Resumo: O objetivo deste trabalho é refletir sobre como, em pleno século XXI, o desenvolvimento da Psicologia, da Sociologia, da Criminologia e de tantas outras ciências pode influenciar a redução da criminalidade entre menores. Essa reflexão deve ser levada em consideração, visto que, no Brasil, setores sociais e grupos políticos conservadores e reacionários discutem possíveis soluções para os efeitos, sem preocupação com as causas. Propõe-se, com o apoio dos meios de comunicação de massa, a redução da maioridade penal para os 16 anos, sob a alegação de que o ECA não tem surtido os efeitos esperados; pelo contrário, tornou-se uma proteção para aqueles que desejam ingressar no crime. Sob a bandeira da lei e da ordem, promove-se uma pirotecnia político-midiática capaz de cooptar as massas, que, sem condições de refletir sobre o caos do sistema prisional brasileiro e a realidade da recuperação de 70% dos jovens infratores, dão irrestrito apoio a tal projeto.
Palavras-chave: Menoridade penal, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
1. Introdução
O Brasil está prestes a tomar mais uma decisão polêmica que, provavelmente, não contribuirá para melhorar seu futuro. Trata-se da redução da maioridade penal.
Será que a redução da maioridade penal fará com que o número de crimes cometidos por jovens menores de 18 anos diminua, ou os crimes continuarão no mesmo nível, sendo cometidos por jovens cada vez mais novos, até mesmo crianças?
Infelizmente, há uma série de premissas que apontam no sentido de que essa medida não contribuirá para a redução da criminalidade. Além disso, pode agravar a situação social daqueles que já são marginalizados por uma sociedade que, em vez de protegê-los, os exclui ainda mais.
Nesse sentido, podemos destacar três fatores que corroboram essa perspectiva:
I – Esta estatisticamente comprovado, que os adolescentes em conflitos com a lei são, em sua maioria, negros, pardos, de baixa escolaridade e baixo poder aquisitivo, além daqueles em situação de miséria. Pessoas que foram expostas, desde a mais tenra idade, a todo tipo de violência e que nunca tiveram seus direitos mais elementares garantidos, o que, por si só, já os tornam potenciais do Estado e da sociedade.
II- A pressão para redução da maioridade penal está baseada em caos isolados, e não em dados estatísticos. Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública, jovens 16 a 18 anos são responsáveis por menos de 0,9% dos crimes praticados no país. Se forem considerados os homicídios e tentativas de homicídio, esse número cai para 0,5%.
III- é cediço que o sistema prisional brasileiro, caracterizado pela superlotação e condição desumanas, é incapaz de cumprir sua finalidade de recuperar alguém. A inclusão de adolescentes infratores nesse sistema não só tornarias mais caótico o sistema carcerário como tenderia a aumentar o número de reincidentes.
Diante do exposto, cabe um questionamento: por que a maioria da população brasileira é favorável à redução da maioridade penal? Segundo pesquisas recentes realizadas pelo Instituto CNTMDA, que indicaram que 92,7% dos brasileiros aprovam a medida, e pelo Instituto Datafolha, que apontou que 93% dos paulistanos também se manifestam favoráveis à redução.
A resposta a essa indagação pode ser resumida em uma única palavra: estelionato. Os poderosos de sempre cumprem o papel de golpistas, manipulando a sociedade. Isso se justifica em razão dos diversos interesses em jogo, nos quais pessoas e empresas têm muito a ganhar com o discurso da violência, que precisa ser contida a qualquer custo. Esses interesses são descaradamente representados na política e na grande mídia.
Ou melhor, são exaustivamente explorados nos grandes meios de comunicação e repercutidos pelos políticos que se prestam a essa situação. Isso explica, inexoravelmente, o fato de a sociedade ser favorável a essa fraude.
Portanto, a PEC 171, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, encontra um caminho meticulosamente pavimentado para ser aprovada. Caso isso venha a acontecer, de forma recorrente, restará às verdadeiras vítimas do sistema pagar o preço mais alto pela violência de sempre, e nossa história, mais uma vez, estará dando um passo atrás.
O mais sensato seria aperfeiçoar o ECA, elevando o tempo máximo de internação e garantindo que ele seja efetivamente cumprido.
2. Estatuto da Criança e do Adolescente
Dessa forma, falar sobre a redução da maioridade penal sem mencionar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que disciplina as condutas das crianças e dos adolescentes no Brasil, não é razoável nem aceitável. Esse dispositivo legal foi instituído pela Lei 8.069/1990, com o objetivo de substituir o antigo Código de Menores.
É comum ouvirmos, em diversas camadas sociais, que nada acontece ao menor infrator e que não lhe é imputada nenhuma responsabilidade. Todavia, essa ideia não é correta. Ou seja, não devemos confundir impunidade com inimputabilidade.
