Emenda Constitucional nº 66/2010: a suposta extinção tácita da separação judicial/extrajudicial

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5 A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL À LUZ DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66/2010 

5.1 Das propostas da Emenda Constitucional 

A Emenda, objeto do presente estudo, originou-se com as seguintes propostas: PEC 22/1999, PEC 413/2005, PEC 28/2009 e PEC 33/2007.

Fundamentalmente, a Emenda nº 66/2010 pretendeu facilitar a implementação do divórcio no Brasil, com o escopo principal de suprimir os requisitos temporais para se requerer o divórcio.

A PEC n. 22/1999 iniciou com a proposta de igualdade de prazos para a conversão das separações de fato e de direito em divórcio. Tinha como proposta a seguinte redação:

Art. 226. (...)

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após comprovação de separação de fato ou de direito por mais de 1 (um) ano.

Por outro lado, a PEC 413/2005 trouxe a seguinte redação: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei”. A esta PEC fora apensada a PEC 33/2007, de autoria, inicialmente, do Deputado Antonio Carlos Biscaia, e, posteriormente, do Deputado Sérgio Barradas Carneiro, mas que foi desapensada em 2009, assim que houve o arquivamento da primeira proposta, oportunidade em que foi retirada a expressão “na forma da lei”.

Por fim, a PEC 33/2007 foi apensada à PEC 28/2009 que, por sua vez, deu origem à Emenda Constitucional nº 66/2010, tendo como autor o Senador Demóstenes Torres.

Assim, onde se lia:

Art. 226. (...)

§ 6º O casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

Agora, lê-se somente:

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. 

No relatório da PEC 28/2009 constou como justificativa da emenda a supressão do lapso temporal de um ano, contado da separação judicial, e de dois anos, contados da data da separação de fato, para obtenção do divórcio, como já evidenciado na redação do § 6º do artigo 226 da Constituição Federal. 

5.2 O posicionamento doutrinário 

Diante do elucidado, denota-se que com o surgimento da Emenda n. 66/2010 eliminou-se de forma permanente os requisitos temporais para a obtenção do divórcio, de modo a facilitar a sua dissolução, em razão da autonomia da vontade dos cônjuges.

Todavia, questões de caráter hermenêutico pertinente à Emenda evidenciam-se de maneira controvertida, vez que a redação constitucional nada diz além da supressão dos requisitos do lapso temporal.

Assim, o cerne da controvérsia do presente tema reside na permanência ou não do instituto da separação em nosso ordenamento jurídico.

Acerca do assunto lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[9]:

A Emenda Constitucional 66/10 extirpou do sistema jurídico brasileiro a separação, judicial ou em cartório, unificando as causas dissolutórias do matrimônio (que passaram a ser, tão somente, a morte e o divórcio).

Referidos autores entendem que pensamento diverso atenta contra a mens legis da Emenda Constitucional n. 66/2010 e confere sobrevida a um instituto que se revela inócuo juridicamente, vez que não se pode convolá-lo em divórcio.

Esquecem, porém, que o instituto da separação não se presta somente à conversão. Como o próprio Conselho Nacional de Justiça deixou evidente em decisão do Pedido de Providências requerido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, tal instituto possui consequências jurídicas próprias.

O certo é que, diferentemente da jurisprudência, conforme abordar-se-á no item posterior, é majoritário o entendimento no sentido de que a Emenda Constitucional n. 66 pôs fim à separação.

Nesse diapasão, leciona Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[10]

Muito bem, a partir da promulgação da Emenda, o instituto da separação judicial desapareceu de nosso sistema e, por consequência, toda a legislação (o que regulava) sucumbira, sem eficácia, por conta de uma não recepção.

Com isso, consideramos tacitamente revogados os arts. 1.572 a 1.578, perdendo sentido também a redação do art. 1.571 no que tange à referência feita ao instituto da separação.

