Uma análise sobre a responsabilidade civil do Estado por atos das concessionárias e permissionárias de serviços públicos

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12/06/2017 às 23:35

Resumo:


  • A responsabilidade civil do Estado tem evoluído, sendo atualmente regida pela teoria do risco administrativo, segundo a qual o Estado é responsável pelos danos causados pelos seus agentes a terceiros, independentemente de culpa.

  • A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, §6º, estabelece que tanto as entidades de direito público quanto as de direito privado prestadoras de serviços públicos devem indenizar danos causados a terceiros, com possibilidade de regresso em caso de dolo ou culpa do agente causador do dano.

  • A responsabilidade do Estado é subsidiária em relação aos danos causados por concessionárias de serviço público, ou seja, o Estado só será responsável pela reparação se a concessionária não tiver condições de arcar com a indenização devida.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo pretende analisar a responsabilidade civil do Estado na prestação de serviço público oferecido por suas concessionárias e permissionárias, buscando aliar os conceitos presentes na lei, doutrina e fontes da jurisprudência.

INTRODUÇÃO

O instituto da responsabilidade civil é, sem dúvida, uma das disciplinas jurídicas que mais atravessam mudanças nos últimos tempos, a ponto de prover soluções importantíssimas a problemas atuais, como a responsabilidade sem culpa. É importante ressaltar que o código civil de 2002 alterou alguns preceitos anteriormente abarcados por códigos anteriores, no que se refere ao assunto.

Em todas as esferas de competência do Estado, é exigido o cumprimento das regras estabelecidas pela lei. Desse modo, o Estado assume o dever de reparação quando causa danos ao desempenhar suas atividades. A responsabilidade pública surge quando o Estado se desvirtua da lei, ocasionando prejuízos a terceiros, ainda que aja de modo lícito.

Parte-se da compreensão de que na atualidade a interferência do Estado é sempre maior ao administrar a coisa pública, tendo por fim a realização do bem comum, e isso é feito através de seus agentes. Daí o fato da previsibilidade da ocorrência de danos ao patrimônio dos cidadãos. Como consequência, o Estado é obrigado juridicamente a compor esses danos, por meio de indenização de tais prejuízos causados.

Na esfera da administração pública, o tema é gerador de grandes debates jurisprudenciais e doutrinários, principalmente quando o tema é relacionado à obrigação estatal de ressarcir danos ocasionados por pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

A responsabilidade pública encontra fórmula na Constituição Federal de 1988, em seu art 37, §6°, segundo o qual:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Importante destacar que cada vez mais os estados contemporâneos tendem a prestar serviços por meio de empresas de direito privado, haja vista os processos desestatizantes que vêm ocorrendo desde o fim do século XX.

Traz-se, portanto, algumas questões à tona, como os fundamentos, os tipos de responsabilidade e o seu alcance no âmbito jurídico nacional, e até internacional. A análise também será feita em face do dilema do limite da responsabilização e da necessidade da prova como base para provar o dever do estado de reparar danos causados a terceiros.

Serão abordados também o histórico das Constituições e as mudanças ocorridas no transcorrer do tempo frente à Responsabilidade civil do Estado, detalhando-as e relacionando-as ao contexto jurídico de cada época. Com isso esmiuçado, passa-se aos tópicos atuais da responsabilidade civil estatal, abarcando-se problemas, questionamentos e divergências doutrinárias. São essas as questões que aqui se tentará abarcar.

Importantíssimo destacar alguns dos doutrinadores administrativistas que darão base para tais pesquisas e análises, tais como Maria Sylvia Zanella di Pietro, Hely Lopes Meirelles, Inácio de Carvalho Neto, Celso Antônio Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso (eminente constitucionalista).


1. SURGIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Quando se estuda a responsabilidade civil do Estado, é primordial a análise de seu transcorrer histórico, haja vista que a realidade jurídico social dos países se enlaça no próprio desenvolvimento das regras normativas do direito.

Conforme Carlos Edilson do Rêgo Monteiro Filho (2016, p. 41-47), a responsabilidade civil do Estado pode ser dividida em quatro gerações, e se inicia no direito europeu do século XVII.

A primeira geração é a da irresponsabilidade do Estado, em que vigorava o poder absoluto do rei desde os tempos mais antigos da humanidade. É importante ressaltar que o poder da coroa encontrava base em uma força divina, e isso justificava a hierarquia do monarca sobre os seus súditos. Além disso, os atos da coroa, mesmo que violassem o direito dos seus súditos, não desencadeariam responsabilidade ao soberano, o que foi historicamente conhecido pela célebre frase: the king can do no wrong.

