4 SEGURADO ESPECIAL E O SEU CARÁTER ASSISTENCIAL
O segurado especial tem sua definição no próprio texto Constitucional, o qual diz que tal segurado tem tratamento diferenciado:
O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei (art. 195, § 8£, da CRFB/88).
Assim, o segurado especial é o pequeno produtor rural e o pescador artesanal. A Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008 trouxe algumas mudanças para o segurado especial, a qual passou a admitir a contratação de mão de obra remunerada eventual pelo segurado especial, sem que este perca esta qualidade. A lei ainda vai mais longe, admitindo mesmo o exercício de outras atividades remuneradas, o que costuma ser fundamental para a sobrevivência destas famílias, especialmente em época de entressafra.
Ainda, cumpre pôr em relevo a previsão do artigo 9ª da Lei 11.718/08 que:
Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
Vislumbra-se que a “prova” é o que separa o trabalhador rural do estado de segurado especial do INSS, é a maneira que faz o rurícola ter direito aos benefícios da previdência social. Esta transposição só é possível caso o segurado consiga constatar através de prova documental e testemunhal que praticou a atividade agrícola em período, não necessariamente, imediatamente anterior ao pedido da concessão.
Nesse sentido, o INSS é o órgão responsável pela aprovação dos pedidos de benefícios do trabalhador rural. Em sua grande maioria, as cartas de indeferimento vêm negando o beneficio por não reconhecer quem o requisitou como trabalhador rural. Assim, o resultado é o ingresso na Justiça Federal, competente nas lides contra o INSS, pleiteando o benefício via judicial, ou seja, o Estado gasta duas vezes para deferir ou não um benefício, uma na esfera administrativa e outra na esfera judicial.
O benefício do segurado especial tem caráter assistencial, pois não tem filiação obrigatória e não tem caráter contributivo, que são características especificas dos filiados ao Regime Geral da Previdência Social. Já para o rurícola resta provar, que tem ou teve a condição de trabalhador rural para que seja enquadrado como segurado especial do artigo 201, § 7º, II da Constituição Federal de 1988, acrescido pela Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro de 1998.
Ao incluir o trabalhador rural no rol constitucional de segurado especial, o legislador fez uso do Princípio da Solidariedade, procurando dar dignidade a quem sofre com as dificuldades do “campo”. Assim, se configura o assistencialismo com a ausência de contribuição específica que cubra os gastos com os benefícios despendidos ao segurado especial, vindo este custo do montante arrecadado de outros setores, vindo a prejudicar tais setores.
5 GASTOS E CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA RURAL
Inicialmente compreende-se que não existe uma forma de custeio específico que supra totalmente os benefícios percebidos pelos rurícolas. O impasse com o custeio da Previdência Rural acontece por incapacidade de autofinanciamento, pois com os futuros beneficiários não existe a obrigatoriedade da contributividade, como foi relatado.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fez uma pesquisa, onde relatou que em 2013 havia 13,5 milhões de brasileiros com mais de 15 anos de idade trabalhando no campo. Desses, 1,6 milhões tinham carteira assinada. Os outros não tinham carteira assinada ou trabalhavam por contra própria ou então eram empregadores.
Frisa-se que hoje a única contribuição específica ao benefício rural é a contribuição sobre a venda da produção primária, que se destina ao custeio dos benefícios previdenciários rurais, e é insignificante. O rurícola, classificado como segurado especial é praticante da agricultura familiar e de subsistência, sendo, portanto, impraticável o excedente de produção, consequentemente a venda de produção primária. O que é produzido pelo rurícola supre somente a sua subsistência e de sua família, assim, dificilmente sobra uma renda para que ocorra uma suposta contribuição.
Entre os anos de 2009 e 2015, a arrecadação da previdência urbana foi maior do que as despesas com o pagamento das aposentadorias dos trabalhadores dessa categoria. Entretanto, o resultado do RGPS como um todo foi negativo porque, na previdência rural, a arrecadação sempre foi muito inferior às despesas.
De acordo com dados oficiais, em 2015 o valor arrecadado com a contribuição dos trabalhadores rurais representou 2% da receita total do INSS, enquanto os gastos com o pagamento das aposentadorias a essa categoria foram equivalentes a 22,5% do total.
Portanto, o déficit do INSS, está ligado principalmente à aposentadoria rural. Em 2015, o sistema rural registrou déficit de R$ 91 bilhões, enquanto o urbano teve um superávit de R$ 5 bilhões. Assim, o Estado faz uso do Princípio da Solidariedade, onde usando capital das contribuições dos trabalhadores urbanos, paga os benefícios dos trabalhadores rurais já que ocorre uma incapacidade de autofinanciamento por parte dos rurícolas.
6 A PEC 287 E OS REFLEXOS PARA O SEGURADO ESPECIAL
Sabe-se que a Proposta de Emenda Constitucional nº 287 (PEC 287), enviada pelo governo ao Congresso Nacional no início de dezembro de 2016 altera diversas regras relacionadas aos benefícios da Previdência e da Assistência Social. As mudanças propostas para a Previdência incidem tanto sobre o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que protege os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores públicos que não contam com regimes próprios, quanto sobre os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), voltados a atender as necessidades dos servidores públicos, federais, estaduais ou municipais.
