Prisões cautelares aplicáveis antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sob a perspectiva constitucional

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02/05/2017 às 19:22
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5 O cumprimento de pena após condenação em segundo grau de jurisdição

Em sendo matéria constitucional, a relativização do princípio da presunção da inocência chegou até o Supremo Tribunal Federal, que no dia 17 de fevereiro de 2016 proferiu uma das decisões mais notórias e polêmicas de sua história, através do julgamento do Habeas Corpus 126.292[xix]:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.

1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

2. Habeas corpus denegado. (GRIFOS NOSSOS)

Um dos pontos mais criticados acerca da decisão, é o inevitável ativismo do STF, que de certa forma acabou legislando matéria Processual Penal a partir da decisão, no entanto, é evidente que a produção legislativa infelizmente não tem acompanhado as transformações sociais, portanto, resta prejudicada a crítica ao Judiciário pelo exercício de uma função legislativa que de fato é atípica, mas indispensável à manutenção da ordem. A interpretação dos ministros de forma a admitir que um indivíduo que ainda não esgotou suas possibilidades recursais, inicie o cumprimento provisório da sua pena, foi fundamentado, em boa parte, em normas e princípios constitucionais voltados à manutenção da ordem pública, destacou brilhantemente o Ministro Luís Roberto Barroso em seu voto[xx]:

Na discussão específica sobre a execução da pena depois de proferido o acórdão condenatório pelo Tribunal competente, há dois grupos de normas constitucionais colidentes. De um lado, está o princípio da presunção de inocência, extraído do art. 5º, LVII, da Constituição, que, em sua máxima incidência, postula que nenhum efeito da sentença penal condenatória pode ser sentido pelo acusado até a definitiva afirmação de sua responsabilidade criminal. No seu núcleo essencial está a ideia de que a imposição ao réu de medidas restritivas de direitos deve ser excepcional e, por isso, deve haver elementos probatórios a justificar a necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito da medida. De outro lado, encontra-se o interesse constitucional na efetividade da lei penal, em prol dos objetivos (prevenção geral e específica) e bens jurídicos (vida, dignidade humana, integridade física e moral, etc.) tutelados pelo direito penal. Tais valores e interesses possuem amplo lastro na Constituição, encontrando previsão, entre outros, nos arts. 5º, caput (direitos à vida, à segurança e à propriedade), e inciso LXXVIII (princípio da razoável duração do processo), e 144 (segurança). Esse conjunto de normas postula que o sistema penal deve ser efetivo, sério e dotado de credibilidade. Afinal, a aplicação da pena desempenha uma função social muitíssimo relevante. (...) Mediatamente, o que está em jogo é a proteção de interesses constitucionais de elevado valor axiológico, como a vida, a dignidade humana, a integridade física e moral das pessoas, a propriedade, e o meio ambiente, entre outros. (GRIFOS NOSSOS)

Conforme asseverado pelo Excelentíssimo Ministro, interpretar o inciso LVII do art. 5º da Carta Magna de forma a assegurar a efetividade da lei penal e proteger outros bens jurídicos com status constitucional é totalmente legítimo, têm-se interesses distintos colidentes, que, para evitar indesejável tautologia, aplica-se o que foi abordado no item 2 da presente produção acadêmica. Um indivíduo ter sido condenado em primeira instância e ter a condenação sido confirmada em segundo grau, é um fato que demonstra a solidez e veracidade da acusação, possibilitando a formação de uma segura perspectiva acerca da sua responsabilidade penal enfraquecendo ainda mais a presunção da inocência.

5.1 Do esgotamento da matéria de mérito

A estrutura do Judiciário brasileiro, reserva aos Tribunais de Justiça dos estados, a atribuição de julgar os recursos de apelação e o consequente esgotamento da matéria de mérito de determinado caso, ou seja, proferido o acórdão confirmado ou reformando determinada sentença, somente será cabível recurso especial na hipótese de demonstrada ofensa ao disposto em lei federal, destinado ao STJ, ou recurso extraordinário, destinado ao STF, em sendo caso de violação de normas constitucionais. As Cortes Superiores tratam somente de matérias de direito, logo respeitado o princípio do duplo grau de jurisdição, se um Tribunal de Justiça confirma a condenação do réu, isso não será discutido pelos Tribunais Superiores, o fato criminoso não será reavaliado, ora, posto isso, via de regra, não se verifica qualquer fundamento jurídico plausível para permitir que o sentenciado recorra em liberdade. Ainda, verificada no decorrer do processo, manifesta violação às leis federais ou à própria Constituição, o réu pode se valer de habeas corpus impetrado diretamente junto aos Tribunais Superiores. A interposição indiscriminada dos aludidos recursos, caso fornecidos para a defesa como instrumento para protelar o cumprimento da sentença condenatória e manter o réu em liberdade, implica em criar o ambiente perfeito para que o réu possa eximir-se do cumprimento da pena imposta através da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva ou executória estatal, comprometendo a duração razoável do processo e consagrando a impunidade[xxi].

Nesta esteira, a decisão do STF confirmando a constitucionalidade do cumprimento provisório da pena após condenação em segundo grau de jurisdição, é totalmente coerente, manter um indivíduo segregado com vistas a assegurar a devida instrução do feito, não implica em considerá-lo culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, como veda a Constituição Federal.


