RESUMO: Instrumento que assegura à parte insatisfeita o direito de pedir, voluntariamente, mudança de uma decisão judicial, os recursos são tema obrigatório no estudo do direito processual civil. O presente, embasado em pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, apresenta de forma concisa quatro princípios que fundamentam o citado meio de impugnação. Tenciona-se evidenciar a natureza destes princípios, bem como sua relevância como alicerce a importante instituto do processo civil.
Palavras-chave: Direito processual civil; recursos; princípios.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Revela-se desafiador o exercício de explicar de forma sucinta os princípios que norteiam os recursos no processo civil brasileiro. Não que seja matéria árida discorrer sobre a possibilidade de revisão do ato judicial. Pelo contrário.
Temática bem estabelecida pelo atual Código de Processo Civil, o sistema recursal é, em vários aspectos, espécie de porto seguro mesmo com o advento das inovações produzidas pela lei nº 13.105/2015 (leia-se a quase total unificação dos prazos e a extinção de alguns procedimentos).
Sobre os fundamentos que guiam a interpretação dos recursos, no entanto, não se pode dizer o mesmo. Correto seria, na verdade, admitir notória divergência doutrinária e jurisprudencial.
Falta coesão nas ideias. Seja pelo tratamento disforme dado pelos autores, seja mesmo pela ausência no reconhecimento de alguns enquanto princípios.
Assentado sob tal premissa, o presente ensaio busca contribuir para elucidar possíveis dúvidas, além de discorrer de maneira clara sobre o assunto. Ao longo do texto serão feitas breves exposições sobre os princípios da taxatividade (legalidade); da singularidade (ou da unirrecorribilidade); da fungibilidade; e da proibição da reformatio in pejus. Pretende-se apresentar conceitos, claro, mas também elencar hipóteses de aplicação, empregando para tanto, quando possível, a exposição de jurisprudências.
2. PRINCÍPIOS RECURSAIS
Ao falar-se nos princípios que regem o direito recursal é necessário estabelecer primeiro breve entendimento sobre o tema. Definição basilar de princípio, extraída da versão eletrônica do dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, informa tratar-se de “proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos”.
Para o direito, contudo, princípios devem ser interpretados como espécie de alicerce estrutural ou mesmo mandamento fundamental de um sistema, responsáveis por propagarem sua influência, por assim dizer, sobre diferentes normas.
Não por outro motivo assegura parte da doutrina ser a violação de um princípio indubitavelmente mais grave do que a transgressão à própria norma. No último caso, justificam, fala-se de infração a uma regra apenas, responsável esta por regular somente determinado procedimento ou conduta.
Claro que é válido atentar para o fato de que princípios são também preceitos. Diferem-se, entretanto, pela sua abrangência. Se de um princípio emanam normas, o contrário não pode ser dito.
Feita esta consideração mais genérica, necessário compreender agora a natureza dos princípios recursais. Primeiro é importante ter em mente que, tal qual ocorre com todos os outros ramos do direito, no caso dos recursos estes também estão submetidos a vários princípios.
São estes que cumprem o papel de nortear e orientar a aplicação específica das regras. Também permitem a interpretação do sistema recursal em toda sua abrangência.
Mais importante, todavia, é reconhecê-los como essenciais para garantir a autonomia do direito processual em relação ao direito material. São, como se depreende do exposto anteriormente, fundamentos ou proposições situadas na base do direito processual civil, auxiliando não somente no perfeito domínio intelectual do seu conteúdo, mas também na compreensão da dimensão do comando introduzido na norma processual. Em caso de vácuo desta, servem como fator de integração.
Destarte, para os que buscam entender melhor o sistema processual civil brasileiro, torna-se exigência obrigatória dispensar atenção ao estudo dos princípios processuais, considerando-se serem estes que, não raro, permitem visualizar o caminho tomado pelo codificador ao conceber determinada norma.
Realizadas tais observações, em sede de comentários introdutórios, resta afirmar que, como a doutrina não é pacífica no que tange aos princípios recursais, serão analisados no presente apenas os mais estudados. São poucos, é verdade, mas pode-se garantir estarem situados entre os considerados mais relevantes.
2.1. Princípio da Taxatividade
O art. 22, I, da Constituição Federal brasileira atribui expressamente à União a competência exclusiva para legislar sobre processo. Desta determinação deriva o entendimento doutrinário de que só podem ser utilizados recursos previstos em lei, o que significa dizer, em outras palavras, que o rol de recursos é taxativo (ou “numerus clausus”).
Depreende-se, portanto, preciosa noção de que não é permitido às partes formular outros meios de impugnação, senão os estabelecidos pelo codificador. Válido salientar também que o Princípio da Taxatividade, emanado do dispositivo constitucional supracitado, deriva de outro princípio, o da Legalidade.
Importante deixar claro ainda que o vigente Código de Processo Civil preocupou-se em instituir o rol taxativo de recursos cabíveis, citando-os no seu artigo 994. Preceitua o referido que:
Art. 994. São cabíveis os seguintes recursos:
I - apelação;
II - agravo de instrumento;
III - agravo interno;
IV - embargos de declaração;
V - recurso ordinário;
VI - recurso especial;
VII - recurso extraordinário;
VIII - agravo em recurso especial ou extraordinário;
IX - embargos de divergência.
Destarte, correto afirmar que apenas são recursos àqueles previstos em lei federal, sendo quaisquer outros naturalmente inconstitucionais, como se infere das lições de Neves. Neste sentido manifestam-se acertadamente tribunais de todo o país, conforme demonstrado abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. REGIMENTO INTERNO TRF3. AGRAVO REGIMENTAL. ACÓRDÃO. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE. I - O Art. 250 do Regimento Interno do TRF3 prevê recurso de agravo regimental em face de decisão monocrática, individual do relator. Impetrou-se essa espécie recursal em face de acórdão julgado pela Egrégia 2ª Turma. II - Pelo princípio da taxatividade, não se está a tratar de hipótese autorizadora para o recurso em comento, o que enseja seu não conhecimento de plano. Precedente deste Tribunal. O agravante pretende realizar rediscussão de matéria já analisada pelo colegiado e decidida por unanimidade. III - Agravo regimental não conhecido.
(TRF-3 - AC: 00082068220124036104 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, Data de Julgamento: 08/11/2016, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/11/2016)
Por último, em referência ao citado, cabe pontuar também pequena advertência, já que nada impede que outros instrumentos de impugnação estejam previstos em lei especial.
2.2. Princípio da Singularidade ou da Unirrecorribilidade
Deriva do princípio em tela a determinação de que para cada decisão judicial cabe um único recurso. Este, como se deduz dos ensinamentos de Gonçalves, terá desígnio determinado e adequado tão somente à impugnação da decisão causadora do inconformismo.
Em consonância com estas ponderações não é incorreto concluir, portanto, que o recurso cabível deve ser empregado estritamente para a situação cabível. Neves, inclusive, admite em sua obra ser possível a existência simultânea de mais de um de instrumento de revisão do ato judicial, contra a mesma decisão, desde que tenham estes a mesma natureza jurídica, a exemplo da sucumbência recíproca ou do litisconsórcio. Observe como se posicionam os tribunais:
COBRANÇA DE ALUGUEL. SENTENÇA PROCEDENTE. EXECUÇÃO. APLICAÇÃO DA LEI Nº 11.232/2005 AOS PROCESSOS EM CURSO. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. Ação de cobrança de alugueis e encargos julgada procedente. Execução iniciada em 2001, com Sentença de improcedência dos embargos de devedor, prolatada em maio de 2007, embora tenha a juíza da causa principal decretado, depois, a nulidade da execução a partir da citação por edital. Embargos de devedor entendidos como impugnação, cuja sentença de improcedência desafia Agravo de Instrumento, considerando que a Lei 11.232/2005, que modificou o procedimento da execução, por ser processual, tem aplicação imediata. Apelação recebida como agravo de Instrumento. Cabimento do principio da fungibilidade recursal, considerando que o termo inicial do prazo foi dia 03.03.2009, 3ª-feira, com término em 23.03.2009, 2ª-feira, computado o prazo em dobro. Porém, as razões recursais são idênticas as expostas no Agravo 12.772/2009, cuja decisão do relator desta Câmara, negando seguimento, transitou em julgado. Impossibilidade de prosperar as razões trazidas por meio de um recurso impróprio e, por isso, improcedente. Respeito ao princípio da singularidade, unicidade ou unirrecorribilidade, segundo o qual cada decisão deverá ser atacada por recurso específico, previsto na legislação processual. Recurso com seguimento negado pela relatora, na forma do art. 557, do CPC.
(TJ-RJ - APL: 00048216520048190046 RIO DE JANEIRO RIO BONITO 1 VARA, Relator: ZELIA MARIA MACHADO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 24/09/2009, QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/09/2009)
Contudo, cabe neste ponto, a título de esclarecimento mais amplo, breve ressalva ao fato de que o Princípio da Singularidade não é de maneira alguma absoluto. Existem situações em que será possível sim interpor recursos distintos contra o mesmo ato judicial, a exemplo da interposição de embargos de declaração e apelação em face de uma mesma decisão.
