Artigo Destaque dos editores

O paciente terminal e o direito de escolha

Exibindo página 2 de 2
07/06/2017 às 10:40
Leia nesta página:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vida do indivíduo a ele pertence, e não ao Estado ou a comunidade na qual ele vive. Portanto, apenas a ele cabe decidir os limites do sofrimento que se encontra disposto a padecer em decorrência de uma doença terminal, ou até mesmo em face de problemas psíquicos graves, como no caso do belga Nathan Verhelst, a quem fizemos referência no início de nossa exposição. Ao Estado, bem como aos profissionais de saúde, compete somente fornecer todas as informações possíveis ao enfermo a respeito da moléstia da qual ele padece, deixando a ele a responsabilidade por decidir o rumo que dará à sua existência.

Além disso, julgar as pessoas que decidem pela prática de uma das formas de antecipação do processo de morrer, quando não se está vivenciando o mesmo problema que elas, não parece ser uma conduta correta. É necessário aprender a respeitar as decisões individuais, especialmente quando elas se referem a aspectos da intimidade pessoal.

A interferência de grupos religiosos ou defensores de filosofias diversas nas questões legislativas do Estado é algo que deve ser repudiado, pois não se pode aceitar a imposição de uma visão de grupo como se ela fosse compartilhada por toda a coletividade. Essa postura é autoritária e não deve ser aceita num Estado Democrático de Direito.

Cabe ao Estado fornecer o suporte necessário para que os indivíduos que decidirem antecipar o processo de morrer, façam-no da maneira mais suave e indolor possível. Trata-se de um tipo de decisão que não cabe ao Estado julgar, mas tão somente respeitar, ao mesmo tempo em que lhe compete fornecer os mecanismos para que ela seja atendida de maneira exitosa.

Por fim, entendemos que concordar, ou não, com a antecipação do processo de morrer é uma questão individual. Aqueles que não concordam com a prática, que nunca dela se utilizem. No entanto, não devem se achar melhores do que os indivíduos que decidem de forma contrária, pois sua visão de mundo não é melhor nem pior do que as demais. É apenas uma visão, como outra qualquer.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOZA, Heloisa Helena. Autonomia em face da morte: alternativa para a eutanásia?. In: PEREIRA, Tânia da Silva; MENEZES, Rachel Aisengart; BARBOZA, Heloísa Helena (Orgs.). Vida, morte e dignidade humana. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010, p. 31- 49.

BLANCO, Luis Guillermo. Muerte digna: consideraciones bioético-jurídicas. Buenos Aires: AD-HOC S. R. L., 1997.

BRANDI, Nelly A. Taiana de; LLORENS, Luis Rogelio. El Consentimiento informado y la declaración previa del paciente. In. BLANCO,  Luis Guillermo (Org.). Bioética y Bioderecho: cuestiones actuales. Buenos Aires: Editorial Universidad, s.d.

CALLIGARIS, Contardo. Eutanásia para menores? Folha de São Paulo, São Paulo, 27 mar. 2014. Colunistas. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2014/03/1431214-eutanasia-para-menores.shtml> Acesso em 17 fev. 2015.

CECCHETTO, Sergio. Consentimiento informado: antecedentes históricos, oscuridades terminológicas y escollos de procedimento. In. BLANCO,  Luis Guillermo (Org.). Bioética y Bioderecho: cuestiones actuales. Buenos Aires: Editorial Universidad, s.d.

DIAS, Roberto. O direito fundamental à morte digna: uma visão constitucional da eutanásia. Belo Horizonte: fórum, 2012.

FILHO, Francisco Seraphico Ferraz da Nóbrega. Eutanásia e dignidade da pessoa humana: uma abordagem jurídico-penal. 2010. 119 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010.

MORRE nos EUA jovem com câncer que planejou seu suicídio assistido. Folha de São Paulo, São Paulo, 03 nov. 2014. Mundo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/11/1542393-morre-nos-eua-jovem-com-cancer-que-planejou-seu-suicidio-assistido.shtml>. Acesso em 17 fev. 2015.

