótica com relação a alguma minoria. Salvo mudanças radicais na composição do órgão, enquanto a Suprema Corte não se convencer de que a situação é periclitante, não restringirá a liberdade de expressão nesses casos. Em virtude disso, quem defende a proteção a esses discursos proporá que há uma “América pós-racial” e que os conflitos são excepcionais e pouco violentos. Quem critica essa posição, busca demonstrar que situação é pior do que o senso comum percebe e que há grandes danos diários às minorias ignorados pelas instâncias de poder.

Por fim, enfatiza-se que essa exposição não é, como não poderia ser, exaustiva da rica história da Suprema Corte dos Estados Unidos no que tange à liberdade de expressão, restando aberta a possibilidade de novas interpretações.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

1 O debate sobre limitações oriundas de necessidades públicas atendidas pelo Estado ainda ocorre, mas a questão mas discutida no momento, não.

2 Definições do que seria hate speech variam, algumas vezes ampliando-se bastante a extensão do conceito. Um parâmetro a partir do qual se pode entendê-lo é a limitação à liberdade de expressão expressa no artigo 20, II, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos: “Será proibida por lei qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou a violência”.

3 Também em B.H., M.W, H.P. e G.K vs Áustria, a Corte Européia recusou-se a apreciar requerimento contra uma condenação austríaca de membros de duas associações que, entre outras coisas, pretendiam celebrar publicamente a união da Áustria com a Alemanha e preparavam publicações que negavam o Holocausto, além de protestar durante a data de nascimento de Hitler com uniformes e palavras de ordem nazistas (CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS Y SOCIALES, 2015)

4 O fato de que o advogado judeu David Goldberger (Burton Joseph é mencionado em algumas fontes) atuou perante a Suprema Corte pela American Civil Liberties Union em nome do Partido Nazista neste caso talvez seja ainda mais capaz de supreender. (ENCYCLOPEDIA, 2015)

5 Como contraposição a casos como Collin VS Smith, costuma-se apontar Beauharnais VS Illinois, caso em que foi considerada constitucional lei que proibia a publicação e distribuição de materiais difamando grupos étnicos, no caso em que foram distribuídos panfletos requerendo que o Prefeito e a Câmara de Vereadores de Chicago tomassem medidas contra o abuso dos negros contra os brancos. A ocorrência de “overruling” em relação a este caso (mencionado neste trabalho mais adiante) é discutida hoje e negada pelos defensores da proibição do “hate speech”. (CANADIAN LEGAL INFORMAION INSTITUTE, 2015)

6 Claramente, a divisão lembra a classificação de bens públicos inserida no artigo 99 do Código Civil em bens de uso comum, bens de uso especial e bens dominicais, ainda que aqui se trate de tripartição mais específica.

7 “Under strict scrutiny, restrictions are allowed only if they serve a compelling state interest and are narrowly tailored to meet the needs of that interest” (CORNELL UNIVERSITY LAW SCHOOL, 2015)

8 Sendo que um deles era Walter Chaplinsky, do caso Chaplinsky v. New Hampshire, citado mais à frente neste texto.

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9 O regulamento também foi questionado com base na Quinta Emenda e o direito de as mulheres encerrarem a gravidez.

10 Observe-se que Roth foi condenado de todo modo, pois o material que distribuiu foi tido como obsceno mesmo diante do novo teste.

11 Alguns historiadores apontam que os fatos ocorreram de um modo um pouco diferente, pois Chaplinsky teria sido sofrido deboche e ataques físicos da multidão e sido xingado pelo Chefe de Polícia antes de ser preso ao pedir ajuda. (FIRST AMMENDMENT CENTER, 2015)

12 Essa restrição ainda será analisada mais adiante neste trabalho.

13 O caso serve tanto para analisar o uso da doutrina das “fighting words” quanto a da ameaça à ordem pública, no entanto, destaca-se a primeira dessas possibilidades, pois resta evidente a relutância em utilizá-la quando o uso de suásticas numa região com sobreviventes do Holocausto não é considerada uma provocação direta, um insulto: os moradores de Skokie alegavam que a visão de suásticas próximas às suas casas era o mesmo que ser fisicamente atacado.

14 O caso: um jornal em Chicago acusou o advogado que representava a vítima de um assassinato por um policial de participar de uma conspiração comunista para substituir a polícia por uma força nacional única, bem como que teria armado toda a situação para gerar a questão contra o policial.

15 Dun & Breadstreet Inc., uma agência de classificação de risco, enviou relatório para cinco assinantes informando falsamente que a empreiteira Greenmosss Buldres Inc. teria entrado com pedido de falência, o que causou danos a esta empresa.

16 Essa palavra foi expressamente citada pela Suprema Corte de Illinois no julgamento de Skokie. Obligato (obligatto, na forma original) é um termo de música clássica que se refere a uma linha musical que é essencial para uma composição, em oposição a uma linha ad libitum (WIKIPEDIAb, 2015)

17 Como já visto, esse argumento foi adotado pela Corte em Cohen v. Calfiornia.

18 A Primeira guerra durou de 1914 a 1918, mas os casos chegaram à Corte no ano de 1919.

19 Embora seja discutível se a Alemanha apoiou a Revolução Russa, é fato que a derrubada do Czar prejudicaria os esforços de guerra da Rússia, como de fato ocorreu: após o triunfo da Revolução foi assinado um pacto entre os dois países, com a retirada do país do leste europeu da Guerra.

20 Vale a pena notar a semelhança dessa argumentação com um dos pontos discutidos no caso Ellwanger no Brasil.

21 Hill v. Colorado, 530 U.S. 703. (2000), em que se julgou inconstitucional lei do Colorado que impedia protestos e aconselhamentos em que houvesse aproximação a terceiras pessoas nas imediações de clínicas, cujo escopo era impedir o movimento contra o aborto.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEHRENS, Yves West. A tutela da liberdade de expressão pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5051, 30 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57261. Acesso em: 27 abr. 2024.

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