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Tratados internacionais concessivos de isenções de tributos estadual e municipal.

A questão da vedação constitucional da isenção heterônoma

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em termos de considerações finais vale ressaltar o que está ocorrendo no globo nos dias atuais. Tendo em vista que, o mundo está em processo avançado de globalização, no qual a integração mundial dos mercados econômicos é a única forma de sobrevivência da economia mundial e que, tal processo é considerado pela unanimidade dos doutrinadores como irreversível, cabe às Nações que não quiserem perder o rumo do progresso, ou seja, que quiserem efetivamente desfrutar dos benefícios da economia globalizada (barateamento dos bens de consumo, remédios, opções de lazer, tecnologias de trabalho, etc) se adequarem econômica, política e sobretudo legislativamente a essa nova forma de Estado. Para isso, o país interessado deve ter um sistema tributário equilibrado com tributos bem estabelecidos e maleáveis, possibilitando negociações mais ágeis e flexíveis, principalmente, no campo das isenções. Entretanto, os países não podem abrir mão totalmente de sua soberania fiscal, sob pena de ficarem submissos a paises de poderio econômico superior.

Nesse sentido, deve-se lembrar também que, a ordem internacional é ainda muito primitiva, não havendo a tutela de um tribunal internacional, que profira decisões com força vinculante e efeito erga omnes, valendo a Auto-defesa ( lei do mais forte) e a Auto-composição ( negociação direta) como forma de resolução dos litígios. Ademais, a inexistência de um legislativo centralizado e universal, que edite leis gerais, caracteriza um sistema descentralizado e anárquico, no qual as punições não são uniformes, rendundando, na maioria esmagadora das vezes, em sanções econômicas e políticas, constituídas apenas no momento da sua aplicação, subjugando, na prática, apenas países de fraco poderio econômico, militar e político, ou seja, a ordem internacional tem seu papel distorcido servindo de instrumento de barganha internacional entre os países dominantes.

Desta feita, voltando para o tema nuclear desse trabalho, entende-se que a matéria das isenções heterônomas vai além do campo estritamente normativo. Nessa senda se adequam perfeitamente as palavras do eminente Edvaldo Brito [107], defendendo que o conteúdo do disposto no artigo 151, inciso III, da Constituição Federal, deverá resultar da integração de vários fatores postos na concepção institucional do Direito, a partir da adoção de suas estruturas lógico-linguísticas e não das simplificações do normativismo stricto sensu.

Demonstrou-se nessa monografia, portanto, que os tratados internacionais quando incorporados ao ordenamento jurídico pátrio o fazem como lei ordinária federal, aplicando-se para resolução de seus conflitos o principio da lei posterior revoga a anterior, entendimento esse sedimentado no Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário n° 80004 e que vige até os dias de hoje.

Sabendo-se ainda que a União no momento em que celebra um tratado internacional, o faz como pessoa jurídica de Direito Público, representando todo o Estado brasileiro, devendo nesse caso ficar submissa às regras constantes na Constituição Federal, sob pena de ser o tratado considerado inconstitucional. Não obstante, a Magna Carta impõe, como regra implícita, que somente o titular da competência tributária pode conceder isenção de tributo, vedada a concessão da denominada isenção heterônoma. Assim, será inconstitucional o decreto legislativo que ratificar tratado internacional que interferir na competência tributária determinada constitucionalmente aos demais entes da federação, conforme artigo 145 de Constituição. Tal impossibilidade jurídica não foi totalmente abolida do ordenamento jurídico brasileiro sendo excepcionada com relação ao ICMS e ao ISS, por força do disposto nos artigos 155, § 2º, XII,e e 156, § 3º, II, ambos da Constituição Federal, hipóteses de exportação de mercadorias ou serviços, sendo que a regra geral é a vedação expressa no art. 151, inc. III, da Constituição Federal.

A vedação dirigida à União de isentar tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deve ser plenamente observada, cabendo aos entes federados, quando, política, econômica e socialmente, levados à exoneração de seus tributos, nos tempos de globalização, aprimorar e instituir a prática de mecanismos jurídicos capazes de permitir a eficácia da norma internacional isencional, seja mediante leis ordinárias das respectivas Casas Legislativas ou convênios, ratificados pelos Poderes Legislativos locais.

Una-se a esses argumentos a conclusão do XXI Simpósio Nacional de Direito Tributário – (Tributação no Mercosul : Coordenador Ives Gandra da Silva Martins,2ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, Centro de Extensão universitária,2002 (pesquisas tributárias. Nova Série v.3) – de que o Tratado de Assunção, bem como acordos posteriores de que o Brasil foi signatário não podem disciplinar tributos estaduais e municipais, inclusive concedendo isenções nas esferas estaduais e municipais. Assim, tratado firmado pela União, terá por objeto apenas as matérias cometidas constitucionalmente a ela.

Já, no que pertine ao artigo 98 do CTN, sua primeira parte está em consonância com o direito brasileiro, uma vez que os tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, respeitando-se os limites constitucional. Entrementes, sua segunda parte, para muitos doutrinadores é inconstitucional, salvando-se desse vício se for considerada sua aplicação ao tratado-contrato, no qual as partes se obrigam livremente, devendo assumir o pactuado.

Destarte, não se busca com essa monografia defender uma posição reacionária, muito menos retrógrada, defende-se o progresso consciente das relações internacionais, respeitando-se os ordenamentos jurídicos pátrios, já que o Direito é ciência dogmática e portanto tem as normas postas como corolário da segurança jurídica. Diante disso, deve-se buscar o meio termo entre a soberania e o livre comércio, para que não venha a ocorrer uma segunda era de colononização, na qual voltarão a existir ilhas de desenvolvimento ao lado de imensos continentes de pobreza. Desta feita, para que o Brasil venha a participar de forma efetiva da internacionalização de mercados, não como um "escravo moderno", deve ser feita uma reforma do inciso III, do Artigo 151 do texto constitucional, permitindo à União conceder isenções heterônomas, conferindo supremacia às disposições de tratados internacionais, a qual diga-se de passagem, apesar de ter sido Projeto de Emenda Constitucional sob o n° 175/95 não foi abordada na Reforma Tributária passada, perdendo o Brasil a oportunidade de logo no início do milênio dar um importante passo rumo ao desenvolvimento das relações internacionais.


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Sobre o autor
Antonio Tide Tenório Albuquerque Madruga Godoi

Bacharel em Direito –UNICAP-PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOI, Antonio Tide Tenório Albuquerque Madruga. Tratados internacionais concessivos de isenções de tributos estadual e municipal.: A questão da vedação constitucional da isenção heterônoma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 469, 19 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5834. Acesso em: 26 abr. 2024.

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