A aplicabilidade do Direito Internacional dos conflitos armados (DICA) no emprego das tropas do EB em missões de paz

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3.     O CAPÍTULO “SEIS E MEIO” DA CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS

Como já discutido neste estudo, a Organização das Nações Unidas foi criada em substituição a “Liga das Nações” com o papel de evitar a repetição das atrocidades vividas nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Um órgão dotado de autonomia e respeito internacional, buscando sempre o estabelecimento da paz e da harmonia entre nações.

A discussão neste Capítulo trás a baila uma analise dos Capítulos Seis e Sete da Carta das Nações Unidas e a necessidade de uma reformulação e integração de um novo Capítulo, chamado por muitos de “Seis e Meio”.

O Capitulo VI dispõe sobre a Diplomacia preventiva, ou seja, prevenção do surgimento de disputas entre estados, ou ainda no interior de algum, visando evitar a deflagração de conflitos armados. Ditando sobre a (promoção da paz, peacemaking), que são ações diplomáticas empreendidas após o inicio do conflito, que visam à negociação entre as partes a fim de suspender as hostilidades.

Por outro lado, o Capítulo VII visa impor a paz (Peace-enforcement). Seriam operações com inclusão de utilização de forças armadas para restaurar a paz e segurança internacionais.

Porém a partir do término da Segunda Guerra Mundial os tipos de conflito mudaram muito, nas últimas décadas nos deparamos com inúmeros confrontos principalmente internos aos Estados. Estes pediam a intervenção internacional, tendo em vista que em sua grande maioria ou na quase totalidade violavam os Direitos e a Dignidade Humana.

Surgiu então a questão da necessidade de um novo tipo de intervenção, nem prevista no Capitulo VI muito menos no VII. Está não seria apenas fundamentada em ações diplomáticas (Capitulo VI) ou em operações na totalidade militares (Capitulo VII).

Nos dizeres do Secretário Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, no ano de 1992, na criação do documento “Uma Agenda para a Paz”. Deveria nascer um novo capítulo na carta das Nações Unidas, ditando o funcionamento das Operações de Paz, seria ele destinado a reger a Manutenção da Paz ou o peacekeeping.

Ações empreendidas por militares, policiais e civis no terreno do conflito, com o consentimento das partes, objetivando a implementação ou o monitoramento do controle de conflitos e também a sua solução com acordos de paz. Tais ações são complementadas por esforços políticos no intuito de estabelecer uma resolução pacífica e duradoura para o litígio.

O Capítulo “VI e Meio” é o alicerce para a formulação de Operações de Paz dentre elas encontramos a Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti, ou outras como a que ocorre no Líbano, Chipre da África, e encerradas na Angola, Timor Leste e República Dominicana. Neste tipo de intervenção existe o consentimento das partes, negociações diplomáticas e atuação de forças militares com a finalidade de subsidiar a conquista da paz.

Atualmente a Capítulo “VI e meio” permanece “fantasma”, ainda não foi normatizado ou codificado. Porém existem estudos para uma reformulação da Carta das Nações Unidas e a então inclusão deste importante instrumento de pacificação, pois dele surgem os chamados Capacetes Azuis da ONU.

3.1    OPERAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A MANUTENÇÃO DA PAZ (PEACEKEEPING)

Embora já citado de forma breve anteriormente, retornamos neste momento a discutir sobre a principal forma de Operações sob a égide da ONU capaz de promover a paz mundial.

Abarca o conceito de PEACEKEEPING um dos instrumentos mais utilizados na era moderna, como ferramenta fundamental do progresso das ações das Nações Unidas em proteção da comunidade internacional e da dignidade da pessoa humana.

Peacekeeping é um instrumento de manutenção da paz e da segurança internacionais, desdobrando-se em operações finalísticas de manutenção, podendo vir em seguida de uma operação Peacemaking ou de acordos diplomáticos ou cessar-fogo.

Paulo Roberto Campos Tarrise da Fontoura define Peacekeeping como sendo um instrumento da paz que: “trata das atividade levadas a cabo no terreno com o consentimento das partes em conflito, por militares ou policiais e civis, para implementar ou monitorar a execução de arranjos relativos aos esforços políticos realizados para encontrar uma solução pacífica do conflito[15]”.

A construção da paz com operações Peacekeeping devem seguir três pilares elementares, que as definem e fundamentam, a saber: consentimento, imparcialidade e o mínimo de emprego da força.

Este tipo de operação preencheria todos os quesitos necessários do subjetivo e impalpável capitulo “VI e meio” da Carta das Nações Unidas, pois aqui temos um meio termo entre impor a Paz pela força e/ou apenas negociar a Paz.

3.2    A APLICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS ARMADOS NAS OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ E DE IMPOSIÇÃO DA PAZ

A característica basilar das Operações de Paz é a multinacionalidade de suas tropas, desde a frente de combate até altos escalões diplomáticos.

Neste teatro multifacetado torna-se fundamental a existência de um sistema de normatização eficaz e capaz de proteger a sociedade internacional de violações incabíveis de direitos fundamentais.

