A jurisprudência trabalhista através de diversos julgados foi sedimentando um entendimento conservador e prejudicial ao trabalhador por considerar infração meramente administrativa os descumprimentos das normas de segurança e proteção à saúde do trabalhador, bem como dos desrespeitos ao art. 168 da CLT, que traça critérios objetivos para se considerar válido um ato de rescisão contratual, no geral desrespeitado por muitos empregadores.
Esse entendimento equivocado acabou por contribuir para que o Brasil persista em figurar no rol dos paises considerados com o maior numero de acidentes e doenças do trabalho e a um custo social insuportável na casa dos 20 bilhões de reais ano, em prejuízo do trabalhador, da própria empresa, do governo e da própria sociedade.
Mas esse quadro começa a mudar. O próprio TST está revendo o seu entendimento, passando a julgar de modo diferente, como se constata por alguns de seus últimos julgados, onde passou a condenar o empregador omisso a indenizar o trabalhador pelos prejuízos sofridos e em observância à legislação brasileira que incorporou a infortunística do trabalho.
A preocupação de nossas autoridades com a quantidade imensurável de acidentados – muitos como vítimas fatais em acidente do trabalho – levou o legislador constituinte a alçar a nível constitucional as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, já prevista na legislação ordinária, de há muito, pela Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, nos artigos 154 e seguintes, Capítulo V, da Segurança e da Medicina do Trabalho.
Nesse sentido também de se destacar o disposto na Lei n. 8.080 ao dispor sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes às respectivas garantias legais:
"Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º - O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2º - O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. Art. 3º - A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social" (Lei 8080, publicada no DOU de 20.09.1990).
Com a Carta Cidadã de 1988, este direito basilar do ser humano, como norma de ordem pública – o do direito à vida e à saúde, como também o direito à dignidade do cidadão a trabalhar em um ambiente equilibrado, salutífero, onde encontre dignidade e não a morte foi, também, alçado à garantia constitucional:
a)- direito à saúde:
"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (CF, ART. 196).
b)- direito ao meio ambiente equilibrado:
"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações" (CF, art. 225, caput).
Ainda a legislação nacional protetora da vida, da saúde do cidadão e em especial do trabalhador, instituiu ao empregador a obrigação a encargo do empregador, o seguro protetivo estatal LDRAT (antigo SAT), para financiar o benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, a par da obrigação das medidas tendentes à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa (CF, art. 7º, incisos XXII e XXVIII).
Neste sentido, já decidiu o TRT da Terceira Região:
"RISCOS AMBIENTAIS. A preocupação com a saúde e segurança do trabalhador no Brasil, talvez motivada pela expectação diuturna de imenso número de vítimas fatais em acidente do trabalho, motivou o legislador constituinte a alçar a nível constitucional as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, obrigando o patrão a adotar medidas tendentes a garantir a integridade física do trabalhador. Dessa forma, cabe ao empregador, mormente aquele que explora atividade que oferece risco à saúde e segurança do empregado, como no caso da reclamada, informar seus empregados dos riscos a que estão expostos e sobre as formas de prevenção, oferecendo-lhe o treinamento adequado para o desenvolvimento de seus misteres dentro da empresa. Aliás, o direito à informação dos empregados sobre os riscos da operação que realizam e de sua participação nos mecanismos de proteção contra acidentes foi objeto de várias Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, dentre elas as de n. 148, 155 e 161, encontrando, também, previsão na NR 9, da Portaria n. 3.214/78 do MTb. E demonstrando que o assunto é deveras preocupante, foi instituído, em 1992, o Mapa de Riscos Ambientais, em que a CIPA, em colaboração com o SESMT, após ouvir os trabalhadores de todos os setores, elabora o referido mapa de riscos, identificando os existentes em cada local de trabalho, o qual