NIÑO, Luis Fernando. Eutanasia: morir con dignidade. Buenos Aires: Universidad S. R. L., 2005.

PERALES, Enrique Bonete. Repensar el fin de la vida: el sentido ético de morir. Madrid: Ediciones Internacionales Universitarias, 2009.

RODRÍGUEZ-ARIAS,  David. Uma muerte razonable: testamento vital y eutanásia. Bilbao: Editorial Desclée de Brouwer, 2005.

RÖHE,  Anderson. O paciente terminal e o direito de morrer. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004.

ROSA, Alexandre Morais da. As fronteiras público-privadas da dor: entre o direito e a obrigação de viver. In: PEREIRA, Tânia da Silva; MENEZES, Rachel Aisengart; BARBOZA, Heloísa Helena (Orgs.). Vida, morte e dignidade humana. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010, p. 51-55.


Notas

[1] FOLHA DE SÃO PAULO (2014)

[2] CALLIGARIS (2014)

[3] Costuma-se diferenciar dor e sofrimento, sendo este último considerado como mais global, ensejando a diminuição da qualidade de vida. A dor, por sua vez, seria um fenômeno passageiro, bem delimitado no tempo, aplacável como medicamentos adequados, sem deixar maiores sequelas físicas ou psíquicas no indivíduo.

[4] Denominamos processo de morrer a fase que vai do surgimento da moléstia até o momento do óbito. Esse processo pode ser antecipado mediante a intervenção de terceiros ou mesmo por ato solitário do indivíduo que, por meio do suicídio, põe termo a sua existência.

[5] “La ciência médica, con los avances tecnológicos como suporte, ha conseguido prolongar la vida de determinados pacientes, hasta el punto de que antes de la muerte biológica se produce una especie de muerte social.”

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

[6] Este capítulo, em parte, é baseado na obra de ROHE (2004, p. 3-14)

[7] Este Capítulo foi baseado nas obras de BARBOZA (2014, p. 31-49) e FILHO (2010, p. 36-65).

[8] Cf. BLANCO (1997, p. 16-20) e NIÑO ( 2005, p. 73-79)

[9] Cf. redação do artigo 3º, da Lei nº 9.434/1997: “A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina - destacamos”.

[10] Como bem assinala BLANCO (1997, p. 20-22), embora a morte seja um evento único, ela é antecedida de um processo, composto pelo conjunto de modificações biológicas que ocorrem no organismo vivo antes da ocorrência da morte.

[11] BARBOZA (2010, p. 47).

[12] Interessantes estudos a respeito do consentimento informado, foram desenvolvidos por CECCHETTO     (s.d, p. 91- 116) e LLORENS y BRANDI (s.d, p. 117-134).

[13] Cf. RODRIGUEZ-ARIAS (2005).

[14] Embora não seja mencionado em qualquer diploma legal no ordenamento jurídico brasileiro, o testamento vital, denominado como diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, consta da Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina, de forma que os médicos que atenderem a manifestação de desejo do paciente com base em tal instrumento, não cometerão infração ética, desde que não violem a vedação de procedimento de cunho ativo voltado a antecipação do processo de morrer.

[15] DIAS (2012, p. 209-217) também defende ser inadmissível o paternalismo do Estado que impede o ser humano de decidir livremente os rumos que deseja dar a sua existência. Além disso sustenta, com base numa ponderação entre o direito à vida e o direito à liberdade, guiada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, ser possível extrair a existência de um direito constitucional à morte digna, que obstaria a vigência do artigo 121, §1º, do Código Penal, nos casos em que o médico agir a pedido do paciente, propiciando-lhe meios que antecipem a morte, como forma de mitigar-lhe o sofrimento.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Gilvânklim Marques de Lima

Doutor e mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Gilvânklim Marques. O paciente terminal e o direito de escolha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5089, 7 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58278. Acesso em: 20 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos