A reforma da previdência social tem sido discutida no Congresso Nacional por intermédio da PEC n. 287/16.
No tocante ao cálculo do valor da aposentadoria, a PEC estabeleceu a seguinte proposição: o benefício seria calculado com base em 51% da média salarial mais 1% a cada ano de contribuição, nos termos da lei.
Uma pessoa que tivesse, portanto, 25 anos de contribuição receberia 76% da média salarial, cuja aferição deveria ser feita por lei a ser editada futuramente pelo Congresso Nacional, caso a reforma previdenciária fosse aprovada.
O governo federal afirmou expressamente que seria mantida a média correspondente a 80% do período contributivo correspondente aos maiores salários de contribuição tal como vigorava desde novembro de 1999.
A Lei n. 9.876/99, não obstante tenha mantido o regime financeiro de benefício definido, procurou instituir uma corrrespectitividade individual entre o período de contribuição e o valor do benefício, autorizando, porém, o descarte de 20% do período contributivo correspondente aos menores salários de contribuição.
A redação atribuída pelo substitutivo do relator Arthur Maia representou uma grande surpresa à população brasileira quando previu expressamente que a média seria feita com base em 100% dos salários de contribuição após julho de 1994, descumprindo o compromisso de Ministros do governo federal e técnicos que seria mantido o descarte dos 20% dos menores salários.
Essa mudança brusca representa um prejuízo monumental ao segurado por várias razões.
A ideia de se descartar os 20% dos menores salários parte da premissa de que o trabalhador em geral inicia o seu labor com uma remuneração menor e ao longo dos anos vai galgando ganhos remuneratórios maiores.
Para um trabalhador que tenha que cumprir uma idade de 65 anos e trabalhe por 40 anos significa que serão descartados 8 anos correspondentes aos seus menores salários de contribuição.
Com a nova proposta, a média levaria em consideração todos os salários de contribuição sem o descarte de qualquer salário que eventualmente o segurado tenha auferido e não corresponda a sua média salarial ordinária.
A mudança da forma como foi proposta representa uma ruptura da legítima confiança dos segurados, eis que muitos desde novembro de 1999 tinham a expectativa de direito de que ao menos um período de menores salários seriam descartados.
Se um segurado perdia o emprego, poderia recolher, considerando, exemplificativamente a data de julho de 1994 a abril de 2017, até no máximo 55 meses (4 anos e 6 meses aproximadamente) com menores salários, sem receio que tais salários fossem inseridos em sua média salarial, considerando que de julho de 1994 a abril de 2017 perfazem 273 competências e a média salarial seria feita com base nos 218 maiores salários de contribuição.
Um segurado que recolha o total de 55 competências sobre o salário mínimo e o restante sobre o teto, apuraria uma média de R$ 4.987,00, eis que os menores salários seriam desconsiderados. Caso a média seja feita com base em 100% dos salários de contribuição o valor passaria a ser R$ 4.080,00.
Transcreve-se o art. 19 do substitutivo do relator:
Art. 19. Até que lei venha a disciplinar a matéria, as médias previstas no § 2º-A do art. 40 da Constituição e no § 8º-A do art. 201 da Constituição considerarão as remunerações e salários de contribuição, atualizados monetariamente, utilizados como base para contribuições ao regime geral de previdência social ou ao regime de previdência de que trata o art. 40 da Constituição, correspondentes a 100% (cem por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a competência do início da contribuição, se posterior àquela competência.
Sem qualquer regra de transição e desconsiderando a legislação previdenciária atualmente em vigor a nova sistemática pretende, portanto, considerar todos os salários sobre os quais o segurado verteu contribuições previdenciárias após julho de 1994. Ao menos, o que se esperava é que o período transcorrido entre julho de 1994 até eventual aprovação da sistemática de cálculo se preservasse a fórmula de descarte de 20% dos menores salários de contribuição.