deve ser afixado de forma visível e de fácil acesso para o trabalhadores, onde deverão ser descritos os riscos, físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e de acidente, tendo sido instituído, em 1994, o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, tudo com objetivo de resguardar a saúde e a integridade física dos trabalhadores. Inobstante a existência de todas essas normas, o que se verifica dos autos é que a reclamada não está muito afinada com os avanços na área de segurança do trabalho e, muito menos, com a obrigação que a constituição e a lei lhe atribuíram no particular. Explorando a empresa-ré atividade de risco à saúde do trabalhador, tanto que culminou com a morte prematura do autor (19 anos de idade), a ela incumbia implementar meios de reduzir os riscos de acidente do trabalho, propiciando a seus empregados trabalharem em condições dignas, saudáveis e seguras. No entanto, a prova dos autos revela justamente o contrário, pois, no local onde foi encontrada morta a vítima, não havia qualquer sinalização sobre o perigo de asfixiamento por flocos de espuma moída, demonstrando ainda a prova oral que, no local onde ocorreu o acidente, havia espuma na altura de três metros, tornando a operação arriscada, mesmo porque não possuía o compartimento janelas ou portas, mas pequenas aberturas, o que, sem dúvida, dificultou o salvamento do de cujus ou mesmo o pedido de socorro. Nesse contexto, nota-se que a reclamada agiu com culpa no infortúnio sofrido pelo autor e ainda que se argumente sua ocorrência em grau leve, sua responsabilização impõe-se, considerando que até a culpa levísssima gera responsabilização civil. Confira-se, a propósito, a lição do ilustre magistrado Sebastião Geraldo de Oliveira em sua brilhante obra Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador, 3ª edição, LTr, pp. 228/229: Como se vê, foi ampliado consideravelmente o entendimento da Súmula n. 229/STF, que só deferia indenização no caso de dolo ou culpa grave. Agora, havendo culpa do empregador ou de outrem, de qualquer grau, mesmo na culpa levíssima, o acidentado faz jus à reparação. ACIDENTE DO TRABALHO - RISCOS AMBIENTAIS - DIREITO DE INFORMAÇÃO - OMISSÃO DO EMPREGADOR - RESPONSABILIDADE CIVIL" (TRT-RO-8666/00 - 2ª T. - Rel. Juíza Maristela Íris da Silva Malheiros - Publ. MG. 23.05.01)
"RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E LEGAL DO EMPREGADOR Incorre em culpa o empregador que altera o contrato de trabalho de empregado (desvio de função) para deslocá-lo para exercer a função de vigia em canteiro de obras, sem observar a exigência de prévia qualificação para o exercício desta atividade. Sobrevindo a morte do empregado (homicídio) no exercício da função, deve o empregador indenizá-lo, nos termos do inciso XXVIII do art. 7º/CF. Apelo provido para condenar o recorrido a pagar à recorrente danos morais e materiais, tudo sem prejuízo da constituição de um capital, que deve ser depositado em conta judicial com correção monetária e à disposição do juízo, para garantir o pagamento da pensão mensal alimentícia decretada neste juízo, na eventualidade de inadimplência. DANOS PROVENIENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO - INCISO XXVIII DO ART. 7º/CF - MORTE - HOMICÍDIO CONSUMADO POR TERCEIRO DURANTE A JORNADA LABORAL - RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E LEGAL DO EMPREGADOR PERANTE O INFORTÚNIO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS". (TRT-RO-6106/00 - 4ª T. - Rel. Juiz Antônio Álvares da Silva - Publ. MG. 07.10.00)
Exsurge diante desses preceitos legais que é dever do empregador a emissão da CAT, Comunicação de Acidente do Trabalho até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social "(Lei 8.213/91, art. 22, caput).
De se ponderar que a obrigação da emissão ocorre igualmente, mesmo em caso de dúvida:
"A CAT deve ser emitida mesmo nos casos em que não acarrete incapacidade laborativa para fins de registro e não necessariamente para o afastamento do trabalho. Segundo o artigo 336 do Decreto nº 3.048/99, "para fins estatísticos e epidemiológicos, a empresa deverá comunicar o acidente de que tratam os artigos 19, 20, 21 e 23 da Lei nº 8.213, de 1991". Dentre esses acidentes, se encontram incluídas as doenças do trabalho nas quais se enquadram as LER/DORT" (IN Nº 98 INSS/DC, DE 05 DE DEZEMBRO DE 2003 – DOU DE 10/12/2003).