 Ainda nas palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[11], estes apontam críticas à separação após a alteração constitucional, a fim de embasar seu posicionamento sobre o assunto, valendo destacar:

E o fato de a separação admitir a reconciliação do casal – o que não seria possível após o divórcio, pois, uma vez decretado, se os ex-consorte pretendessem relatar precisariam se casar de novo – não ser para justificar a persistência do instituto, pois as suas desvantagens são, como vimos acima, muito maiores.

Ademais, uma simples observação do dia a dia forense permite constar que não são tão frequentes os casos em que há um arrependimento posterior à separação judicial, dentro de um enorme universo de separações que se convertiam em divórcios.

Maria Berenice Dias[12] também assim entende:

É um instituto que traz em suas entranhas a marca de conservadorismo atualmente injustificável. É quase um limbo: a pessoa não está mais casada, mas não pode casar de novo. Se, em um primeiro momento, para facilitar a aprovação da Lei do Divórcio, foi útil e, quiçá, necessária, hoje inexiste razão para mantê-la (...). 

Portanto, de todo o inútil, desgastante e oneroso, tanto para o casal, como para o próprio poder Judiciário, impor uma duplicidade de procedimentos para manter, durante o breve período de um ano, uma união que não mais existe, uma sociedade conjugal "finda", mas não "extinta”. 

Rodrigo Cunha Pereira[13], de modo mais incisivo, cita críticas ao instituto, afirmando: ele significa mais gastos financeiros, mais desgastes emocionais e contribui para o emperramento do Judiciário, na medida em que significa mais processos desnecessários.

Por derradeiro, há doutrina em sentido contrário ao ora destacado, interpretando que a eliminação da separação de fato e de direito somente diz respeito ao requisito prévio do divórcio. Vejamos, assim, as palavras de Regina Beatriz Tavares da Silva[14]: Conclui-se que a legislação infraconstitucional há de ser interpretada de forma a eliminar a separação de direito e de fato, exclusivamente, como requisito prévio do divórcio, desonerando aquele que pode optar por divorciar-se diretamente.

Referida doutrinadora assevera, ainda: 

Desse modo, permanece a separação, judicial e extrajudicial, para quem a preferir, por respeito aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, como detalhado antes. Reitere-se que esta espécie dissolutória não colide com a Emenda Constitucional do Divórcio[15]

Como se vê, para Regina Tavares devem ser conservadas as espécies de dissolução do casamento, competindo às pessoas a liberdade de escolha por qual delas melhor lhe convir.

Todavia, podemos concluir, com os entendimentos anteriormente apontados, que a posição majoritária de nossa doutrina curva-se no sentido de que a Emenda Constitucional de n. 66, do ano de 2010, suprimiu a existência da separação em nosso ordenamento jurídico.  

5.3 O posicionamento jurisprudencial 

Após minucioso estudo sobre a permanência do instituto da separação judicial, em que pese à doutrina brasileira, imperioso se faz a abordagem do tema sob o enfoque da jurisprudência de nossos tribunais.

Com efeito, da mesma maneira como se mostraram nossos doutrinadores, a jurisprudência também não se revela pacífica em relação à separação judicial após o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010.

Inicialmente, portanto, destacamos diversos julgados contrários à existência da separação judicial hodiernamente. No entanto, para fins didáticos fez-se coerente apontar somente excertos das decisões atinentes ao assunto, evitando a transcrição de matérias sem relevância ao tema ora proposto.

Dessa forma, vejamos, por exemplo, julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que, embora evidencie entendimento minoritário, posiciona-se contrário à separação judicial: A nova ordem constitucional introduzida pela EC 66/2010, além de suprimir o instituto da separação judicial, também eliminou a necessidade de se aguardar o decurso de prazo como requisito para a propositura da separação judicial (...)” (TJDF, AC 20100110642513, Rel. Ana Maria Duarte Amarante Brito, DJ 07/10/2010).