Essa mudança abruta proposta é extremamente deletéria para a segurança jurídica de nosso ordenamento jurídico previdenciário e pode ser reputada como inconstitucional, porquanto não estabelece qualquer regra de transição em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
A lição de Fabio Zambitte não foi considerada na proposta do relator:
“Para tanto, a dogmática jurídica, nos últimos anos, tem desenvolvido a necessidade de uma transição razoável entre regimes previdenciárias, o que, em bom português, significa aplicar a tais pessoas um novo regramento que será mais severo que o anterior, mas, ao mesmo tempo, não tão rigosoro quanto o novo. Um meio termo. Esta é, em apertadíssima síntese, a ideia.” (Previdência Social? Coordenação de Jane Lucia Wilhelm Berwanger, Marco AurelioSerau Jr. e Melissa Folmann – Porto Alegre : Magister 2016, p. 86)
No mesmo sentido, é a lição de Leonardo Zicarelli Rodrigues:
“É o que garante a existência do direito expectado, compreendido como norma de regência de direito previdenciário daquele que, protegido pelo postulado constitucional da segurança, deve se manter protegido de eventual prejuízo excessivo causado pelo legislador. Mudanças radicais impõem a diferenciação objetiva entre o sujeito que ainda se filiará ao regime previdenciário e aquele que está próximo de consolidar situação de reunião de requisitos para concessão de benefícios.” (Previdência Social? Coordenação de Jane Lucia Wilhelm Berwanger, Marco Aurelio Serau Jr. e Melissa Folmann – Porto Alegre : Magister 2016, p. 142)
Mesmo em caso de mudança nos critérios de cálculo de benefícios previdenciários deve se prever regras de transição tal como ocorreu com a instituição do fator previdenciário que contou com uma regra intermediária de um prazo de cinco anos para a sua plena aplicabilidade.
Por outro lado, nossas autoridades demonstraram insidioso desrespeito com a população brasileira, uma vez que asseguraram perante a mídia expressamente que seria mantida a média correspondente a 80% do período contributivo correspondente aos maiores salários de contribuição, o que não se confirmou após a apresentação do relatório pelo Deputado Federal Arthur Maia. Eis trecho de reportagem divulgado no Correio Braziliense no dia 03 de março de 2017:
“No nosso entendimento, levar em conta todos os salários é injusto, porque todo trabalhador geralmente começa com salário mínimo. A média cai muito quanto se fala de 100%”, explicou o deputado. Insatisfeito, ele sugeriu que mudasse, pelo menos, para 90%, pois 100% seria “inadmissível”, ao que Caetano respondeu que o cálculo levaria em conta 80% dos salários de contribuição. “Ele disse que foi um equívoco dos técnicos não ter deixado claro. Sendo ou não, o texto que mandaram não deixa dúvidas de interpretação, porque sequer fala que isso será estabelecido em lei”, reclamou Barbosa.http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2017/03/30/internas_economia,584699/governo-volta-atras-e-decide-rever-calculo-da-aposentadoria.shtml
Outra alteração que aparentemente foi positiva ocorreu na apresentação do substitutivo do relator relativamente ao coeficiente de 70%. O coeficiente apresentado na PEC n. 287/16 previa um acréscimo de 51% mais 1% a cada ano de contribuição do segurado. Pela nova sistemática, o acréscimo em relação aos 70% somente aconteceria se o segurado tivesse mais do que 25 anos de contribuições.
Assim sendo, um segurado que possui 25 anos de contribuições teria seu coeficiente fixado em 70%. O modelo anteriormente proposto garantiria ao segurado 76% com 25 anos de contribuições (51% + 25%), ou seja, especialmente para as pessoas de menor poder aquisitivo e que possuem um menor número de contribuições previdenciárias o substitutivo representou sensível piora em relação à proposta apresentada pelo governo federal.
A vantagem da nova proposta somente começa a aparecer para segurados que possuem mais de 34 anos de contribuição e, portanto, poderão alcançar a média integral aos 40 anos de contribuições. Também seriam beneficiados com a nova regra em relação ao texto original os segurados que estão na regra de transição e que ainda não possuem 15 anos de contribuições (pessoas que possuem 15 a 18 anos de contribuições).
Segundo a nova sistemática, o coeficiente aumentaria da seguinte forma: de 26 anos a 30 anos = 1,5% por ano; de 31 a 35 anos = 2% por ano; de 36 a 40 anos = 2,5% por ano. Conclusão: a fórmula de cálculo proposta foi totalmente distorcida pelo relator em relação ao coeficiente que está em vigor atualmente na aposentadoria por idade que funciona da seguinte forma: 70% + 1% a cada grupo de 12 contribuições. Alguém, portanto, que possui 25 anos de contribuição, pela regra atual, receberia 95% da média salarial e com a nova regra passaria a ser 70%.
