Inquérito policial: procedimento preparatório para a ação penal

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5. O VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO NA AÇÃO PENAL

De acordo com a nossa doutrina e jurisprudência, o inquérito não pode servir de base para condenação por não ter caráter processual.

Ainda hoje, existem respeitadas correntes doutrinárias, que sustentam o fim do inquérito policial, por ser um mero instrumento inquisitivo, informativo, dispensável, e que as provas produzidas, deveriam ser refeitas em juízo, o que o transforma em um procedimento inútil.

Estas correntes sustentam que o procedimento deveria ocorrer uma só vez, em fase judiciária, onde haveria grande economia processual além da celeridade alcançada no cumprimento da lei.

A autoridade policial se limitaria a apurar a materialidade delitiva e arrolar as testemunhas pertinentes ao caso, deixando para o juízo competente as diligências para a elucidação e comprovação da autoria delitiva. Porém, esta situação entra em confronto com o nosso ordenamento pois, pelo Princípio da Imparcialidade do Juiz, ele não poderia investigar para depois julgar.

Portanto a causa finalis do inquérito policial não é reunir provas para viabilizar a condenação, e sim, reunir elementos de convicção que possibilitem ao Ministério Público oferecer a denúncia ou o ofendido oferecer a queixa-crime. Os elementos de convicção devem ser relativos à existência do crime e a sua autoria, no sentido de possibilitar ao titular da ação ingressar em juízo com a ação penal. Sendo que esses dados fornecidos pelo inquérito policial são valorados pelo juiz processante e contribuem, de forma poderosa, para uma definição judicial.

Constata-se, portanto, que o inquérito policial é um meio legal destinado a investigar e descobrir a existência de um fato e sua autoria, que pode constituir uma infração penal, não sendo então um meio processual de condenação ao acusado.


6. Valor Probatório do Inquérito no Tribunal do Júri

O sistema de apreciação das provas que vigora nos processos de competência do Tribunal do Júri é o da íntima convicção dos jurados, onde a decisão é proferida de acordo com a íntima convicção de cada um jurado, pois cada um deles, como juiz leigo que é, pode decidir de acordo com sua consciência, sem a necessidade de fundamentar suas decisões.

Nos processos do rito do Tribunal do Júri, tem os jurados maior liberdade que o magistrado togado na valoração probatória, pois que decidem de acordo com sua íntima convicção, bastando assim, que a decisão por eles prolatada, esteja embasada na prova carreada aos autos do processo, não importando onde foi ela colhida, se na instrução processual ou se no inquérito policial.

essa vertente de pensamento é que se manifesta a lição de Edílson Rougenot Bonfim: No júri, contudo, como dizíamos, diferentemente do que acontece nos demais processos penais, na balança da valoração probatória, ao inquérito empresta-se o mesmo valor que a qualquer outra prova processual. Não existem prevenções contra uma ou outra prova; não vingam os juízos apriorísticos como a teoria das provas, de que uma possa valer mais que outra; todas são provas, equivalentes, na medida que demonstrem e convençam. Aplica-se, no ato judicante, sabiamente, a conhecida assertiva de Libague, citado por Ferri - perante o tribunal criminal da Reggio Emília - de que “a rainha das provas é a lógica humana.” E, desse modo, o procedimento investigatório não se torna somente a ssatura da ação penal; por vezes, mostra-se como a própria musculatura.21

Para o autor, nos procedimentos do Júri, o inquérito policial tem valor probatório igual às demais provas processuais. Não há que se falar em prevalência de uma sobre a outra, pois podem os jurados decidir com base naquelas que lhes convençam e, por conseguinte, que dêem suporte a seu julgamento.

Ainda no raciocínio das citadas lições, a valoração probatória entre o juiz togado e o leigo, é distinta pois nos procedimentos comuns, o juiz ao apreciar a ação penal, tem o inquérito policial apenas como uma prova a mais. Nos de competência do Tribunal do Júri, o procedimento investigativo ganha relevância, porque o juiz leigo, por não ter conhecimento de que valor atribuir às provas processuais, pode atribuir ao produto das investigações policiais o condão de prova decisória no julgamento, além de poder considerar o procedimento investigativo não apenas como mais uma prova, e sim, como a prova, emprestando-lhe grande valor, capaz de embasar uma absolvição ou condenação.