Outrossim, ainda em relação à extinção da separação judicial após a EC 66/2010, em acórdão proferido pela Desembargadora Vilma Régia Ramos de Rezende, do Tribunal de Justiça do Paraná, em 08/02/2012, nos autos do agravo de instrumento n. 803.244-0, da 2ª Vara de Família de Londrina, apontou a magistrada em seu relatório: 

(...) Diante da alteração da Constituição houve a extinção do instituto da separação judicial. Diversas são as razões favoráveis para essa conclusão.

Sob o prisma da interpretação sistemática, não pode prevalecer norma infraconstitucional que trate das hipóteses de dissolução da sociedade conjugal se a Constituição expressamente as modificou, restringindo-as apenas ao divórcio.

Assim, a separação, que tinha como escopo final a dissolução do vínculo conjugal, perde a sua razão, já que não é mais requisito necessário a possibilitar a ação do divórcio (...). 

Malgrado tenham nossos tribunais, logo após a edição da Emenda Constitucional n. 66, apresentado posição condizente com a extirpação da separação do ordenamento jurídico, opinião esta que entendemos não coerente, notadamente diante da relevância do tema, é fato que a Emenda citada não se flagra incompatível com a atual redação do §6º, do artigo 226 da Carta Maior.

O posicionamento condizente com a manutenção da separação judicial, inclusive, mostra-se majoritário, conforme julgados de diversos tribunais estaduais que assim dispõem:

(...) A emenda constitucional nº: 66/2010 não aboliu a separação judicial do ordenamento jurídico pátrio, limitando-se à desconstitucionalização do tema, conferindo ao legislador ordinário liberdade para sua regulamentação, em consonância com os reclamos da sociedade pós-moderna. Deve ser reformada a sentença que julga procedente pedido de divórcio direto, sem observância do lapso temporal exigido pelo artigo 1580 do Código Civil (...) (TJMG, AC 10479130039270001, Relator Desembargador Afrânio Vilela, DJ: 16/09/2014, 2ª Câmara Cível). 

(...) Para a decretação da dissolução do matrimônio, imperiosa a realização da referida audiência, porquanto a nova redação do artigo 226, § 6º, da Constituição Federal, oriunda da Emenda Constitucional nº 66/2010, somente tornou desnecessário o decurso de prazo para o divórcio, não tendo sido revogados os demais dispositivos que regulamentam a matéria (...). (TJRS, Agravo de Instrumento n. 70060515863, Relator Desembargador Jorge Luís Dall'Agnol, Sétima Câmara Cível, DJ 27/08/2014).

Diferentemente dos tribunais do Distrito Federal e do Paraná, o tribunal do estado de Minas Gerais, logo após a EC 66/2010, já apresentava postura favorável à manutenção da separação judicial, conforme ementa a seguir apresentada, datada 19/07/2011:

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A regra trazida ao nosso ordenamento jurídico pela EC nº. 66/2010 não tem o condão de revogar as disposições legais que tratam da separação e da separação de corpos, não obstante não se possa negar que, realmente, esse último instituto tenha, de fato, perdido algumas de suas implicações a partir da vigência daquela. - Sentença que não aprecia todos os pedidos formulados na inicial pelo autor é nula pelo vício de ser infra petita. (TJMG, AC 1.0024.10.150966-9/001, Relator Desembargador Edivaldo George dos Santos, Sexta Câmara Cível, DJ 19/07/2011). 

O colendo Superior Tribunal de Justiça, a respeito do tema em comento, entendeu, por unanimidade, pela não supressão da separação judicial, conforme sentença estrangeira n. 2302, julgada em 12/05/2011. Posteriormente, a Comissão de Direito de Família e Sucessões aprovou enunciados que concluem pela manutenção da separação judicial em nosso ordenamento jurídico, conforme Enunciado n. 514, in verbis: 

Enunciado 514 – Art. 1.571: A Emenda Constitucional n. 66/2010 não extinguiu o instituto da separação judicial e extrajudicial. 