Foi exatamente essa explanação que fiz quando estive na comissão especial na Câmara dos Deputados, constando do relatório o resumo de minha exposição:
“Demonstrou preocupação com a forma como a reforma teria sido elaborada, sem cálculos atuariais, de acordo com seu ponto de vista, e em desobediência ao art. 10 da Constituição Federal, que determinaria a oitiva prévia do Conselho Nacional de Previdência Social.
Destacou que a regra de transição veiculada na proposta, por se basear em um corte por idade, não salvaguardaria aqueles que confiaram no sistema. Na mesma linha, sustentou que a fórmula de cálculo se encontraria na contramão da legislação previdenciária. Para que houvesse coerência, o valor da aposentadoria deveria ser estabelecido a partir do coeficiente de 70%.
Assinalou que a inclusão da palavra “efetivamente” no texto relativo à aposentadoria especial poderia gerar confusão hermenêutica acerca do que seria efetivamente prejudicial à saúde. Consignou que não haveria necessidade de modificação do texto constitucional, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal já vincularia a concessão de benefício previdenciário à efetividade dos equipamentos utilizados para proteger o trabalhador.”
Veja que, muito embora o relator tenha afirmado que expressamente acolheu a sugestão dos 70%, fazendo menção explícita ao conteúdo de minha exposição, não considerou a parte mais relevante no sentido de que o percentual se inicia em 70% e vai sendo acrescido com os anos de contribuição do segurado. O substitutivo simplesmente não agrega qualquer percentual ao segurado que tenha menos de 25 anos de contribuições, contrariando todas as regras em vigor atualmente no ordenamento jurídico previdenciário.
Também no tocante à mudança do coeficiente de cálculo para a apuração da renda mensal inicial não foi fixada qualquer regra de transição. Assim, uma pessoa que faltasse um ano para adquirir a aposentadoria por idade (atualmente em 180 contribuições mensais) e possuísse a expectativa de direito de se aposentar com 85% da média irá se aposentar, caso a reforma previdenciária seja aprovada, com 70% e – o que é mais grave – levando-se em conta 100% dos salários de contribuição a partir de julho de 1994.
Não há dúvida de que essas duas mudanças nos critérios de cálculo das aposentadorias proporcionarão prejuízos significativos a milhões de segurados, gerando uma ruptura na confiança no sistema previdenciário nacional.
A indagação que subsiste é a seguinte: o que se pode esperar de um governo que não é capaz de cumprir com seus compromissos firmados publicamente perante a sociedade brasileira, especialmente considerando que o substitutivo do relator foi negociado diretamente com o Poder Executivo? Como se processará a posterior reforma previdenciária que será feita por medidas provisórias, decretos e instruções normativas - sem qualquer debate com a sociedade e sem cálculos atuariais - após a aprovação da reforma constitucional?
Esse questionamento é fundamental quando se outorga poderes ao legislador infraconstitucional para regulamentar um dos pontos mais polêmicos da reforma previdenciária: o aumento automático da idade mínima. A bem da verdade, esse dispositivo deveria ter sido suprimido, por completo, do texto da PEC, mas infelizmente ocorreu uma sutil manobra. Eventual aumento da idade mínima deveria ser precedido de amplo debate social, cálculos atuariais, econômicos e uma nova reforma constitucional, se fosse o caso, por se tratar de requisito de elegibilidade para o principal benefício previdenciário após a nova modelagem proposta pela PEC n. 287: a aposentadoria por idade.
O texto original previa que o gatilho da idade mínima não necessitaria de norma regulamentadora. O relator, contudo, apresentou seu substitutivo no sentido de retirar do texto da PEC o aumento automático da idade mínima (65 anos para homem e 62 anos para mulher) para delegar a uma lei ordinária o poder de estabelecer os critérios, muito embora o texto do substitutivo já tenha delineado praticamente todo o conteúdo normativo do gatilho (essa regra também se aplica para a idade mínima do trabalhador rural e do professor). Eis o texto do art. 201, §15 do substitutivo apresentado:
§15. A lei estabelecerá a forma como as idades previstas nos incisos I e II do §7º e no §8º serão majoradas em um ano quando houver aumento em número inteiro na expectativa de sobrevida da população brasileira aos sessenta e cinco anos, para ambos os sexos, em comparação com a média apurada no ano de publicação desta Emenda.
