5. CONCLUSÕES
Diante de tudo que foi dito, podemos concluir que:
I) Os entendimentos de observância compulsória a que se sujeitam os magistrados vinculados institucional/orgânica/materialmente ao órgão prolator da jurisprudência constam nos incisos do art. 927 e no art. 988, §5º, II, todos do CPC;
II) A jurisprudência considerada vinculativa, em linhas gerais, deve ser aplicada quando as premissas fáticas do caso paradigma e do caso sob exame forem as mesmas, inexistir algum fato “novo” relevante apto a atrair a aplicação de tese diversa (“distinguishing”) e inexistirem boas razões para que se entenda que houve a superação do entendimento consolidado;
III) Por poder o magistrado aplicar o “distinguishing” ou entender que houve a superação da jurisprudência vinculante, isso significa, também, que não existe nenhum óbice, a priori, de a parte sustentar perante o Poder Judiciário tese contrária a jurisprudência de observância obrigatória;
IV) O analítico dever de fundamentação dos órgãos judiciais na aplicação de precedentes, previsto no art. 489, §1º, V e VI, CPC, funciona, por simetria, de mãos dadas com um “dever de argumentação” da parte, com fulcro principalmente no Princípio da Cooperação;
V) Existe, no “Sistema de Precedentes Judiciais” brasileiro, o Princípio da Inércia Jurisprudencial, que garante que, salvo bons motivos constatados de ofício pelo órgão judicial ou alegados pela parte interessada para afastar ou superar a jurisprudência vinculante, a jurisprudência de observância obrigatória deve ser mantida e aplicada ao caso sob exame;
VI) Pelo Princípio da Inércia Jurisprudencial, se a parte descumpre seu “dever de argumentação”, a primeira consequência imediata é o abrandamento do “dever de fundamentação” do Judiciário que, por uma questão de segurança jurídica e à míngua de razões fortes para afastamento/superação da jurisprudência solidificada, deverá aplicar, sem maiores delongas, o entendimento vinculativo para solucionar a controvérsia;
VII) O direito de ação (entendido como a provocação formulada ao Judiciário para que este preste a tutela jurisdicional), assim como o direito à ampla defesa, mesmo que garantidos constitucionalmente, devem ser exercitados de modo regular, sob pena de abusos sujeitarem o postulante respectivo a penalidades. Em síntese, o direito de ação ou de defesa não são absolutos e devem ser ponderados, por exemplo, com os Princípios da Cooperação, da Efetividade da Jurisdição, da Eficiência, da Celeridade e da Segurança Jurídica;
VIII) No CPC/2015, os Princípios da Boa-fé Objetiva Processual e da Cooperação estabelecem balizas éticas que devem ser necessariamente observadas pelos sujeitos processuais. Atos processuais praticados em desconformidade com tais limites são abusivos e, portanto, ilícitos;
IX) Desse modo, a sustentação de tese contrária àquela firmada em jurisprudência vinculativa, desacompanhada de argumentação pertinente e necessária - demonstração de inaplicabilidade da jurisprudência ao caso (ausência de idênticas premissas fáticas) ou suscitação de ocorrência de “distinguishing” ou de superação da jurisprudência de observância obrigatória -, pode importar no enquadramento do ato respectivo como desleal (art. 80, I, IV, V, VI e VII, CPC) e, por conseguinte, atrair as penalidades constantes no art. 81, caput, do CPC;
X) A condenação em litigância de má-fé, nos moldes apresentados no ponto retro, deve observar algumas diretrizes, tais como o respeito ao contraditório, e zelar pelo Princípio da Cooperação (buscando, mais do que punir, prevenir a prática de ilícitos processuais).
Notas
1 Deixa-se de transcrever a íntegra dos artigos referidos, uma vez que o objetivo deste articulado não é explorar com profundidade essa óptica do tema, podendo, entretanto, a íntegra da Instrução Normativa do TST nº 39/2016 ser conferida em: <http://www.tst.jus.br/documents/10157/429ac88e-9b78-41e5-ae28-2a5f8a27f1fe>. Acesso em: 28 mar. 2017.