Muitos empregadores para justificar sua omissão na sua obrigação principal de emitir a CAT têm sustentado a ilegalidade de sua exigência por normas regulamentadoras ao argumento de que protegidos estariam pelo disposto no art. 5º da Constituição Federal, inciso II ao dispor genericamente: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
Esse dispositivo utilizado não tem aplicação no caso de omissão patronal em emitir a CAT, porque:
a)- a sua exigência decorre de texto expresso de lei, dispondo que será obrigatória a notificação das doenças profissionais e das produzidas em virtude de condições especiais de trabalho, comprovadas ou objeto de suspeita, de conformidade com as instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho" (CLT, art. 169).
b)- a norma regulamentadora que também exige a sua emissão pelo empregador, como responsabilidade principal, mesmo a novel Instrução Normativa 98/2003 tem força de lei, ao fundamento do que dispõe a própria CLT nos artigos 154 e seguintes, sujeitando as empresas ao cumprimento de outras disposições previstas em regulamentos e ou normas de segurança e saúde, sendo que o próprio art. 155 já por si próprio, dentre os demais dispositivos seguintes, já por si próprio incumbe o Ministério do Trabalho a estabelecer normas sobre a aplicação dos preceitos deste Capítulo, especialmente os referidos no art. 200:
"Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre: (Redação do "caput" dada pela Lei n. 6.514, de 22.12.1977 - DOU de 23.12.1977).
I - medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição ou reparos" (CLT, art. 200).
Também de forma supletiva, no caso de recusa do empregador em cumprir com sua obrigação principal, negando-se a emitir a CAT, esta pode também poderá ser preenchida o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos o prazo previsto no caput do artigo (Lei 8.213/91, art. 22, § 2 º).
Apesar disso, é de todos consabido que se a CAT for emitida pelo empregador o INSS concede o benefício "auxílio-doença acidentário" (B91). Mas se a CAT for formalizada pelo próprio acidentado e ou pelas demais pessoas e ou entidades autorizadas, o benefício que poderá ser e ou não concedido pelo órgão previdenciário é apenas o auxílio-doença (B32). E passados, 90 dias, no máximo, como regra geral, o benefício é suspenso, o trabalhador é liberado para retornar ao emprego, caso ainda não tenha sido despedido, o que tem permitido que as empresas já possam dispensar o empregado, mesmo que esteja doente e lesionado, como tem ocorrido, trocando o empregado infortunado por outro empregado ainda gozando de boa saúde e de menor custo operacional.
Essa prática já costumeira, mesmo nas empresas transnacionais, cria um quadro desolador no país. Milhares de trabalhadores, mesmo doentes e lesionados, são despejados no mercado de trabalho, sem possibilidade de se conseguir nova ocupação, porque a doença contraída em serviço, no emprego anterior, é facilmente demonstrada nos exames admissionais a que se submetem os trabalhadores, o que não ocorre com o mesmo rigor nas despedidas, em que os exames demissionais são, no geral, superficiais, sem atendimento sequer das exigências e condições estabelecidas pelo art. 168 da CLT, bem como da Norma Regulamentadora nº 7 – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (Portaria nº 8, de de 08.05.1996), para que o ato resilitório pudesse ser considerado válido.
Infelizmente, colaboram para que essas irregularidades sejam praticadas os próprios médicos, sendo que muitos deles trabalham, ou subordinados ao comando do empregador dentro da própria empresa, e ou mesmo fora em convênios, mas negando-se a cumprir o juramento que prestaram (hipócrates), sujeitando-se, grande parte desses profissionais da saúde, em favor dos interesses financeiros das empresas que não cumprem com sua responsabilidade social, onde entra em conflito as necessidades de observação das normas legais de segurança e medicina do trabalho com a prevalência na perseguição desenfreada pelo lucro, na busca da desenfreada pelo atingimento dos objetivos a serem alcançados: maior produtividade, maximização dos lucros e ao menor custo operacional possível.
E as razões das recusas de não emissão da CAT pelos empregadores são conhecidas e dentre outras, citamos:
a)- obrigação de continuar depositando o FGTS enquanto o empregado estiver com o contrato suspenso;
b)- garantia de emprego até um ano após a suspensão do benefício acidentário do art. 118 da Lei 8.213/91;
c)- elevação dos custos operacionais por incidência de uma alíquota maior, em razão do reconhecimento dos riscos existentes na empresa de infortúnios, instituídos pela Lei 8.212/91, que pelo art. 22, é obrigada a recolher sobre a folha de pagamento de 1,0%, 2,0% e 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
Tais contribuições se referem ao antigo SAT e atualmente LDRAT e destinadas ao financiamento dos benefícios concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho.