Na jurisprudência, diversos julgados enfocam diretamente o tema, aceitando a condenação proferida pelo Júri com base apenas no inquérito policial, demonstrando, dessa forma, que nos processos que seguem esse rito, o procedimento investigativo policial tem valor probatório mais que relativo.

O Superior Tribunal de Justiça, assim decidiu no Recurso Especial nº 25120:

PROCESSO PENAL. JÚRI. DECISÃO. RECURSO. ANULAÇÃO. 1. Decisão do Tribunal do Júri não pode er anulada, sob o fundamento de que contraria manifestamente a prova dos autos, se a tanto recorre penas a versão obtida no inquérito desprezando, às inteiras, a prova judicial. Os jurados têm liberdade para escolher uma das versões das testemunhas. 2. Recurso conhecido e provido à unanimidade.22

Da forma idêntica, o mesmo pretório decidiu o Habeas Corpus nº 3780:

HC – NULIDADE DO TRIBUNAL DO JÚRI – VEREDICTO DIVORCIADO DA PROVA DOS AUTOS E CALCADO UNICAMENTE NO INQUÉRITO POLICIAL –INOCORRÊNCIA. SE A DECISÃO DO JÚRI ESTA AMPARADA EM ALGUM SUBSIDIO PROBATÓRIO RAZOÁVEL, E HAVENDO EM CHAMAMENTO DE CO-INDICIADO, ENDOSSADO POR TESTEMUNHA APARENTEMENTE DESINTERESSADA NO DESATE, DESCABE FALAR EM NULIDADE DO JULGAMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI, POR ALEGADO VEREDICTO DIVORCIADO DA PROVA DOS AUTOS, BEM COMO EM PROVA CALCADA ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE NO INQUÉRITO POLICIAL. ARGUIÇÃO DE NULIDADE IMPROCEDENTE. DECISÃO: POR UNANIMIDADE, INDEFERIR A ORDEM. 23

Decisão do Tribunal de Justiça de Goiânia vem corroborar o entendimento declinado:

JÚRI. DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. - Para se anular o julgamento do Tribunal do Júri por ser decisão contrária à prova dos utos é necessário que essa contrariedade seja realmente manifesta, excepcional, pois a decisão dos jurados, por imposição constitucional, só pode ser cassada quando não tiver apoio em nenhuma prova, uma vez que, ao contrário do que ocorre nos demais procedimentos, onde prevalece o princípio do livre convencimento, no Júri vigora o princípio da íntima convicção, tendo os jurados a mais ampla liberdade na apreciação da prova. - Apelação improvida.

(Apelação Criminal n. 20106-0/213 julgada em 29/08/2000, Des. Elcy Santos de Melo). 24

As decisões dos Tribunais vêm a ratificar opinião predominante na doutrina. Nos casos de competência do Tribunal do Júri, admitindo valor pleno e suficiente ao inquérito policial, e a qualquer outra prova extrajudicial que se encontre nos autos, como decorrência do princípio da íntima convicção dos jurados ao decidir, que informa este tipo de julgamento.

Não há que se falar em quebra do princípio do devido processo legal, pois os jurados – homens comuns do povo e vinculados à comunidade onde ocorreram os fatos – decidem de acordo com a sua íntima convicção, a partir do conteúdo probatório que lhes foi apresentado em plenário, não estando adstritos a valor a prova do modo que faz o magistrado togado.


7. Investigação Criminal pelo Parquet – Análise de Legitimidade

Nos dias atuais, trava-se grande discussão acerca da possibilidade de investigações criminais serem dirigidas diretamente pelo Ministério Público, sem a participação da policia, existindo inclusive ação em trâmite no Supremo Tribunal Federal, Remi Abreu Trinta x Inq. 1968. – Ministério Público Federal, versando sobre a questão que, juridicamente, ainda se encontra indefinida, embora o Parquet promova, cada vez com mais freqüência, apurações de infrações penais por conta própria.

Doutrinariamente, a questão também é controvertida, existindo posições favoráveis e contrárias quanto ao tema, que gira em torno das policias civis deterem ou não a exclusividade da investigação criminal e o órgão ministerial ser legitimado a exercê-la.

A Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 144, prescreve, que é atribuição da policia federal, no § 1º, inciso IV, “exercer, com exclusividade, as funções de policia judiciária da União;” e, em seu § 4º, que “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, 29 exceto as militares.” A ordem constitucional, para alguns, confere exclusividade na apuração das infrações penais, às policias.

