EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COMERCIAL NO BRASIL
O Direito Comercial pátrio começou a ser implantado a partir de 1808, a partir da Lei de Abertura dos Portos, ocasionada em função da transferência da família real portuguesa ao Brasil, permitindo desde este momento a realização do comércio entre o Brasil e outras nações.
A partir de então, disciplinavam nas atividades comerciais em nosso território as leis portuguesas e os Códigos Comerciais da Espanha e da França, devido à implantação da Lei da Boa Razão, surgida em 18 de agosto de 1769, permitindo-se a invocação subsidiária das leis das “nações cristãs, iluminadas e polidas” em casos de lacuna da lei portuguesa, com objetivo de dirimir os conflitos de natureza comercial.
Somente no ano de 1834, uma comissão de comerciantes apresentou ao Congresso Nacional um projeto de Código Comercial, que após uma tramitação de mais de 15 anos originou o primeiro código brasileiro, o Código Comercial (Lei n° 556, de 25 de junho de 1850).
O Código Comercial pátrio fundamentou-se nos Códigos de Comércio de Portugal, da França e da Espanha, sendo certo que o referido diploma adotava a Teoria dos Atos do Comércio como sua norteadora.
Posteriormente, temos o advento do Regulamento n° 737, regulamentando o Código Comercial brasileiro. Tal regulamento foi revogado pelo Código de Processo Civil, de 1939.
Inúmeras leis esparsas, desde então, regularam e continuam regulando determinados institutos comerciais, sendo que o Código Comercial de 1850 teve sua primeira parte revogada com o advento do Código Civil, em 2002, ocasionando a ruptura com a Teoria dos Atos do Comércio, e consagrando a adoção da Teoria da Empresa como norteadora das atividades empresariais.
CRITÉRIOS DE IDENTIFICAÇÃO DO DIREITO COMERCIAL
Como exposto, as primeiras regras destinadas a regular a atividade comercial surgiram muito após o início do comércio, visando satisfazer as necessidades dos próprios comerciantes.
Nesta primeira fase, podemos identificar o Direito Comercial fundamentado no critério SUBJETIVISTA EXPLÍCITO, ou seja, Direito Comercial, como o direito dos comerciantes, legitimando seus usos e costumes, presente no Direito Consular e nos Estatutos das Cidades.
Com o advento do Código de Napoleão há profunda alteração na forma de identificação do Direito Comercial, haja vista que se deixa de regular a atividade comercial tendo como escopo apenas o comerciante, tratando-se o Direito Comercial como o direito dos atos do comércio, que merecem tal proteção especial diante dos riscos inerentes à atividade comercial. Tal alteração originou o critério OBJETIVISTA, ou seja, a proteção do comércio se dará aos atos que forem considerados mercantis.
Contudo, como salientamos anteriormente, enormes dificuldades encontraram os doutrinadores de todas as épocas em definir quais seriam os atos do comércio, sendo que diante de tal fato procurou-se um novo elemento caracterizador do Direito Comercial, surgindo para tanto o critério SUBJETIVISTA ATUAL, que relaciona o Direito Comercial ao direito das empresas, cuja origem deu-se com o advento da Teoria da Empresa adotada, primeiramente, na legislação italiana, em 1942, sendo também consagrada em nosso Código Civil, no ano de 2002.
A TEORIA DA EMPRESA
Com a nova concepção oriunda da Teoria da Empresa, deixou-se de considerar o comerciante como sendo a pessoa física ou jurídica que praticasse atos do comércio (expressamente regulamentados), passando-se a considerar comerciante, ou melhor, empresário individual ou sociedade empresária, aquele que pratica atividade empresarial, organizada através de uma empresa, ou seja, pratica atos de empresa (MARTINS, 2001, p. 57/58).
Devemos considerar, contudo, que esse retorno ao subjetivismo ocorre com a presença reguladora da intervenção estatal, com escopo de proteger a sociedade de possíveis abusos.
Por conseguinte, temos que a Teoria da Empresa é adotada por nossa legislação a partir do advento de nosso Código Civil, no ano de 2002, substituindo a Teoria dos Atos do Comércio, anteriormente adotada em nosso Código Comercial, no ano de 1850.
Devido a tal modificação, ou seja, a aplicação da Teoria da Empresa em detrimento da Teoria dos Atos do Comércio, compreendemos a existência de uma alteração nos critérios de identificação do objeto do Direito Comercial, deixando de analisarmos os atos do comércio para considerarmos a empresarialidade, ou seja, a atividade econômica organizada, ou simplesmente empresa.
Por conseguinte, temos que com o advento da Teoria da Empresa, trazida no bojo da normatização jurídica de nosso atual Código Civil, as regras comerciais passam a ter como seu objeto norteador, não mais atos do comércio, mas sim a empresa, assim compreendida como a atividade econômica organizada, por um empresário individual ou pelos sócios de uma sociedade empresária, com o fim de produzir ou fazer circular bens ou serviços, com intuito lucrativo.
CONCEITO JURÍDICO DE EMPRESA
Antes de adentrarmos ao estudo da organização da empresa, faz-se necessário um estudo a respeito do conceito de empresa.
Definir um conceito para empresa constitui uma árdua tarefa, e que foi, ao longo dos tempos, objeto de preocupação dos mais ilustres juristas.
Neste singelo trabalho, procuraremos demonstrar quais elementos são decisíveis para conceituação da empresa.
Devemos considerar que a idéia a respeito da empresa surgiu-nos durante a própria Teria dos Atos do Comércio, pois o Código de Napoleão em uma das definições a respeito dos atos do comércio, em seu artigo 632, mencionou pertencer a tal classe as empresas de manufatura, de comissão, de transporte por terra e água, bem como todas as empresas de fornecimento de agência, escritórios de negócios, estabelecimentos de vendas em leilão, de espetáculos públicos.
Todavia percebemos que o Código de Napoleão, em 1807, não precedeu a conceituação da figura da empresa, apenas descrevendo quais atividades pertenceriam à classe empresarial.
Desde então, os doutrinadores buscaram a conceituação da empresa, todavia como nos ensina Rubens Requião (1998, p. 52) “não progrediam muito, de vez que a teoria dos atos de comércio absorvia e condicionava os estudos dos doutrinadores”, prosseguindo em sua lição nos ensina que “geralmente, o conceito de empresa era desenvolvido em torno da idéia de prática de atos de comércio em massa”.
Posteriormente, após muitas discussões a respeito do tema Hamel e Lagarde (apud REQUIÃO, 1998, p. 52) denotam dois pensamentos principais envolvendo a empresa, quais sejam, a idéia de organização, sendo a mesma voltada para a produção econômica.
A TEORIA DA EMPRESA
Inicialmente, mesmo antes do advento do Código Civil italiano, em 1942, que procedeu a unificação do Direito Civil e Comercial, adotando como norteadora a Teoria da Empresa, doutrinadores italianos, tais como Vivante e Ferri (apud REQUIÃO, 1998, p. 53) distinguiam dois elementos pertencentes à conceituação da empresa, quais seja, a organização ou iniciativa e o risco.
Desta feita, assim nos descreve, o doutrinador Vivante (apud REQUIÃO, 1998, p. 53), “empresa é um organismo econômico que sob o seu próprio risco recolhe e põe em atuação sistematicamente os elementos necessários para obter um produto destinado à troca”.
Com a adoção, no ano de 1942, da Teoria da Empresa, no Código Civil italiano, iniciou-se uma nova e renovada discussão, pelos doutrinadores, em torno do conceito da empresa, já que o citado Código Civil italiano, também se eximiu da tal tarefa, conceituando tão-somente a figura do empresário.
Com a nova concepção oriunda da citada teoria, deixou-se de considerar o comerciante como sendo a pessoa física ou jurídica que praticasse atos do comércio (expressamente regulamentados), passando-se a considerar comerciante, ou melhor, empresário, aquele que pratica atividade empresarial, organizada através de uma empresa, ou seja, pratica atos de empresa (MARTINS, 2001, p. 57/58).
Assim sendo, será empresário, nos termos do artigo 2.082 do Código Civil italiano, quem exercer de forma profissional uma atividade econômica organizada com escopo de realizar a produção ou a troca de bens ou serviços.
Por conseguinte, diversos juristas italianos embrenharam-se no afã de elaborar um satisfatório conceito para a empresa, tendo grande destaque neste intento o jurista Alberto Asquini (apud NEGRÃO, 2003, p. 75/77), que elaborou um conceito poliédrico para a empresa.
Segundo o já citado doutrinador diante da adoção pela legislação italiana da Teoria da Empresa, no Código Civil italiano de 1942, ressalta-se que a empresa seria um fenômeno poliédrico, não possuindo definição unitária, haja vista que possui múltiplos aspectos ou perfis jurídicos, quais sejam: perfil subjetivo (a empresa como empresário); o perfil funcional (a empresa como atividade empresarial); o perfil objetivo (a empresa como estabelecimento); e o perfil corporativo (a empresa como instituição).
Devemos ressaltar que o quarto perfil defendido por Alberto Asquini, qual seja, o perfil corporativo da empresa, pelo qual tem-se a idéia de empresa analisada como organização pessoal, da união do empresário e seus colaboradores, é extremamente contestado doutrinariamente, sendo avaliado como resquício dos ideais fascistas presentes a época, que consideravam que a empresa, nos dizeres de Fábio Ulhoa Coelho (2003, p. 9) “representa justamente a organização em que se harmonizam as classes em conflito”, quais sejam, burguesia e proletariado, sendo que prossegue o ilustre doutrinador “a luta de classes termina em harmonia patrocinada pelo estado nacional”.
Destarte, com os ideais fascistas superados, muitos doutrinadores avaliam que a empresa teria apenas três ideais ou perfis, ou seja, os perfis subjetivo, funcional e objetivo.
Contudo, insurgiu-se contra a doutrina de Asquini o doutrinador Florença Francesco Ferrara (apud REQUIÃO, 1998, p. 55/56), concluindo que a conceituação da empresa ao ser analisada sob o perfil subjetivo (empresa como o empresário) e perfil objetivo (a empresa como estabelecimento), estaria sendo empregada de forma inadequada, confundindo-se a empresa com a figura do empresário (sujeito de direitos) e com o estabelecimento (objeto de direito).
Portanto, a empresa somente seria propriamente analisada sob o perfil funcional, ou seja, como atividade econômica organizada (já que o doutrinador citado também despreza o perfil corporativo elaborado por Asquini, como acima explicitado).
Assim sendo, empresa seria uma atividade organizada, por um empresário, através de um estabelecimento.
Nos dizeres de Ricardo Negrão (2003, p. 77) “relacionam o empresário, o estabelecimento e a empresa de forma íntima: o sujeito de direito que exercita (empresário), através do objeto de direito (estabelecimento) e os atos jurídicos decorrentes (empresa)”.
Temos, portanto, três elementos, incorporados à definição de empresa, quais sejam, atividade organizada, empresário, estabelecimento.
Todavia, como nos ensina o doutrinador Ferrara (apud REQUIÃO, 1998, p. 55/56), não devemos usar impropriamente da palavra empresa, empregando-a como sinônimo de empresário ou estabelecimento empresarial, pois a empresa consiste na atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços.
Empresa, portanto, seria a atividade econômica organizada, assim sendo, caracteriza-se por ser um fato abstrato, ou seja, a empresa deverá ser entendida como uma entidade jurídica, caracterizada pela organização de capital, insumos, tecnologia e trabalho ou mão-de-obra.
Tal organização se opera mediante o empresário, que organiza os fatores de produção, acima elencados, através do estabelecimento empresarial.