A mudança, portanto, não livra os brasileiros do risco da idade mínima ser alterada exatamente da forma como foi proposta no texto original da PEC n. 287/16, podendo ser editada uma medida provisória, por exemplo, para estabelecer critérios secundários ou algum marco temporal a partir de quando o aumento automático se processaria (a PEC n. 287 havia previsto um prazo de cinco anos de interstício para se iniciar a vigência do gatilho).
Sempre que houver, portanto, a elevação em 01 ano inteiro (utilizando-se como base a expectativa de sobrevida calculada para a população aos 65 anos de idade) na expectativa de sobrevida haverá a elevação na idade mínima para a aposentadoria por idade.
Se considerarmos variação da expectativa de sobrevida aos 65 anos no intervalo entre os anos de 1998 a 2015 concluímos que, em média, a expectativa de sobrevida na idade considerada sofre uma elevação em 0,25 (aproximadamente) a cada ano. Caso essa variação se mantenha, a idade mínima para a aposentadoria por idade será elevada em 01 ano a cada 04 anos.
A tabela a seguir demonstra a idade mínima prevista para a aposentadoria para segurados de acordo com a idade atual:
IDADE ATUAL | IDADE EM QUE PODERÁ SE APOSENTAR |
16 anos | 81 anos |
20 anos | 80 anos |
25 anos | 79 anos |
30 anos | 77 anos |
35 anos | 75 anos |
40 anos | 73 anos |
43 anos | 73 anos |
Conforme se verifica pela explanação acima, o gatilho inviabilizará a aposentadoria dos mais jovens. Esse mecanismo perverso não foi, portanto, extirpado da PEC 287/16; ele permanece, bastando uma medida provisória para que sua eficácia seja restaurada.
Seguem abaixo tabelas dos coeficientes de cálculo da aposentadoria por idade, conforme a legislação atual, o texto original da PEC n. 287/16 e o substitutivo apresentado pelo relator.
Regra atual da aposentadoria por idade
ANO DE CONTRIBUIÇÃO | COEFICIENTE |
15 | 85% |
16 | 86% |
17 | 87% |
18 | 88% |
19 | 89% |
20 | 90% |
21 | 91% |
22 | 92% |
23 | 93% |
24 | 94% |
25 | 95% |
26 | 96% |
27 | 97% |
28 | 98% |
29 | 99% |
30 | 100% |
PEC n. 287/16 (redação original)
ANO DE CONTRIBUIÇÃO | COEFICIENTE |
15 | 66% |
16 | 67% |
17 | 68% |
18 | 69% |
19 | 70% |
20 | 71% |
21 | 72% |
22 | 73% |
23 | 74% |
24 | 75% |
25 | 76% |
26 | 77% |
27 | 78% |
28 | 79% |
29 | 80% |
30 | 81% |
31 | 82% |
32 | 83% |
33 | 84% |
34 | 85% |
35 | 86% |
36 | 87% |
37 | 88% |
38 | 89% |
39 | 90% |
40 | 91% |
41 | 92% |
42 | 93% |
43 | 94% |
44 | 95% |
45 | 96% |
46 | 97% |
47 | 98% |
48 | 99% |
49 | 100% |
Substitutivo apresentado pelo relator:
ANO DE CONTRIBUIÇÃO | COEFICIENTE |
15 | 70% |
16 | 70% |
17 | 70% |
18 | 70% |
19 | 70% |
20 | 70% |
21 | 70% |
22 | 70% |
23 | 70% |
24 | 70% |
25 | 70% |
26 | 71,5% |
27 | 73% |
28 | 74,5% |
29 | 76% |
30 | 77,5% |
31 | 79,5% |
32 | 81,5% |
33 | 83,5% |
34 | 85,5% |
35 | 87,5% |
36 | 90% |
37 | 92.5% |
38 | 95% |
39 | 97,5% |
40 | 100% |