2 Diz-se “em linhas gerais”, pois, a súmula vinculante (SV) do STF tende a ser tratado como um caso especial, conforme concluído em “BRUXEL, Charles. Incidente de uniformização de jurisprudência regional (IUJR) no processo trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4932, 1 jan. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/39387>. Acesso em: 29 mar. 2017”, p. 3:
“Seguindo, em boa medida, a doutrina de Didier Júnior, Braga e Oliveira (2012, p. 408-412), a súmula vinculante do STF se aplica a todos os órgãos do Poder Judiciário (inclusive o STF, uma vez que este, diante das hipóteses fático-jurídicas de incidência da SV, somente poderá deixar de aplicar seu próprio entendimento vinculante caso promova a respectiva revisão ou cancelamento) e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Órgãos inferiores ao STF não podem ignorar a súmula vinculante (negar-lhes vigência); não podem, caso configuradas as hipóteses fático-jurídicas de incidência da SV, contrariar o entendimento delineado na súmula vinculante; e não podem, quando não configuradas as hipóteses fático-jurídicas de incidência da SV, aplicar a jurisprudência condensada no verbete vinculante, sob pena de a decisão que incorrer em tais vícios ser impugnada diretamente no STF pela via da reclamação e em seguida cassada (art. 103-A, §3º, Constituição Federal, e art. 7º da Lei 11.417/2006). Vislumbra-se como única hipótese de não aplicação das súmulas vinculantes pelos órgãos inferiores e pelo próprio STF quando, a despeito de restarem configuradas as hipóteses fático-jurídicas de incidência da SV, existirem peculiaridades concretas relevantes, não levadas em conta na formação da súmula vinculante, ao ponto de justificarem a aplicação de outro entendimento (emprego da técnica denominada “distinguishing”). Entretanto, destaca-se, mesmo a regularidade do distinguishing poderá ser atacada e discutida pela via reclamatória.”
Refletindo melhor sobre o tema, hoje compreendo que, apesar do “tabu” em torno das súmulas vinculantes do STF, é sim possível afastar o entendimento nelas contido caso se entenda pela superação da compreensão consolidada.
Entretanto, o alicerce constitucional da súmula vinculante e a possibilidade de manejo de reclamação diretamente ao STF, sem maiores obstáculos, aconselha que se tenha uma cautela redobrada, em relação à jurisprudência vinculativa “comum”, antes de se concluir pela superação da SV.
3 A expressão foi utilizada nos termos já apresentados em Bruxel (2017, p. 3), vide nota de rodapé anterior:
“Já a “observância compulsória” das súmulas ou teses prevalecentes do regional pelos órgãos integrantes do próprio Tribunal Regional do Trabalho seria a obrigação de os Desembargadores, Turmas, Tribunal Pleno, Órgão Especial ou outros órgãos internos “levarem em conta”, ao proferirem suas decisões, a jurisprudência uniformizada do Regional, afastando-a, na hipótese de o caso não apresentar similaridades fático-jurídicas que justifiquem a aplicação da súmula ou tese prevalecente, ou realizando o “distinguishing”, caso existam peculiaridades concretas relevantes não levadas em conta quando da construção da jurisprudência.” (grifei)
4 MACHADO, Marcelo Pacheco. Novo CPC: Precedentes e contraditório. [S.l.: s.n.], 2015. Disponível em: <https://jota.info/colunas/novo-cpc/novo-cpc-precedentes-e-contraditorio-23112015>. Acesso em: 30 mar. 2017.
5 ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. O princípio da inércia argumentativa diante de um sistema de precedentes em formação no direito brasileiro. Revista da Processo, São Paulo, ano 39, vol. 229, março de 2014, p. 379. Disponível em: <http://www.bvr.com.br/abdpro/wp-content/uploads/2016/03/Artigo-O-principio-da-inercia-argumentativa.pdf>. Acesso em: 1º jun. 2017.
