I – Introdução
Nossa Constituição Federal vigente resguarda os direitos individuais e coletivos em toda a sua extensão, alçando alguns a qualidade de GARANTIA FUNDAMENTAL, dentre eles aquele que norteará o enfrentamento da discussão proposta está o princípio da igualdade e da isonomia das pessoas perante os direitos e obrigações, ambos insculpidos no art. 5º, caput e inciso I da Constituição.
Bem sabemos que há por trás de toda norma editada um contexto histórico, um fato social motivador, uma razão para existir, e com relação ao referido descanso não é diferente, pois é cientificamente comprovado que o corpo da mulher é menos resistente a certas situações do que o do homem.
Talvez se a norma trabalhista dissesse respeito a intervalo em atividades que de alguma forma possam infligir dor ao trabalhador o quadro seria para favorecer o homem, pois sabemos que qualquer gripe nos derruba.
O foco da questão não está na suposta discriminação de uma espécie em prol de outra, pelo contrário, o enfoque da norma que prevê o descanso à mulher é a isonomia e a igualdade material, pois como ensina Aristóteles tratando desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade.
Porém, mesmo diante de todas as ilações acima apontadas, que gozam de veracidade, ainda assim, existem algumas correntes quanto a recepção ou não do art. 384 da CLT pela Constituição de 1988, vejamos.
II - Das Correntes Atuais – Da Doutrina e Jurisprudência
A primeira corrente aponta que o art. 384 da CLT NÃO FOI RECEPCIONADO pela CF/88 por afrontaria os princípios da igualdade, isonomia e da paridade de armas, violando o art. 5º, caput e inciso I. Neste sentido são as seguintes decisões:
TRABALHO DA MULHER. ART. 384 DA CLT. NÃO-RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
Não houve recepção, pela Carta Magna, do art. 384 consolidado, tornando-se este incompatível com o sistema jurídico-normativo cujo ápice encontra-se na Constituição Federal. (Processo RO 717007720085050006 BA 0071700-77.2008.5.05.0006, Órgão Julgador 4ª. TURMA, Publicação DJ 26/03/2009, Relator ROBERTO PESSOA)
Ou seja, entendeu-se que o intervalo da mulher perpetuado no art. 384 da CLT afrontaria o sistema de igualdade e isonomia instalado pela Constituição de 1988.
Porém algumas críticas são possíveis a este posicionamento, pois diversas outras regras continuam sendo aplicadas em detrimento de uma espécie pela outra, para que nesta desigualdade possam ser iguais, por exemplo as regras da previdência, em que a mulheres aposentam antes, dentre outros inúmeros comandos que ainda subsistem e não foram “derrubados”.
Já a segunda corrente, e majoritária aponta que o art. 384 da CLT foi recepcionado, sendo aplicável às mulheres pela premissa aristotélica exposta acima, mas em especial pois em julgamento da matéria o C. TST se posicionou no Incidente de Inconstitucionalidade da seguinte forma, in verbis:
MULHER - INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DE LABOR EM SOBREJORNADA - CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT EM FACE DO ART. 5º, I, DA CF.
1. O art. 384 da CLT impõe intervalo de 15 minutos antes de se começar a prestação de horas extras pela trabalhadora mulher. Pretende-se sua não recepção pela Constituição Federal, dada a plena igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres decantada pela Carta Política de 1988 (art. 5º, I), como conquista feminina no campo jurídico.
2. A igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum a patente diferença de compleição física entre homens e mulheres. Analisando o art. 384 da CLT em seu contexto, verifica-se que se trata de norma legal inserida no capítulo que cuida da proteção do trabalho da mulher e que, versando sobre intervalo intrajornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. Orientação Jurisprudencial 342 da SBDI-1 do TST).
3. O maior desgaste natural da mulher trabalhadora não foi desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu diferentes condições para a obtenção da aposentadoria, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária para as mulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico efetivo é da maternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de se postergar o gozo da licença-maternidade para depois do parto, o que leva a mulher, nos meses finais da gestação, a um desgaste físico cada vez maior, o que justifica o tratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e período de descanso.
4. Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher.
5. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT. Incidente de inconstitucionalidade em recurso de revista rejeitado.” (Processo TST-IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, Acórdão do Tribunal Pleno, Ministro Relator Ives Gandra Martins Filho, DJ 13/2/2009)
Como dito linhas acima a alegação de não recepção da regra do art. 384 da CLT pois violaria a igualdade, desestabilizando o sistema jurídico vigente não merece prosperar pois outros tantos verbetes subsistem com a mesma “discriminação” e contribuem para a igualdade tão almejada, conforme exposto no item 2 da ementa acima.