Cabe ressaltar que diante dos abusos já consabidos dessas subnotificações, o governo preocupado com a tragédia dessas despedidas de trabalhadores doentes e lesionados, sem emissão da CAT, onerando a previdência e a própria sociedade, alterou os critérios para o recolhimento das referidas alíquotas, que doravante poderão ser menores e ou maiores, como se extrai do exame da Lei nº 10.666, DE 08 DE MAIO DE 2003 (DOU de 09/05/2003) que permite uma redução no pagamento das alíquotas instituídas em até 50% e ou num acréscimo em até 100%, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social" (art. 10 da Lei nº 10.666/03).
As respectivas alíquotas dessa contribuição previdenciária relativa ao LDRAT (antigo SAT) integram a contribuição previdenciária devida pelo empregador. Neste sentido, já decidiu o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais:
"AGRAVO DE PETIÇÃO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDÊNCIÁRIA – ALÍQUOTA SAT – A alíquota a ser observada relativamente ao sat (seguro contra acidente do trabalho), parcela que integra a contribuição previdenciária devida pelo empregador, aquela correspondente ao enquadramento da empresa à época em que o reclamante lhe prestava serviços, nos termos do anexo V do regulamento da previdência social (decreto 3048/99), não importando se posteriormente houve alteração nas atividades empresariais que pudessem modificar o grau de risco de acidentes". (TRT 3ª R. – AP 1173/03 – 1ª T. – Rel. Juiz Marcus Moura Ferreira – DJMG 16.05.2003 – p. 04).
Felizmente, nossa jurisprudência está começando a avançar, no sentido do reconhecimento do contrato realidade, ajustando-se o entendimento da lei à necessidade do Estado a pôr cobro nessa tragédia nacional, em que trabalhadores doentes e lesionados, encontram-se sem proteção, gozando quando muito de um mero auxílio-doença, que logo é suspenso, até para não onerar mais ainda os cofres da previdência diante do rombo previdenciário que se anuncia como o vilão a consumir os recursos necessários ao cumprimento pelo seu dever legal, o da garantia a todos os nacionais do direito à aposentadoria (CF, art. 7º, incisoXXIV).
Neste sentido, louvamos como alvissareira, a mudança de entendimento, contida na decisão recente do Tribunal Superior do Trabalho que reconheceu direito de trabalhadores que tiveram seus direitos sonegados e com base na legislação civil, mas de competência para julgar pela Justiça do Trabalho a teor do disposto no art. 114 da CF:
"EMENTA: RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA. REQUISITOS. ARTIGO 118 DA LEI N.º 8.213/1991. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DO ACIDENTE PELA EMPRESA. O afastamento do serviço por período superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio-doença acidentário constituem pressupostos para a aquisição do direito à estabilidade provisória prevista no artigo 118 da Lei n.º 8.213/1991. No entanto, se tais exigências não foram atendidas pelo trabalhador por culpa exclusiva do empregador, que deixa de cumprir a obrigação de comunicar o acidente de trabalho à Previdência Social (art. 22, caput, da Lei Nº 8.213/1991), é lícito considerá-las implementadas, à luz da regra contida no artigo 129 do CC/2002. Recurso de revista não conhecido.Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n.º TST-RR-512.927/1998.6, sendo Recorrente MINERAÇÕES BRASILEIRAS REUNIDAS S.A. e Recorrido MARCOS PEREZ ARAÚZO.O Tribunal do Trabalho da Terceira Região, por meio dos acórdãos de fls. 189/191 e 198/199, negou provimento ao recurso da reclamada, mantendo o reconhecimento do direito do reclamante à estabilidade acidentária. A reclamada, não se conformando, interpôs recurso de revista buscando acolhimento quanto ao tema Art. 118 da Lei n.º 8.213/91 Estabilidade acidentária Requisitos (fls. 201/205). Admitido o recurso (fl. 208), foram apresentadas contra-razões às fls. 209/211. Processo não submetido a parecer do Ministério Público do Trabalho (RITST, art. 82). É o relatório. V O T O. CONHECIMENTO. Satisfeitos os pressupostos comuns de admissibilidade, examino os específicos do recurso de revista. ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA. REQUISITOS. ARTIGO 118 DA LEI N.