O Supremo Tribunal Federal, por seu turno, cumpre destacar, também entende mantida a separação judicial após a alteração constitucional ocorrida em 2010, conforme entendimento unânime expressado no Recurso Extraordinário n. 227114, relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 21/11/2011, assim ementado: 

DIREITO CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA ISONOMIA ENTRE HOMENS E MULHERES. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. FORO COMPETENTE. ART. 100, I DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ART. 5º, I E ART. 226, § 5º DA CF/88. RECEPÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. O inciso I do artigo 100 do Código de Processo Civil, com redação dada pela lei 6.515/1977, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. O foro especial para a mulher nas ações de separação judicial e de conversão da separação judicial em divórcio não ofende o princípio da isonomia entre homens e mulheres ou da igualdade entre os cônjuges. Recurso extraordinário desprovido. (STF, RE 227114, Relator: Min. Joaquim Barbosa, DJ 22/11/2011).

Vale destacar, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça, por votação unânime em 14/09/2010, pronunciou-se pela manutenção da separação, ao lado do divórcio, no julgamento do Pedido de Providências do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, tendo como relator Jefferson Luis Kravchychyn, a respeito da alteração da Resolução nº 35/2007 sobre a Lei 11.441/2007, que versa sobre os procedimentos extrajudiciais de divórcio, separação e inventário:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA RESOLUÇÃO Nº 35 DO CNJ EM RAZÃO DO ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010. SUPRESSÃO DAS EXPRESSÕES “SEPARAÇÃO CONSENSUAL” E “DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL”. IMPOSSIBILIDADE. PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. - A Emenda Constitucional n° 66, que conferiu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, para suprimir o requisito de prévia separação judicial por mais de 01 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 02 (dois) anos.  - Divergem as interpretações doutrinárias quanto à supressão do instituto da separação judicial no Brasil. Há quem se manifeste no sentido de que o divórcio passa a ser o único meio de dissolução do vínculo e da sociedade conjugal, outros tantos, entendem que a nova disposição constitucional não revogou a possibilidade da separação, somente suprimiu o requisito temporal para o divórcio.  - Nesse passo, acatar a proposição feita, em sua integralidade, caracterizaria avanço maior que o recomendado, superando até mesmo possível alteração da legislação ordinária, que até o presente momento não foi definida.         

Na data de 22/03/2017 a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça sustentou que a única alteração ocorrida com EC 66 foi a supressão do requisito temporal e do sistema bifásico para que o casamento possa ser dissolvido pelo divórcio. Assim se manifestou a Ministra Isabel Galloti:

(...) O texto constitucional dispõe que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, imprimindo faculdade aos cônjuges, e não extinguindo a possibilidade de separação judicial. Ademais, sendo o divórcio permitido sem qualquer restrição, forçoso concluir pela possibilidade da separação ainda subsistente no Código Civil, pois quem pode o mais, pode o menos também” (...)[16] 

  Portanto, importante salientar que os Tabelionatos de Notas não podem se opor à lavratura de escritura de separação, nem mesmo à sua conversão. O que não se tornou problema, uma vez que, embora moderada a procura por separações, ainda persiste a sua demanda. Sem falar da procura pelo restabelecimento conjugal, que também subsiste.

Assim, em respeito aos vários julgados apresentados, podemos concluir que, de fato, a separação judicial restou mantida em nosso ordenamento jurídico, com amparo na vontade de nossos tribunais.

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Sobre os autores
Joao Paulo Monteiro de Lima

Mestre em Ciências Jurídicas. Especialista em Direito Processual Civil, Direito Público, Direito Constitucional Aplicado e Direito da Seguridade Social. Oficial de Justiça Avaliador Federal (TRF1).

Samara Ribeiro de Souza

Pós-graduanda em direito processual civil pela Faculdade Damásio de Jesus. Advogada.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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