Os jovens que cometem atos contrários à lei são, sim, responsabilizados. É importante deixar isso bem claro. Eles não respondem como adultos que cometeram crimes e são julgados pelo Código Penal, mas sim como adolescentes que cometeram atos infracionais e são responsabilizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não regulamenta a impunidade, como muitos dizem. Ele prevê um sistema especial para responsabilizar o menor infrator de acordo com sua condição. O jovem que cometer um ato infracional não ficará impune por não ser imputável, pois será responsabilizado pelo ECA, podendo inclusive sofrer privação de liberdade, conforme estabelece o artigo 122 do estatuto.
A Constituição Federal, ao prever a possibilidade de privação de liberdade ao adolescente infrator – rompendo com a hipocrisia o sistema anterior – extirpou o equivoco daqueles que não distinguem inimputabilidade de impunidade. A inimputabilidade apenas afasta o menor de 18 anos do procedimento criminal e seu sancionamento pela lei penal, porém o jovem não se faz irresponsável. (Goiás, 2001, p.125)
As medidas socioeducativas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente objetivam ressocializar o menor infrator, desde que sejam corretamente aplicadas e observem as necessidades de cada indivíduo.
Para Ivanéa Maria Pastorelli (2001, p. 125), medida socioeducativa "é uma medida jurídica aplicada aos adolescentes autores de ato infracional, com o objetivo não só de punir o infrator, mas também de reintegrá-lo à sociedade".
Segundo o ECA, adolescente é todo indivíduo com idade entre 12 (doze) e 18 anos, enquanto a criança é aquela com menos de 12 (doze) anos.
Assim, observa-se que as medidas socioeducativas só podem ser aplicadas aos adolescentes que cometeram um ato infracional. No caso das crianças que praticarem atos contrários à lei, serão cabíveis apenas medidas de proteção.
As medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente para adolescentes infratores estão elencadas de forma taxativa no artigo 112. São elas:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - pressão de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semiliberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º - A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º - Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§ 3º - Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
Vale ressaltar que, no caso do inciso IV, a "internação em estabelecimento" não poderá ultrapassar 3 (três) anos, devendo o menor ser liberado aos 21 (vinte e um) anos de idade.
Desse modo, as medidas aplicadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente não são brandas, como defende o advogado paulista Marcelo Augusto Rimonato. Uma vez que a própria Constituição Federal reconhece que o menor de 18 anos é uma pessoa em desenvolvimento, faz-se necessário um tratamento diferenciado.
Dessa forma, quando um menor de idade pratica uma conduta contrária à lei, ele necessita de um tratamento diferente daquele aplicado aos imputáveis.
3. Conclusão
Num país em que sempre ocorreram problemas sociais, em que muitos jovens nunca tiveram uma educação adequada para enfrentar com maturidade os desafios da vida, não é razoável que surja a redução da maioridade como saída de emergência.
No entanto, essa prática se repete sempre que um menor de idade comete um ato infracional com requintes de crueldade.
Muitos creem que a redução da maioridade penal seja a solução mágica para diminuir a violência na sociedade, o que não passa de uma ilusão. A ideia de que a redução da criminalidade é consequência da redução da maioridade penal é uma falácia de cunho muito mais político do que científico.
Políticas imediatistas, impulsionadas pelo calor dos acontecimentos, pela ingenuidade de parte da população e pelo sensacionalismo da mídia, geralmente tendem ao fracasso.
Em vez dessa pirotecnia político-midiática, se a sociedade civil organizada e as entidades governamentais priorizassem a promoção da dignidade da pessoa humana, por meio de investimentos em educação, desenvolvimento das potencialidades humanas, geração de empregos e melhor distribuição de renda, a redução da maioridade penal certamente deixaria de ser pauta recorrente. Nosso país possui uma das mais vergonhosas concentrações de riqueza do mundo, e governos responsáveis tratam a criminalidade juvenil como uma questão de política pública, e não como vitrine eleitoral.
A redução da maioridade penal, diante do que foi exposto, representaria um retrocesso histórico e um flagrante desrespeito aos princípios norteadores da proteção integral à criança e ao adolescente, assumidos pelo Brasil em convenções internacionais e consagrados na Constituição Federal de 1988.
Referências
GOIÁS, Jussara de. Inimputabilidade não é Impunidade. Disponível em:https://www.rebidia.org.br/noticias. Acesso em 20 de Abr. de 2016.
PASTORELLI, Ivanéa Maria. Manual de Imprensa e de Mídia do Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Editora Orange Star, 2001.
Vade Mecum compacto / obra coletiva de autoria de Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti – 11. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva 2014.
BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Atlas, 2006.
SANTOS, Marcelo Tarcisio dos. A Redução da Menoridade Penal. 2001. Monografia (Bacharelado em Direito) – Faculdades Integradas “ Antônio Eufrásio de Toledo”, Presidente Prudente, 2001.