Outro ponto levantado pelo C. TST é que a mulher exerce uma dupla jornada, pois trabalha fora e ainda é dona de casa, mãe do lar, e que por mais que não assumamos nossa sociedade machista, a bem da verdade é a mulher que se encarrega das tarefas domésticas.
Desta forma, o C. TST rejeitou o incidente de inconstitucionalidade, para determinar a concessão do intervalo da mulher antes do início da jornada extraordinária, afastando a pretensa inconstitucionalidade.
Ainda, quanto a recepção do art. 384 da CLT a matéria chegou ao C. Supremo Tribunal Federal, que nos autos do RE 658312 pela Relatoria do Ministro Dias Toffoli declarou-se a existência de REPERCUSSÃO GERAL e aguarda julgamento.
Note-se que nos referidos autos por maioria de votos o Plenário do C. STF negou provimento ao Recurso Extraordinário, firmando a tese de que o art. 384 da CLT foi recepcionado, porém, a referida decisão foi anulada pois a Recorrente não foi regularmente citada da data do julgamento, retornando os autos para este momento processual.
A terceira corrente deriva da segunda, apontando que o art. 384 da CLT teria sido recepcionado, mas que o mesmo direito deveria ser estendido aos homens.
No entanto, esse posicionamento resta por violar a igualdade material alinhada na corrente anterior, pois beneficiaria o homem a partir de uma norma editada para proteção da mulher, que consta no capítulo de proteção à mulher, ou seja, seria a assunção de direito que foi evidentemente destinado/concebido a desiguais.
Por isto não há decisões neste sentido, sendo que a grande maioria das Tribunais, para não afirmar que a sua totalidade afastou a tese pretendida, veja-se:
TRT-PR-26-01-2010 TRABALHO DA MULHER. ART. 384 DA CLT. EXTENSÃO AO HOMEM. IMPOSSIBILIDADE.
O art. 384 da CLT é direcionado à proteção do trabalho da mulher, não se aplicando ao trabalhador, valendo destacar que esta C. 4ª Turma entende que o mesmo foi revogado pela norma inserta no artigo 5º, I, da Constituição Federal, que dispõe sobre a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, uma vez que, não havendo previsão do referido descanso para o homem, o aludido artigo revela-se discriminatório, colidindo com o princípio da isonomia. Recurso a que se nega provimento. (Processo 40932008594900 PR 4093-2008-594-9-0-0, Órgão Julgador 4A. TURMA, Publicação 26/01/2010, Relator LUIZ CELSO NAPP)
Sendo que o indeferimento desta tese resta por corroborar a segunda corrente, que define a recepção do art. 384, da CLT, pela existência de necessidade de proteção a mulher.
Há ainda uma quarta corrente, que não se trata de tese que discute a recepção ou não do referido artigo, mas sim da sua aplicação e extensão aos transexuais, questionando se teriam o mesmo direito ou se tais direitos se estenderiam a eles.
Discussão pueril acerca do assunto pouco sabemos sobre as causas e motivações que causam tamanha divisão na sociedade, fato é que temos pessoas diferentes gêneros e da mesma espécie.
Não há como se transferir a livre iniciativa a responsabilidade pelo respeito que falta a própria sociedade, exigindo do Empregador o reconhecimento que o Estado começa a engatinhar e se posicionar.
Em verdade, creio que deverá ser feita uma análise objetiva e pontual conforme o caso, pois fato é que a norma do art. 384 da CLT prevê descanso para proteção do sistema biológico da mulher, que sendo homossexual ou transexual poderá estar com valores invertidos.
Assim, como exigir de uma mulher porém com gênero masculino que não cumpra a pausa de 15 minutos do art. 384 da CLT sem que isso agrida seu psicológico? Não há como, pois a conflituosidade já lhe é algo inerente.
Entendo que devemos tratar desigualmente ao desigual, garantindo que seja estendido até mesmo ao corpo biológico masculino o referido descanso, não para proteção biológica, mas para proteção de sua psique, incorrendo na pena de violação de sua intimidade, algo muito mais grave.
III – Da Conclusão
De todo exposto conclui-se que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição de 1988, protegendo a mulher e seu organismo, não pela sua competência, mas sim pela fragilidade neste ponto exclusivo. Ainda, demonstrou-se que a segunda corrente é majoritária, assumindo o exposto, consignando que a mulher sofre até jornada dupla e se afastou a possibilidade de extensão ao homem pois a regra é clara proteção da mulher, permitindo-se conforme o caso em respeito a vida intima e a vida pessoal, a extensão do benefício ao transexual e ao homossexual resguardando sua psique de um possível dano moral.