6 “O que mais nos interessa para os fins do presente é a inércia sob o prisma argumentativo e, relativamente, ao dever de respeito aos precedentes. Por tal motivo, impõe-se, desde já, distinguir a inércia, nos moldes em que trataremos, do “princípio da inércia”, sinônimo de “princípio da ação” ou “princípio dispositivo”, de forma que, para tanto, doravante, referir-nos-emos ao princípio da inércia argumentativa, como a norma que impõe (a) um forte ônus argumentativo àquele que litiga defendendo tese em contrário a precedente, ou ao magistrado que se afasta da ratio decidendi de precedente, ao decidir caso posterior semelhante; bem como que (b) mitiga o ônus argumentativo àquele que advoga tese em consonância com precedente, ou ao magistrado que segue a ratio de precedente, ao decidir posterior caso semelhante”.
7 Após a veiculação deste artigo na internet, em 27/05/2017, chegou ao conhecimento deste autor, por decorrência de diálogos em grupos de Whatsapp, que o jurista Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Júnior achou muito similar o tema tratado neste artigo e no trabalho por ele desenvolvido denominado “O princípio da inércia argumentativa diante de um sistema de precedentes em formação no direito brasileiro” (detalhes de referência em nota de rodapé anterior). Tomando conhecimento do ocorrido e lendo o referido articulado, constata-se que, de fato, os temas tratados são similares. Trata-se, no entanto, de mera coincidência. A fim de prestigiar o referido doutrinador - cujo estudo, inclusive, é muito bom - resolveu-se acrescentar, em 01/06/2017, ao original deste artigo, uma citação, ainda que breve, ao seu trabalho. Destaque-se que o enfoque analítico (hipótese por hipótese) da litigância de má-fé, afora outros aprofundamentos e peculiaridades, é algo que, até aonde se saiba, somente foi realizado no presente escrito. Ademais, as ideias em torno de ônus argumentativo da parte decorrem da lógica do sistema de precedentes e, além disso, o raciocínio formulado pode ser desenvolvido a partir de uma base acadêmica em Teoria da Argumentação. Somado a isso, temos o artigo, especificado em nota de rodapé anterior, de Machado (2015), o qual também aborda a questão da argumentação. Pontua-se, ainda, que não se concorda com a nomenclatura “Princípio da Inércia Argumentativa”, uma vez que apresenta conotação genérica que não gera uma rápida e fácil associação com a discussão envolvendo o Sistema de Precedentes pátrio. Considera-se o nome “Princípio da Inércia Jurisprudencial” mais preciso em relação ao tema tratado, ressaltando-se, ainda, que, em pesquisa realizada no Google antes da publicação deste artigo na internet, foi constatado que o nome era até então “inédito”.
8 O cenário delineado poderá implicar também na improcedência liminar do pedido ou na concessão de tutela de evidência, a depender do caso.
9 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 12.
10 Ibidem, p. 122.
11 Ibidem, p. 122.
12 Ibidem, p. 122.
13 Ibidem, p. 122-123.
14 A própria lei, certamente inspirada em vetores constitucionais, mitiga a necessidade de o contraditório ser sempre prévio, conforme, exemplificativamente, artigos 9º, parágrafo único, 332, §1º, e 487, parágrafo único, CPC. Em síntese, podemos cogitar, com base principalmente na lógica decorrente da possibilidade de improcedência liminar do pedido por prescrição ou decadência sem prévio contraditório, que este pode ser diferido sempre que a inviabilidade da tese seja manifesta e exista um meio próprio capaz de reverter/corrigir com baixa onerosidade, facilidade e agilidade eventual equívoco do julgador (o que ocorre, por exemplo, quando cabível recurso imediato com efeito regressivo – que é aquele cuja interposição possibilita a reconsideração da decisão tomada pelo próprio órgão prolator da decisão impugnada - contra o pronunciamento judicial).
15 Cita-se um exemplo. No Direito do Trabalho todos sabem que, até pouco tempo, a responsabilidade do tomador de serviços em uma terceirização era consolidada essencialmente por meio da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Mesmo assim, alguns litigantes insistiam em sustentar teses vazias que sequer levavam em conta o referido verbete (consolidado e amplamente publicizado há anos e, em algumas trechos, há décadas). Tal postura, grotesca, autorizaria a condenação em litigância de má-fé, mesmo nos casos de decisão com contraditório diferido.