Importante salientar, contudo, que nesta hipótese “não há de ser conhecido o recurso de apelação se suas razões repetem as razões de agravo de instrumento”, como demonstrado abaixo em jurisprudência:
PELAÇÃO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ANTERIOR INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO COM IDENTIDADE DE ARGUMENTOS CONTRA A MESMA DECISÃO. Não é de ser conhecido o recurso de apelação se suas razões repetem as razões de agravo de instrumento anteriormente interposto contra a mesma decisão. Parte que já exerceu a faculdade de recorrer. Preclusão consumativa. Princípio da unirrecorribilidade ou singularidade recursal. Precedentes deste Corte. Apelação não conhecida. (Apelação Cível Nº 70070986245, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 26/10/2016).
(TJ-RS - AC: 70070986245 RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Data de Julgamento: 26/10/2016, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/11/2016)
2.3. Princípio da Fungibilidade dos Recursos
Como explica a melhor doutrina não é incomum que o recorrente manifeste dúvida sobre o recurso cabível depois de tomar ciência de decisão desfavorável. Também não o é que, por equívoco legítimo, interponha recurso errado.
Para estas hipóteses de existência de dúvida objetiva não pacificada na doutrina ou na jurisprudência, é possível que o juiz ou tribunal receba um recurso pelo outro, com base no Princípio da Fungibilidade.
Claro que, como bem explica Gonçalves, não é suficiente apenas a dúvida subjetiva. Sem a existência de controvérsia objetiva, não há que se falar na aplicação do referido princípio.
Pode-se dizer que a fungibilidade se presta a não prejudicar a parte recorrente. Contudo, é necessária a observação de pelo menos dois pressupostos. Primeiro que, como demonstrado, exista presença de dúvida objetiva sobre o meio de impugnação aplicável. Por último que inexista erro grosseiro na interposição do recurso. Soma-se ainda a tal relação a necessária observância do prazo legal destinado ao recurso apropriado. Neste sentido manifestou-se recentemente o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região:
PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE DOS RECURSOS. A aplicação do princípio da fungibilidade depende da presença de três requisitos: inexistência de erro grosseiro, dúvida razoável quanto ao recurso cabível e observância do prazo legal destinado ao recurso apropriado. Destina-se o princípio a evitar prejuízos à parte que interpôs um recurso erroneamente nominado, permitindo o seu aproveitamento.
(TRT-1 - RO: 00102871920155010042, Relator: CARLOS HENRIQUE CHERNICHARO, Data de Julgamento: 30/01/2017, Quarta Turma, Data de Publicação: 16/02/2017)
2.4. Princípio da Proibição da Reformatio In Pejus
Quarto e último dos princípios em análise neste breve ensaio, o Princípio da Proibição da “Reformatio in Pejus” prevê que do reexame de uma decisão judicial somente poderá resultar decisão que reduza esse prejuízo ou o mantenha, mas não que o agrave.
O tribunal não pode, portanto, dar decisão que piore a sentença anterior. A título de exemplo pode-se trabalhar com a situação hipotética do individuo que ganhou R$ 5 mil na primeira instância e, insatisfeito, recorreu objetivando conseguir os R$ 10 mil inicialmente pleiteados. O órgão “ad quem” não pode condená-lo a receber somente R 3 mil depois de apreciado o recurso. Observe exemplo ilustrativo extraído de recente jurisprudência:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA. ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA EXEQUENDA. 1. Pelo princípio da proibição da reformatio in pejus, ainda que devolvida a esta Corte, pela União, a questão dos índices de correção aplicáveis, não havendo também recurso da parte contrária, a decisão não pode ser reformada em favor do autor, restando, portanto, mantida a decisão monocrática nos termos em que exarada (determinando a aplicação do IPCA-E). 2. Assim, devem ser aplicados os índices indicados na decisão monocrática, sob pena de ofensa ao título executivo.
(TRF-4 - AC: 50251390820154047108 RS 5025139-08.2015.404.7108, Relator: JORGE ANTONIO MAURIQUE, Data de Julgamento: 17/08/2016, PRIMEIRA TURMA)
Como sempre, no entanto, cabe também a este princípio oportuna ressalva. Se, como explicado, a parte insatisfeita pleiteia sozinha o reexame da decisão não cabe a “reforma para pior”. Mas, na hipótese em que ambas as partes envolvidas no processo recorrem simultaneamente (sucumbência recíproca), pode ocorrer sim o “Reformatio in pejus”. Neste caso a situação de qualquer dos litigantes pode ser piorada pelo recurso proposto pela parte contrária (mas, em hipótese nenhuma, poderá sê-lo pelo seu próprio recurso).
Sobre tal hipótese já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça ao estabelecer na Súmula 45 que “no reexame necessário, é defeso ao Tribunal agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”, como reproduzido abaixo:
Súmula 45/STJ - 08/03/2017. Recurso. Reexame necessário. Fazenda Pública. Agravamento da condenação. Impossibilidade. CPC, art. 475.
«No reexame necessário é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública.»