Certamente um grande reflexo para o segurado especial na proposta da PEC é que terão que atingir a idade de 65 anos para se aposentar. Com isso, desaparece a aposentadoria com idade antecipada em cinco anos para os trabalhadores rurais e a distinção de sexo, também de cinco anos. Além disso, há o aumento de 15 para 25 anos no tempo de contribuição ou de atividade agrícola.
Acrescenta-se também que outra grande mudança para os segurados especiais é a introdução da exigência de contribuição social, com uma alíquota favorecida a ser definida em lei, em substituição ao recolhimento que hoje incide sobre a comercialização da produção. Hoje, a contribuição de 2,1% sobre a produção comercializada e a comprovação da atividade agrícola por, no mínimo, 15 anos garantem ao produtor familiar e a família dele os benefícios previdenciários. A PEC, em substituição a esse sistema, exige contribuição em caráter individual, a ser feita pelo trabalhador e cada um dos membros da família.
Desta forma a aposentadoria poderá ficar mais distante para os trabalhadores rurais, tanto os segurados especiais quanto os assalariados. O pagamento monetário poderá ser inviável para agricultores de menor renda, pois a atividade que eles exercem tende a estar bastante sujeita a interrupções por fatores sazonais, meteorológicos e de mercado. Por outro lado, existe a necessidade de racionalização dos gastos previdenciários, adequando o sistema à realidade orçamentária. Além disso, a contribuição deverá ser individual, o que pode dificultar a filiação à Previdência de mais de um membro da família e impedir a busca do direito ao benefício na justiça.
Contudo, nem todos os segurados estarão imediatamente enquadrados nessas novas regras trazidas pela PEC 287, caso seja aprovada, em razão da chamada regra de transição. Essa regra de transição tem uma finalidade básica, atenuar os efeitos da reforma para aqueles que já estão inseridos no sistema previdenciário com as regras atuais, vigente nesse momento e, portanto, possuem uma expectativa de direito que não pode ser violado, o chamado de direito adquirido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta vereda, foi mostrado que os benefícios disponíveis aos segurados especiais não exigem do segurado a contribuição do período de carência, mas tão somente a prova do labor em regime de economia familiar. Assim, indo contra ao princípio da contributividade, representado no artigo 201 da CRFB/88, que reforça o caráter oneroso da previdência.
Por isso, é aceitável a teoria apresentada de que os benefícios voltados para os segurados especiais possuem natureza jurídica assistencial, representando a que melhor se enquadra aos aspectos legislativos e orçamentários.
Desse modo, como a seguridade social é formada por um tripé composto pela assistência social, saúde e Previdência Social garantindo a ordem social, e levando em conta o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, os benefícios dos rurícolas não deixam de ser benefícios previdenciários, considerando suas disposições na lei da previdência; mas avaliando seus requisitos percebe-se a natureza jurídica assistencial.
É de suma importância o uso do princípio da solidariedade por parte do governo em relação aos benefícios dos rurícolas, pois não existe uma forma de custeio específica e que supra totalmente os gastos, onde a arrecadação sempre foi muito inferior às despesas, carecendo da ajuda dos trabalhadores urbanos.
Por fim, abordou-se a importância da adequação do sistema previdenciário à realidade orçamentária, onde se torna relevante a Proposta de Emenda Constitucional nº 287 (PEC 287), enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional no início de dezembro de 2016, como hipótese de racionalização dos gastos previdenciários.
REFERÊNCIAS
VIANNA, João Ernesto Aragonês. Curso de direito previdenciário. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
BRAGANÇA, Kerlly Huback. Manual de direito previdenciário. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
ANDRADE, Flávia Cristina Moura de. Direito previdenciário I. São Paulo: Saraiva, 2012.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
HONÓRIO, Zenaide. PEC 287: A minimização da Previdência Pública. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec168Pec.pdf> Acesso em: 25 de abril. 2017.
DIAS, Eduardo Rocha; MACEDO, José Leandro Monteiro. Curso de direito previdenciário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forens; São Paulo : MÉTODO, 2012.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm>. Acesso em 07 de abril de 2017.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 16ª ed. Niterói/RJ: Impetus, 2011.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 5ª ed. São Paulo: LTR, 2013.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 21ª Ed. São Paulo: Atlas, 2005.
BRASIL. Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11718.htm>. Acesso em 07 de maio de 2017.
BRASIL. Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8742.htm>. Acesso em 27 de março de 2017.
BRASIL. Lei nº 12.435, de 06 de julho de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12435.htm>. Acesso em 10 abril de 2017.
RIBEIRO, Ricardo Lodi. PEC 287: reforma ou implosão da Previdência Social? Disponível em: < http://justificando.cartacapital.com.br/2017/03/09/pec-287-reforma-ou-implosao-da-previdencia-social/>. Acesso em 10 de abril de 2017.
SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
KOVALCZUK, José Enéas. Manual dos Direitos Previdenciários dos Trabalhadores Rurais: teoria e prática. São Paulo: LTR, 2012.
HORVATH, Miguel Júnior. Direito previdenciário. Barueri, SP: Manole, 2011.
AMORIM, Heleneide Pinheiro. Direito Previdenciário: princípios da solidariedade, proporcionalidade e razoabilidade. Disponível em: <https://heleneideamorim.jusbrasil.com.br/artigos/112109011/direito-previdenciario-principios-da-solidariedade-proporcionalidade-e-razoabilidade> Acesso em 10 de abril de 2017.
BRASIL. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8212cons.htm>. Acesso em 07 de abril de 2017.