As funções institucionais do Ministério Público vêm definidas no artigo 129 da Carta Política, dentre elas não constando alusão à autorização para proceder a nvestigações criminais. Das funções atribuídas pela Constituição ao Ministério Público, em seu artigo 129, destacam-se a dos incisos I, “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;” III, “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos ecoletivos”; VII, “exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;” e VIII, “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.” Nota-se, que a Lei Maior, não autorizou em nenhum momento que o parquet promova investigações criminais, embora também não ovede expressamente, deixando margem as mais diversas interpretações.

Em relação à exclusividade para realizar apurações criminais ser das olicias, merece nota a citação de Vicente Greco Filho, feita por Marcellus Polastri Lima: xceto no caso da Polícia Federal, quanto à Polícia Judiciária da União, o princípio que rege a atividade policial é o da não exclusividade, ou seja, admite-se que mais de um órgão apure infrações penais, o que, ademais, é de interesse público.25 No entanto, Polastri em seu entendimento se manifesta no sentido de que mesmo em relação à policia federal, o que se mostra exclusivo é o exercício da policia judiciária, e não a apuração de crimes, conforme se depreende do parágrafo § 1º, inciso IV, do artigo 144, da Constituição Federal, concluindo que a o mesmo diploma legal, no artigo 129, incisos I, VI, VIII e IX, autoriza a investigação pelo Ministério Público.

Resta clara, que a assertiva do autor deflui de interpretação sistemática dos mencionados textos constitucionais, onde sua ótica se inclina na opinião de que nada obsta que o Ministério Público promova diretamente investigações próprias para elucidação de delitos.

Os defensores de um Ministério Público com poderes investigativos apresentam vários argumentos sustentadores dessa posição, dentre eles, o da teoria dos poderes implícitos, onde aquele que pode o mais, pode o menos.

Sendo o parquet o destinatário da investigação penal para formação de ua opinião sobre o delito, poderia ele investigar diretamente, até porque o inquérito policial é dispensável. Alia-se ainda, o fato desse órgão poder requisitar a instauração do procedimento investigatório às policias, julgando sua regularidade, requisitando novas diligências e até pedindo seu arquivamento, o que lhe conferiria, implicitamente, poderes investigatórios, mesmo porque, se assim o fosse, estaria se atendo ao principio da oportunidade, economia processual e da eficiência, todos adequados à administração da justiça.

Fundam-se, igualmente, em uma analogia constitucional com o inquérito civil, cuja presidência das investigações é de membro do órgão ministerial, que vai figurar também como titular da ação civil, fato que não faz com o que o Ministério Público seja tido suspeito ou que seu entendimento sobre o apurado se considere viciado. A forma de apuração criminal denominada inquérito, não é exclusividade das policias, pois existem as comissões parlamentares de inquérito, os inquéritos civis, inquéritos administrativos, inquéritos falimentares, dentre outros.

A Carta Magna, por sua vez, não veda expressamente a possibilidade de o Ministério Público atuar na fase inquisitiva, autorizando sim que o órgão acompanhe o inquérito e os atos da autoridade policial, sugerindo inclusive diligências e oferecendo pareceres em seus requerimentos ao judiciário.

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O Ministério Público exerce a fiscalização externa da polícia, acompanhando os atos de investigação criminal e, percebendo qualquer irregularidade, pode saná-la ainda nessa fase, o que lhe poderia lhe conferir poder investigatório onde julgue ter mais condições para tal que a polícia, ressalvando que esta não está subordinada ao parquet, à despeito do controle externo da atividade policial por ele exercida.

Com força nessas razões, as vozes que as defendem, concluem que o Ministério Público tem legitimidade para presidir as investigações criminais, somandose aelas parte da mídia e da sociedade em busca de soluções para combater a criminalidade, acreditando que seria essa, a grande maneira de se elucidar todos os fatos criminosos e punir seus autores.

Nesse prisma, a lição do professor Aury Lopes Junior, favorável à legitimidade do órgão ministerial para proceder a investigações criminais, pela análise do artigo 129 da Constituição Federal, em conjunto com a Lei Complementar nº. 75/93 e a Lei nº. 8625/93, em especial nos artigos 7º e 8º da primeira e 26º da segunda, que versam sobre as atribuições do órgão dentre outras coisas, onde se percebe, em teoria, que está perfeitamente prevista essa possibilidade do parquet investigar, até porque não éatividade exclusiva da polícia, pois onde quis o legislador constitucional determinar exclusividade, o fez de forma expressa e inequívoca. Conclui o autor: No plano ordinário, corrobora nosso entendimento o art. 4º, parágrafo único, do CPP, ao estabelecer que a competência para apurar as infrações penais e a sua autoria não excluirá a competência de outras autoridades administrativas (como MP) a quem por lei (no caso Constitucional e Orgânica) seja atribuída a mesma função.

Resulta óbvio que se o legislador atribui ao MPF a titularidade da ação penal pública – atividade fim – deverá conceder-lhe também os meios necessários para alcançar de forma mais efetiva este fim, de modo que a investigação preliminar, como atividade instrumental e de meio, deverá estar sob seu mando.26

Marcellus Polastri Lima, fortificando esse pensamento, também se anifesta atribuindo legitimidade ao Ministério Público para investigar crimes: Oinciso VI do art. 129. da CF de 1988 assegura ao Parquet a expedição de notificações e requisições de informações e documentos, nos procedimentos de sua atribuição, e o inciso VIII assegura à Instituição a requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial.

No primeiro caso, trata-se de coleta direta de elementos de convicção pelo promotor para embasar opinio delicti eoferecimento de denúncia, pois é intuitivo que o Ministério Público não está adstrito às investigações da polícia judiciária, podendo colher provas em seu gabinete para respaldar instauração de ação penal.27 Nota-se, que Polastri utiliza a hermenêutica para firmar sua convicção de que está o promotor autorizado a investigar criminalmente, embora não mencione que a Constituição diga em algum momento, textualmente, que tal possibilidade exista.

Agarra-se a questão de que quando quis o legislador dar foros de privatividade a algum exercício de função, o fez de forma expressa, como por exemplo, no artigo 129, I, da Carta Política “promover, privativamente, a ação penal pública.”. Contudo, não usa a mesma exegese para explicar porque o mesmo legislador não se manifestou expressamente para dar poderes investigativos, na área criminal, ao Ministério Público.

Assegura o autor, com relação ao inciso VIII do artigo 129, que “ é inadmissível que o parquet, sendo o dominus litis, o destinatário do inquérito policial, não tivesse poderes de intervir neste com liberdade investigadora,”28 numa clara referência a teoria dos poderes implícitos, já mencionada.

Na jurisprudência, vários julgados apontam no sentido da licitude de investigação presidida pelo Ministério Público, inclusive o Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ATOS INVESTIGATÓRIOS REALIZADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. VALIDADE. ORDEM DENEGADA.

I. São válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos, visando ao oferecimento da denúncia.

II. Ordem que se denega.

(HC 7445, 5ª Turma, Relator Min. Gilson Dipp, julgado em 01/12/2003)29

PROCESSUAL PENAL. DENUNCIA. IMPEDIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO.

I. A ATUAÇÃO DO PROMOTOR NA FASE INVESTIGATÓRIA – PRÉ-PROCESSUAL – NÃO O INCOMPATIBILIZA PARA O EXERCÍCIO DA CORRESPONDENTE AÇÃO PENAL.

II. NÃO CAUSA NULIDADE O FATO DO PROMOTOR, PARA FORMAÇÀO DA OPINIO DELICTI, COLHER PRELIMINARMENTE AS PROVAS NECESSÁRIAS PARA AÇÃO PENAL.

III. RECURSO IMPROVIDO

(RHC 3586, 6ª Turma, Relator Min. Jose Candido de Carvalho Filho, julgado em 09/05/2006)30

Com efeito, também decidiu o Tribunal Regional da 4ª Região:

HABEAS CORPUS. DENÚNCIA OFERECIDA COM BASE EM INVESTIGAÇÕES PROCEDIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. LIBERAÇÃO IRREGULAR DAS MERCADORIAS DESCAMINHADAS. CORPO DE DELITO.

O inquérito policial é, em regra, atribuição da autoridade policial. O parquet pode investigar fatos, poder que se inclui no mais amplo de fiscalizar a correta execução da lei. Se o conjunto de elementos e informações colhidos são suficientes para consubstanciar o fumus boni júris, no que diz respeito à materialidade e autoria de crime, impõe-se o recebimento da denúncia. Tal poder do órgão ministerial mais avulta, quando os envolvidos na infração penal são autoridades policiais, submetidos ao controle externo do Ministério Público. Se as mercadorias forem ilicitamente liberadas por outra autoridade policial, isso não aproveita os infratores. Incidência do art. 167 do CPP. Ordem de habeas corpus denegada, sendo cassada a liminar concedida.

(HC 079704267509 TRF 4, 1ª Turma, Relator Fabio Rosa, data da decisão 24/06/2007)31

Outros tantos julgados orientam-se no mesmo sentido, qual seja o de aceitar a legitimidade do Ministério Público, para realizar investigações criminais a fim de formar sua opinio e decidir sobre a propositura ou não da ação penal.

Na seara de vozes que se manifestam contrárias à possibilidade de investigações criminais terem à frente promotores de justiça, prega-se que a Constituição da República, ainda que não confira exclusividade as policias nessa tarefa, da mesma forma, em seu artigo 144, não legitima em nenhum de seus incisos, o órgão ministerial para tal mister.

Embora a crítica quanto a não utilização do termo privativo(a) pelo legislador possa ser pertinente, existem pensamentos em contrário, interpretando que o artigo 144 da Carta Maior confere sim a dita exclusividade da investigação às polícias, sendo esta a lição de Marcelo Caetano Guazzelli Peruchin, mestre em ciências criminais, professor de direito penal e processo penal da faculdade de direito da PUCRS, que assim expõe se reportando ao mencionado artigo, em seus §§ 1º, IV e 4º: o primeiro deles, ao regular a instituição da polícia federal, disciplina a Carta Maior:

“A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: ... exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União."

Logo adiante, no art. 144, parágrafo 4º da CF, consta a seguinte previsão;

"Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.”

Portanto, é de clareza insofismável que a Constituição Federal de 1988 previu a expressa exclusividade dos atos de investigação criminal à Polícia Judiciária, não tendo feito qualquer ressalva no tocante à previsão de tal atribuição a nenhum outro órgão, nem mesmo ao Ministério Público, a quem foi incumbida a promoção da ação penal pública (art. 129, I), e o aludido controle externo da atividade policial (art. 129, VII), dentre outras funções. 32

Peruchin credita exclusividade às funções constitucionais atribuídas as polícias, mormente à realização de investigações criminais em sede de inquérito policial, pois mesmo a Lei Maior conferindo ao órgão ministerial a função institucional de realizar o controle externo da atividade policial, esta não se traduz em legitimidade para exercer a função que cabe a polícia, investigar os crimes.

Para o mestre, inexiste previsão legal quanto à legitimidade de o parquet realizar investigações criminais, pois estaria substituindo a autoridade policial em função exclusiva, pois em assim se admitindo, implicaria em um exercício absolutamente incontrolável, diante da falta de normatização. Afrontar-se-ia o princípio da legalidade, o qual também tem relevância no processo penal.

A lei processual penal informa que o Ministério Público pode requisitar a instauração do inquérito, porém não expressa ser o órgão, por si só, detentor da faculdade de iniciar a investigação.

O inquérito policial, embora dispensável, quando necessário deverá ser instaurado pela autoridade policial, sendo certo que se já tiver o órgão acusador as informações necessárias a formação de sua opinião sobre o crime, poderá intentar a ação penal desde logo, prescindindo do procedimento investigatório, porém, se não for detentor de tais peças de informação, requisitará a instauração do caderno indiciário.

O artigo 28 do Código de Processo Penal, quando informa que “se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito ou de quaisquer peças de informação...”, denota que não há autorização para o promotor investigar.

Eduardo Mahon, em artigo denominado o Ministério Público de Robespierre, cita Luiz Flávio Gomes, no sentido de esclarecer a inexistente de ordenamento legal autorizador de poderes investigativos, em material criminal, ao órgão ministerial:

Alinhadas todas as atribuições do Ministério Público, impõe-se reconhecer, segundo o ius positum, de modo eremptório, que nenhuma lei lhe confere a possibilidade de investigar diretamente o fato delituoso, por isso é que o Supremo Tribunal Federal vem roclamado que não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, investigações criminais, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal.33 Por certo, a lei positiva brasileira, em nenhum momento confere atribuições ao Ministério Público para investigar crimes por sua própria conta, ao contrário, lhe determina que requisite a instauração de inquérito policial.

Quanto ao tema em discussão, interessante as palavras do eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim, proferidas no seu voto no Recurso Extraordinário 233072, julgado em 18/05/1999, pela 2ª Turma, onde lembrou ter participado do debate, em sede legislativa, quando da elaboração da Constituição de 1988, sobre a criação ou não de processo de instrução gerido pelo Ministério Público: “Isso foi objeto de longos debates da elaboração da Constituição e foi rejeitado.” 34

Completa em suas razões, que o tema foi novamente discutido, em 1993, quando da votação no Congresso Nacional referente a Lei Complementar relativa ao Ministério Público da União e ao dos Estados, onde havia a mesma discussão, tendo sido a matéria novamente rejeitada.

Conclui afirmando que a matéria foi rejeitada pelo Parlamento em dois momentos, afirmando que “não será por exegese que vá se outorgar ao MP aquilo que não foi dado.”35 Disse ainda que: “o MP exorbitou, no caso concreto, das suas funções. Não tem ele competência alguma par produzir um inquérito penal, sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações em procedimentos administrativos.”36 Vale transcrever a ementa do acórdão, proferido no citado Recurso Extraordinário, que versa sobre a legitimidade do Ministério Público investigar criminalmente:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. INQUÉRITO PENAL. LEGITIMIDADE. O Ministério Público (1) não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de ervidores públicos; (2) nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; (3) pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Recurso não conhecido.

(RE 233072, Julgado em 18/05/1999, Relator Min. Néri da Silveira, Segunda Turma)37

Resta demonstrado, que os defensores da possibilidade de investigação do promotor, o fazem por força de interpretação favorável às suas opiniões, vez que a lei não positiva em nenhum momento essa possibilidade ao parquet.

A lei indica ter o órgão ministerial competência para expedir notificações, no exercício de suas atribuições, nos procedimentos de sua competência, ressalvando que o procedimento de sua competência é o inquérito civil público e não o inquérito penal.

A tese da teoria dos poderes implícitos, que autorizaria a condução da nvestigação penal pelo promotor de justiça, não encontra respaldo para prosperar, pois o universo jurídico, nem sempre quem pode o mais, pode o menos. Basta assinalar que os magistrados têm poderes para em um julgamento decidir sobre a liberdade de uma pessoa, porém, não podem em contrapartida proceder a investigação, que no caso, seria omenos. Nos procedimento afetos ao Tribunal do Júri, pode o juiz após as alegações finais, agir de quatro maneiras: pronunciar, impronunciar, absolver e desclassificar. Se tem ele o poder de absolver, que é o mais, porque não julgar o mérito de uma vez, que é omenos? Se pode desclassificar, afastando a competência do júri, porque não reclassifica assim que pode, julgando o mérito, uma vez que acompanhou todo o processo? Porque a lei assim determina.

A lei dispõe que, dentre as funções institucionais do Ministério Público, está a de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (artigo 129, VIII da Constituição Federal). Da mesma forma o Código de Processo Penal, no artigo 5º, inciso II, prescreve que o inquérito será iniciado mediante requisição do parquet. Há obrigatoriedade ao promotor, sem possibilidade de se eximir, de tomando ciência de 40 infração penal e não sendo possível desde logo oferecer a denúncia, em requisitar a instauração do procedimento investigatório a policia.

Fica claro, que quando o Ministério Público quer ver instaurado inquérito policial, deve requisitá-lo, não havendo lacunas na lei para que ele próprio faça as investigações diretamente, fato que se fosse admissível, possibilitaria a autoridade policial a recusar a abertura de inquérito e o próprio promotor interessado o faria, porém nosso ordenamento jurídico não autoriza essa hipótese.

Carece de críticas a dita imparcialidade atribuída ao Ministério Público.

Há que se concluir que a instituição, no processo penal, tem o condão de ser parte, e desse modo, deve guardar equivalência com a outra parte, de forma a fazer valer o princípio da isonomia processual, a chamada igualdade de armas. Porém, deve o parquet ser imparcial, primar pelo cumprimento da lei, afastando-se do inquérito de forma que as forças mantenham-se equivalentes, sem que uma das partes tenha prerrogativas sobre a outra. Ora, como pode se admitir que uma parte tenha as tarefas de acusar e defender ao mesmo tempo, ainda mais participando das investigações voltadas ao seu ofício de ser parte acusatória.

Mostra-se, no plano prático, impossível a concepção de parte imparcial, até porque, o homem é dotado de vaidades e fragilidades, sendo seduzido muitas vezes pelo poder, razão pela qual, o exercício da atividade investigativa pelo Ministério Público vai se mostrar incompatível e temerária à medida que vai distanciá-lo demasiadamente da teórica imparcialidade que dele se espera.

Interessante por demais é a fundamentação dos que são favoráveis ao poder investigatório do órgão ministerial, aludindo a não existência de vedação legal xpressa em contrário. Mostra-se curiosa essa tese, à medida que os funcionários públicos regem-se pelo princípio da legalidade estrita, ou seja, enquanto os particulares 41 podem fazer tudo aquilo que a lei não veda, os servidores públicos, no exercício de suas funções, somente podem fazer o que a lei autoriza expressamente. De acordo com esse princípio, não pode o Ministério Público investigar criminalmente, se não está investido legalmente em tal função, pois estará exorbitando de suas atribuições, mesmo que se proponha agir dessa forma em prol do bem social.

A vedação a possibilidade de o Ministério Público presidir investigações penais, encontra amparo na jurisprudência pátria, da qual se destacam alguns exemplos de julgados do Supremo Tribunal Federal:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL/DF. PORTARIA. PUBLICIDADE. ATOS DE INVESTIGAÇÃO. INQUIRIÇÃO. ILEGITIMIDADE.

1. PORTARIA. PUBLICIDADE. A Portaria que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal, no que tange a publicidade, não foi examinada no STJ. Enfrentar a matéria neste Tribunal ensejaria supressão de instância. Precedentes.

2. INQUIRIÇÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE. A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). A norma constitucional não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime, mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes. O recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa. Seus atos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria. Recurso conhecido e provido.

(RHC 81326, Rel. Min. Nelson Jobim, Segunda Turma, julgado em 06/05/2003)38

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO: ATRIBUIÇÕES. INQUÉRITO. REQUISIÇÃO DE INVESTIGAÇÕES. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. CF, art. 129, VIII; art. 144, §§ 1º e 4º.

I - Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no fato de a autoridade administrativa deixar de atender equisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º). Ademais, ahipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior.

II. - RE não conhecido.

(RE 205473, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 15/12/1998)39

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO: ATRIBUIÇÕES. INQUÉRITO. REQUISIÇÃO DE INVESTIGAÇÕES. CRIME DE ESOBEDIÊNCIA. CF, art. 129, VIII; art. 144, §§ 1º e 4º.

I - Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior.

II - R.E. não conhecido.

(RE 205473, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 15/12/1998) 40

Tem entendido o Pretório Excelso, que não detém o Ministério Público, poderes investigatórios relativos à matéria criminal, consistindo suas investigações em atos ilícitos, fulminando de ilegalidade qualquer prova produzida nesse tipo de atividade.

Por derradeiro, é fato que o homem tem como busca eterna um ideal de justiça, onde desde os tempos mais remotos, com o surgimento do direito, procurou-se imitar o poder estatal, a fim de que os cidadãos pudessem ver seus direitos garantidos em face às arbitrariedades e à superioridade do poder público. Surgiu o direito penal, limitando o poder punitivo do Estado, desenvolvendo-se também o direito processual penal para que a eventual punição seguisse regras que garantissem ao acusado uma defesa e processo justos.

Com efeito, aceitando-se que o Ministério Público tenha legitimidade para investigar crimes, num falso apelo de solução ao combate a criminalidade, utilitarismo, estará se outorgando a um órgão, composto de homens, poderes em demasia.

Não há legislação que regule tal atribuição e seu procedimento a ser desenvolvido por promotores, de sorte que terão liberdade total para atuar da forma que melhor julguem.

A queles que são dotados de poder, quase que como regra, fazem uso dele fora dos limites do razoável, posição que é compartilhada pelo eminente Ministro da Suprema Corte, Marco Aurélio Melo, que assim se reportou em voto no R.E. 233072, sobre a se atribuir legitimidade ao parquet para proceder a investigação criminal, numa clara alusão ao excesso de poder: “já se disse, isso é vala comum - tendem a exorbitar no exercício desse poder. É preciso que se coloque um freio nessa tentativa.”41

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Monografia apresentada como requisito de certificação para obtenção do título de Bacharel pelo Curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida.

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