º 8.213/1991 O Tribunal a quo confirmou a sentença, que reconhecera o direito do reclamante à estabilidade provisória decorrente de acidente de trabalho, tendo convertido a determinação de reintegração no emprego em indenização substitutiva, por ter se esgotado o período da garantia, assim fundamentando a decisão: Na esteira da decisão a quo tem-se que a doença profissional, caracteriza-se como acidente de trabalho, por equiparação legal. Assim, afasta-se o vício da ausência de acidente, data, informação, etc., porque a reclamada não emitiu o CAT, já que não admitiu a existência do acidente. Por outro lado, o laudo pericial produzido, seguido de sucessivos esclarecimentos, deixou evidente que, ao longo do pacto laboral, o autor sofreu perda auditiva, o que impôs limitação em sua capacidade de trabalho. (fl.190). No julgamento dos embargos de declaração interpostos ao acórdão, acrescentou os seguintes fundamentos: A estabilidade provisória do autor vai até 11 de novembro de 1996, por isso que, desde a data da sentença, já se antecipava que a reintegração determinada converter-se-ia em indenização, em face da impossibilidade temporal de ser mantida a reintegração. De conseqüência, a aposentadoria por tempo de serviço do empregado é fato desinfluente na solução da lide, pois em nada afetará o resultado prático da demanda, que será a inexorável conversão da reintegração na indenização. Assim, a aposentadoria por tempo de serviço se verificou, mas não altera a solução da lide já que a reintegração converter-se-á em indenização, limitada ao período da estabilidade até 11 de novembro de 1996. (fls. 198/199). Contrapondo-se, a reclamada sustenta ser incabível a condenação, ao argumento de que não foram cumpridos os requisitos exigidos pelo artigo 118 da Lei n.º 8.213/1991, uma vez que o reclamante não ficou afastado do serviço por período superior a quinze dias, nem recebeu auxílio-doença acidentário. De todo modo, considera que a circunstância dele ter se aposentado por tempo de serviço em 10 de junho de 1996, aliado ao fato de não ter alegado que sofreu acidente de trabalho e que foi concedida a comunicação do acidente de trabalho (CAT), leva à inépcia da petição inicial, nos termos do artigo 295, parágrafo único, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC). Diante dessa afirmação, entende que a decisão regional negou vigência ao artigo 132, parágrafo 1º, do Decreto n.º 2.172/1997. Ampara sua pretensão recursal em violação das referidas normas legais e em divergência jurisprudencial. Impende salientar, inicialmente, que o argumento de que a petição é inepta não foi enfrentado pela Tribunal Regional. Como, neste aspecto particular, a reclamada não instou o órgão julgador a se pronunciar sobre o tema, a questão carece de prequestionamento, atraindo a incidência da diretriz traçada no Enunciado n.º 297 da súmula de jurisprudência uniforme deste Tribunal. Sob esse prisma, a tese de aplicação do artigo 295, parágrafo único, inciso II, do CPC também não está prequestionada, já que o acórdão não emitiu juízo a respeito, nem solucionou a controvérsia à luz do que dispõe essa norma, nos termos da Orientação Jurisprudencial n.º 118 da colenda Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais desta Corte (SBDI-1/TST). Não foi diferente em relação ao artigo 132, parágrafo 1º, do Decreto n.º 2.172/1997. A violação de decreto, aliás, nem mesmo serve como fundamento para habilitar o conhecimento do recurso de revista, de acordo com a alínea c do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Por outro lado, não procede a alegação de que não foram atendidas as exigências do artigo 118 da Lei n.º 8.213/1991, porquanto o Tribunal recorrido assinalou no acórdão que o laudo pericial evidenciou ter sido o reclamante acometido de doença profissional perda auditiva que implicou limitação da capacidade laboral, bem como que a reclamada deixou de emitir o CAT por não ter admitido a ocorrência do acidente de trabalho. Portanto, se o reclamante não ficou afastado por mais de 15 dias do serviço, nem percebeu o benefício do auxílio-doença acidentário, condições imprescindíveis para aquisição da estabilidade provisória no emprego, foi por culpa exclusiva da reclamada, que descumpriu a obrigação de comunicar o acidente de trabalho à Previdência Social, imposta pelo caput do artigo 22 da Lei n.º 8.212/1991. Nesse sentido converge a jurisprudência deste Tribunal, conforme demonstram as ementas a seguir reproduzidas: ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA. LEI Nº 8.213/91. NÃO-EMISSÃO DA CAT PELA EMPRESA. É certo que a jurisprudência desta Corte, consubstanciada na Orientação Jurisprudencial nº 230 da SBDI-1, é de que o afastamento do trabalho por prazo superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio-doença-acidentário constituem pressupostos para o direito à estabilidade prevista no art. 118 da Lei nº 8213/1991, assegurada por período de 12 meses, após a cessação do auxílio-doença. Ocorre que o afastamento da incidência do precedente em apreço deve-se ao fato de o Regional ter consignado que a empresa, não obstante tivesse plena ciência do acidente de trabalho, obstou ao empregado o direito de adquirir o afastamento formal pelo INSS com a percepção do auxílio-doença acidentário, requisito previsto no art. 118 da Lei nº 8.214/91, e com o conseqüente reflexo na aquisição da estabilidade provisória, quando furtou-se à entregar a CAT na época própria, apesar das várias licenças médicas oriundas do acidente, encontrando-se subjacente à decisão recorrida a aplicação do art. 9º da CLT. Não compartilho, ainda, com a tese de que a não-comunicação pelo empregado à entidade sindical do acidente ocorrido implicaria o afastamento do direito à indenização relativa ao período estabilitário, uma vez que a ilação que se extrai do art. 22, § 2º, da Lei nº 8.213/91 é de que a obrigação de comunicar o acidente é da empresa, tendo o legislador atribuído ao trabalhador apenas a faculdade de fazê-lo. Recurso conhecido e desprovido. (RR-787.253/2001, Rel. Min. Barros Levenhagen, DJ 16/4/2004); REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. DOENÇA PROFISSIONAL. O afastamento do trabalho, por prazo superior a 15 dias, e a percepção do auxílio-doença constituem condição sine qua mon para que o empregado adquira direito à estabilidade prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91, porém tal condição não se aplica a este caso. Verifico da decisão do Regional, soberano na apreciação de provas e fatos, que a reclamada somente enviou a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) ao INSS em 25/04/97, na mesma data da demissão do reclamante. Sendo assim, deixou de receber o auxílio-doença acidentário por culpa da reclamada, que somente enviou a CAT ao INSS quando do desligamento do reclamante da empresa, impedindo assim, que o empregado se beneficiasse da lei. Revista conhecida e desprovida. (RR-574911/1999, Rel. Juiz Convocado Marcus Pina Mugnaini, DJ 9/5/2003). Tem-se, assim, que a recorrente, ao deixar de cumprir a obrigação legal de emitir a CAT respectiva, obstou maliciosamente o implemento das referidas condições, pelo que, é lícito concluir que foram efetivamente implementadas, à luz da regra contida no artigo 120 do Código Civil de 1916 (CC/1916), renovada no artigo 129 do Código Civil de 2002 (CC/2002). Nesse passo, é imperioso reconhecer que nenhuma violação sofreu o disposto no artigo 118 da Lei n.º 8.213/1991. Nessa mesma linha de raciocínio, conclui-se que o recurso de revista também não se credencia por divergência jurisprudencial, porque os arestos reproduzidos nas razões recursais (fls. 203/204) são inespecíficos, haja vista que as decisões neles retratadas estão assentadas em premissa factual diversa da verificada neste processo, qual seja, de que não houve acidente de trabalho e gozo do auxílio-doença. Incide, aqui, o óbice constante do verbete sumular n.º 296 desta Corte. Por essas razões, não conheço do recurso de revista. ISTO POSTO. ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, unanimemente, não conhecer do recurso de revista interposto pela reclamada, nos termos da fundamentação.Brasília, 02 de junho de 2004" (TST- RR 512927/1998.6, 1ª Turma, Rel. JUIZ CONVOCADO ALTINO PEDROZO DOS SANTOS, decisão publicada no DJU em data de 25/06/2004).