O marco jurídico de uma Operação de Paz é determinado conforme a situação operacional de emprego. Nesta senda o mandato da missão, regras de engajamento e acordos sobre o emprego da tropa constituem instrumentos de grande importância na orientação de condutas das ações das tropas sob a égide das Nações Unidas.

O DICA é aplicado nas operações de paz na medida em que se concretizem situações nas quais se configurem como Conflitos Armados Internacionais ou Não-Internacionais, estando as forças da ONU ativamente engajadas como forças combatentes e enquanto durarem as hostilidades[16].


4.     MINUSTAH

4.1    DISCUSSÃO HISTÓRICA RELATIVA AO HAITI

A ilha situada na região da América Central rodeada pelo mar caribenho foi habitada por povos nativos, taino e arawak, os quais a chamavam de Ayiti[17]. Com a chegada do homem branco em 1492, por intermédio do conquistador Cristóvão Colombo, todos os povos que ali residiam foram escravizados a fim de que, colonizadores tivessem mão de obra para a construção de “Fortes”, que visavam a proteção de invasores e para exploração mineral. A mineração com o tempo fora substituída por plantações de cana de açúcar, cacau e outras formas de extrativismo como a do carvão.

Frente à brutalidade do dominador e resistência à colonização ocorreu um suicídio coletivo de autóctones, findado pelo massacre dos revoltosos. A partir desse fato os espanhóis trouxeram da África a mão de obra que estaria em falta.

Com o passar dos anos a França mostra grande interesse pela ilha, ocupando parte da mesma no fim do século XVI, onde inicia o cultivo de cana de açúcar e cacau. Mais tarde através do tratado de Ryswick, a Espanha cede à França uma significativa porção do território, que provoca a ampliação da chegada de europeus e levas de escravos. Pouco mais de dois séculos e meio após a ocupação inicial, a colônia passa a contar com uma população de 25 mil colonos e de 450 mil escravos, seria este o segredo para o enriquecimento do colonizador, uma força de trabalho consumida ao extremo, mantida com alimentação escassa e acometida a torturas e açoites.

Interessante dizer que o Haiti foi ao lado do Brasil a colônia mais rica das Américas desde o século XVI, chegando a ser conhecido como “Pérola do Caribe”[18].

4.2    RESOLUÇÃO 1542: UMA NOVA FASE

Assolado por anos de uma história ingrata, até dias atuais o Haiti não alcançou uma consolidação de Estado capaz de proporcionar condições de vida e de desenvolvimento à sua população.

Após 3 (três) anos de governo militar, no ano de 1993, as Nações Unidas enviam sua primeira missão ao país frente um massacre de aproximadamente 5000 pessoas pelos militares[19]. A Missão das Nações Unidas no Haiti (UNMIH), que perduraria até o ano de 1996 com o objetivo de reinstalar a democracia assegurando as eleições. Em seguida mais quatro missões antecederam a MINUSTAH, sendo elas: Missão de Apoio da ONU no Haiti (UNSMIH), Missão da ONU de Transição do Haiti (UNTMIH), Missão da Policia das Nações Unidas no Haiti (MIPONUH) todas com o objetivo e prioridade básicos de ajudar a profissionalização da Policia Nacional Haitiana (PNH)[20].

Expressando a extrema preocupação com a violência em solo haitiano e seu potencial desestabilizador na região, levando em consideração os pedidos desesperados do presidente interino Boniface Alexandre o CSNU decide com base no Capitulo VII da Carta das Nações Unidas que diz sobre a “Ação em Caso de Ameaça a Paz”, autorizar a implantação de uma Força Multinacional Interina por um período não superior a três meses com a finalidade de contribuir para um ambiente seguro e estável em Porto Príncipe[21].

Fica expressa, ainda nesta resolução, a disposição da ONU em criar uma força de estabilização naquele país a fim de apoiar a continuidade da paz e de um ambiente seguro e estável que começaria a funcionar em substituição a MIF.

No final do mês de abril do ano de 2004, o Secretário Geral autoriza a criação de uma missão em solo haitiano a partir da Resolução 1542 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em seu preâmbulo fica expressa a criação da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti, MINUSTAH, acrônimo do francês. 

Estabelecida uma operação com a finalidade de estabilização politica, social e econômica daquele país em substituição a MIF[22]. A necessidade de uma missão de tal potencial esta descrita na Resolução do CSNU: (...) “Notando a existência de desafios à estabilidade politica, social e econômica do Haiti, e decretando que a situação no Haiti continua a constituir uma ameaça à paz internacional e à segurança da região”.

A MINUSTAH foi estabelecida com um mandato inicial de seis meses que teria inicio em 1 de junho de 2004 podendo ser renovado se necessário em ocasiões futuras.

De acordo com o item 7 (sete) da Resolução, as metas e objetivos da operação seriam: garantir um ambiente seguro e estável, possibilitar processo politico, monitorar a reforma da PNH, promover o desarmamento de todos os grupos armados paramilitares, proteger os civis principalmente mulheres e crianças, prover assistência no que diz respeito a questão direitos humanos, apoiar a restauração e manutenção do regime da lei, proteger o pessoal das Nações Unidas entre outros mais.

A missão começou a funcionar na data prevista da Resolução, pela primeira vez na história sob o comando de um brasileiro. O Force Commander seria o General Augusto Heleno Ribeiro Pereira liderando um efetivo de aproximadamente 6700 integrantes (...) formados por Argentina, Benin, Bolívia, Bósnia e Herzegovina, Brasil, Burkina Faso, Camarões, Canadá, Chade, Chile, China, Croácia, Estados Unidos da América, França, Gana, Guatemala, Jordânia, Nepal, Níger, Paraguai, Peru, Portugal, Senegal, Turquia e Uruguai[23].

Anos se passaram e a operação que tinha duração inicial de seis meses perdura até hoje. Por diversas vezes o mandato da MINUSTAH foi renovado a fim de que o ambiente haitiano se mantivesse seguro e estável. Com isso mais de 100 mil homens e mulheres contribuíram para a paz naquele território.

Por ocasião da votação da já referida Resolução 1529 que criava a MIF, o Brasil ocupava assento não permanente no Conselho de Segurança e votou a favor da intervenção, mas não se voluntariou em integrar a missão. Nossos diplomatas alegaram que esta era uma missão de Imposição da Paz a chamada peacemaking, que é repudiada por nossa politica externa, em contrapartida defende-se que a MINUSTAH seria uma operação tipo Manutenção da Paz ou peacekeeping e que não seria invasiva[24].

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Poder liderar uma operação de tal desenvoltura e proporção poderia dar ao Brasil o tão desejado assento permanente no CSNU em sua iminente reforma. Sem dizer do respeito adquirido no âmbito regional, América Latina, liderando os demais no contexto comercial.

Segundo muitos escritores e até a própria critica haitiana diante o documentário “O Dia que o Brasil esteve aqui”, a diferença da missão está no jeito de ser do brasileiro e do chamado Soft Power. Um potencial em levar os outros a fazerem geralmente o que não querem através da persuasão e não da imposição. Podendo influenciar decisivamente a tomada de decisão destes por meio de uma estratégia velada, descrita no capítulo VI da Carta da ONU.

4.3    BRASIL E SEU HISTÓRICO COM AS NAÇÕES UNIDAS E OPERAÇÕES DE PAZ

Como citado anteriormente a ONU utiliza-se de Operações de Paz, estruturadas por forças militares multinacionais aprovadas pelo Conselho de Segurança a fim de levar a “paz” e estabilidade a Estados que a necessitarem.

Neste contexto nós brasileiros temos características únicas e especiais para o uso da força militar com a finalidade de coerção ou ainda por meio de sedução e persuasão.

A participação de nações como a nossa em Missões de paz fornecem uma possibilidade de projeção internacional ou regional e de respeito internações. Sem dizer na possibilidade de conseguir vaga em um possível assento permanente no Conselho de Segurança da ONU frente sua reestruturação. Seriamos, através destas participações, acentuando-se com a Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti, exportadores e importadores de conhecimento servindo de exemplo para outros estados e para operações internas.

Caracteres importantes fazem com que o Brasil se destaque em operações deste gênero: a primeira é o seu exímio papel como mediador na resolução pacifica de conflitos, difícil apontar algum Estado que não aceite nosso país como intermediador ou integrante de missão e o segundo aspecto poderia chegar a ser chamado de mais importante neste contexto “o caráter humano que os militares brasileiros apresentam durante as missões”[25], os dois pontos ressaltados se somam formando um forte alicerce para que nossa bandeira tremule em céus estrangeiros.

Nossos soldados entendem que se deve ganhar a confiança da comunidade para cumprir “bem” a missão, percebe-se que quanto maior a coerção menor a efetividade e em longo prazo os laços se rompem com facilidade. Nas palavras de Patrice Dumont no documentário “O dia em que o Brasil esteve aqui”, (...) O Brasil é a potência mais perigosa do mundo porque ela é capaz de aprisionar um país por meio do carisma[26].

Destacando-se por sua característica diplomática e respeitosa ao direito internacional e solução pacifica de conflitos, constrói com facilidade laços de confiança e amizade.

Ainda na infância da ONU o Brasil participa de uma missão nos Balcãs com militares e diplomatas, na sequência entre 1957 e 1967 envia tropas ao Sinai e Faixa de Gaza o famoso “Batalhão de Suez” com um efetivo superior a 6000 mil homens integrando a UNEF I.

Participou ainda de operações no Congo, Nova Guiné Ocidental, República Dominicana, Índia e Paquistão, Chipre, Angola, América Central, El Salvador, Moçambique, Ruanda, Iugoslávia, Camboja, Libéria, Guatemala, África do Sul, Croácia, Macedônia, Eslovênia, Timor Leste e Haiti[27].  Sendo a de maior proporção e duração a Minustah que perdura até os dias atuais.

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