Considerações finais

Indiscutível que a observância ao devido processo legal conferida à um indivíduo que está em frente ao jus puniendi do Estado é indispensável para solidificação de um Estado Democrático de Direito, no entanto, não é concebível que a Justiça ignore interesses substanciais relacionados à aplicação da lei penal, ao bem estar social e à estabilidade de instituições basilares do convívio em sociedade, sob uma justificativa exacerbadamente garantista. A ponderação entre a liberdade e os interesses inerentes à ordem pública é uma tarefa que exige muita circunspeção por parte do aplicador da lei, que ao fazê-la, não pode ignorar as realidades sociais.

Juízes, membros do Ministério Público, Delegados e quaisquer demais agentes públicos que lidam diariamente com demandas penais e assumem uma postura menos flexível em relação ao estado de inocência, com vistas a salvaguardar a ordem pública e efetivar a aplicação da lei penal, exercem com maestria o dever à eles incumbido, de demonstrar que o Estado deve saber impor-se, mostrar a força das suas instituições para consolidar a sua elementar obrigação, qual seja, promover a ordem e propiciar a paz à toda sociedade.


Referências

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

BARROSO, Luis Roberto. Direito constitucional.  2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Habeas Corpus n.126.292. Relator: ZAVASCKI, Teori. p. 40. Publicado no DJ de 17 mai. 2016. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP= TP&docID=10964246> Acesso em: 03 jan.2017.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 19. ed. São Paulo. Saraiva, 2012.

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MARQUES, Ivan Luís; MARTINI, João Henrique Imperia. Processo penal III: procedimentos e prisão. São Paulo: Saraiva, 2012.

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SAAVEDRA, Fernando Jaime Estenssoro. Medio ambiente e ideología: la discusión pública en Chile, 1992-2002. Santiago: Ariadna/Universidad de Santiago de Chile – USACH, 2009.

SARMENTO, Daniel. Os princípios constitucionais e a ponderação de bens. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.


Notas

[ii] “[...] base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica que consiste em pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 213.

[iii]“[...] vamos a entender por ideología a un cuerpo de ideas que expresan el funcionamiento deseable de la sociedad, por parte de un grupo humano o colectivo social. Implican una representación y evaluación político-social existente para un momento histórico determinado, plantean un tipo de sociedad ideal o deseable a que se aspira, y prescriben las acciones políticas que permitan, ya sea acercar lo existente con lo ideal […]”. SAAVEDRA, Fernando Jaime Estenssoro. Medio ambiente e ideología: la discusión pública en Chile, 1992-2002. Santiago: Ariadna/Universidad de Santiago de Chile – USACH, 2009, p. 28.

[iv] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 01 dez. 2016

[v] BARROSO, Luis Roberto. Direito constitucional.  2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 102.

[vi] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 15.

[vii] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 329.

[viii] SARMENTO, Daniel. Os princípios constitucionais e a ponderação de bens. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p 55.

[ix] FISCHER, Douglas. Garantismo penal integral (e não o garantismo hiperbólico monocular) e o princípio da proporcionalidade: Breves anotações de compreensão e aproximação dos seus ideais. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.html> Acesso em: 05 dez. 2016.

[x] BRASIL. Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /L7960.htm> Acesso em: 05 dez. 2016.

[xi] BRASIL. Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /L8072.htm> Acesso em: 05 dez. 2016.

[xii] MARQUES, Ivan Luís; MARTINI, João Henrique Imperia. Processo penal III: procedimentos e prisão. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 143.

[xiii] MARQUES, Ivan Luís; MARTINI, João Henrique Imperia. Processo penal III: procedimentos e prisão. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 144.

[xiv] MARQUES, Ivan Luís; MARTINI, João Henrique Imperia. Processo penal III: procedimentos e prisão. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 125.

[xv] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 19. ed. São Paulo. Saraiva, 2012. p. 330.

[xvi] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal .19. ed. São Paulo. Saraiva, 2012. p. 330.

[xvii] BRASIL. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm> Acesso em: 05 dez. 2016.

[xviii] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 626.

[xix] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Habeas Corpus n.126.292. Relator: ZAVASCKI, Teori. p. 1. Publicado no DJ de 17.05.2016. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP =TP&docID=10964246> Acesso em: 03 jan. 2017.

[xx] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Habeas Corpus n.126.292. Relator: ZAVASCKI, Teori. p. 40. Publicado no DJ de 17 mai. 2016. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP= TP&docID=10964246> Acesso em: 03 jan.2017.

[xxi] NUCCI, Guilherme de Souza. A decisão do STF acerca do cumprimento da pena após o julgamento de 2º grau de jurisdição e a presunção de inocência. Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2016/10/11/a-decisao-do-stf-acerca-do-cumprimento-da-pena-apos-o-julgamento-de-2o-grau-de-jurisdicao-e-a-presuncao-de-inocencia/> Acesso em: 03 jan. 2017.

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Sobre o autor
Luiz Gustavo Venier

Acadêmico do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí cursando o 5º período da graduação. Atualmente exerce a função de estagiário de Direito no Gabinete da Vara Criminal da Comarca de Tijucas/SC, Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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