Depois que ultrapassado esse entendimento absolutista, acabou-se por adotar a ideia de que ao monarca deveria ser atribuída a responsabilidade assim como qualquer pessoa que infringisse as leis. Inicia-se, destarte, a geração da responsabilidade subjetiva do Estado. Esse pressuposto liga-se à possibilidade de culpa do Estado, restando à vítima provar o dano e detectar o agente causador de tal.

Contudo, essa teoria não teve tanto êxito, tendo em vista a grande dificuldade da vítima em colher as provas, pois é lado hipossuficiente da relação. Dessa forma, a teoria subjetiva não cumpriu com o desejado, que era garantir a reparação do dano.

No últimos anos do século XIX, surgiu na França a terceira geração da responsabilidade, que permitia a culpa anônima do Estado, não necessitando a vítima identificar o agente causador do dano, bastando que se comprovasse o ato ilícito. Tais danos poderiam ser consubstanciados quando ocorressem falhas de serviços, que poderiam ser mediante: a) não funcionamento dos serviços (omissão do Estado); b) mal funcionamento dos serviços (vícios); e c) atrasos dos serviços (causando danos).

Percebe-se, portanto, que tal teoria realmente ainda não havia resolvido completamente o problema, visto que cabia à vítima a responsabilidade de provar a má prestação dos serviços, e isso ainda era um empecilho ao efetivo cumprimento de seus direitos.

Ultrapassada essa teoria, surge a responsabilidade objetiva do Estado, conforme o “princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais” (MONTEIRO FILHO, 2006, p. 46), pelo qual observa-se a possibilidade de reparação do dano pela comprovação do dano ocasionado e o respectivo nexo com o ato causador. Essa teoria é atualmente adotada pelo direito brasileiro e em quase todos os ordenamentos jurídicos internacionais.


2. HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO BRASIL

Logo após a Independência de 1822, inspirada nos princípios da Revolução Francesa de 1789, A Constituição Imperial de 1824 instituiu em seu artigo 178, XXIX, o seguinte: “Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis os seus subalternos”.

Inicia-se, desse modo, uma leve presença do instituto da responsabilidade civil do Estado no direito positivado, inaugurando, destarte, certa observância da garantia de direitos fundamentais do cidadão.

Como foi observado no tópico anterior, adotava-se a teoria da irresponsabilidade do Estado, ou seja, este não respondia por danos que causasse aos seus súditos. Porém, a Constituição de 1824 inovou e definiu que seus empregados é que, a partir de então, responderiam e deveriam ser imputados, seja por meio de culpa ou dolo.

Na Constituição de 24 de fevereiro de 1891 o dispositivo referente à responsabilização foi levemente alterado, conforme artigo seu 82:

Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência e, não responsabilizarem efetivamente seus subalternos.

Como se pode perceber, foram incluídos os termos “indulgência” e “negligência” para especificar as omissões de responsabilização dos subalternos. Tais termos foram posteriormente retirados.

Já no Código Civil de 1916, o instituto foi apregoado no artigo 15, conforme se vê:

As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.

É importante ressaltar que tal código foi o pioneiro na previsão positivada da responsabilização estatal, inovando em tal instituto, pois levou o Estado a ser titular da responsabilidade, ao contrário dos códigos anteriores, em que era o servidor tal responsável direto.

O doutrinador Hely Lopes Meirelles argumenta que tal artigo, apesar de ser inovador, não admitia a responsabilidade sem culpa, exigindo ainda a demonstração do elemento subjetivo para a responsabilização do Estado. Ainda sobre tal artigo, Alvino Lima apud Inácio de Carvalho Neto se posiciona: “o legislador brasileiro, consagrando a teoria da culpa, nem por isso deixou de abrir exceção ao princípio admitindo casos de responsabilidade sem culpa, muito embora não tivesse acompanhado, com mais amplitude, a orientação moderna de outras legislações”.

Por conta dessa obscuridade do artigo, surgiram algumas discrepâncias doutrinárias, pois alguns juristas já defendiam a teoria do risco, ou seja, ou Estado poderia ser responsabilizado mesmo sem culpa. Porém, tal artigo ainda previa a obrigatoriedade de se comprovar a culpa do agente que agiu em nome do Estado.

Contudo, aos poucos a teoria da culpa foi sendo adotada pelo ordenamento jurídico, invertendo, destarte, o ônus da prova a favor do terceiro prejudicado. Importante ressaltar que abriu-se margem à Administração para regredir ação contra o agente do dano (Ação Regressiva). Vale salientar o artigo 159 do Código Civil de 1916: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. Desse modo, o Estado fica obrigado a reparar o dano, mesmo que não tenha relação contratual com terceiro.

Uma importante mudança ocorreu com a promulgação da Constituição de 1934, que passou a aceitar a responsabilidade solidária do Estado, ou seja, este poderá responder juntamente com o funcionário causador do dano, conforme se vê:

Art. 171. Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.

§ 1°. Na ação proposta contra a Fazenda Pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte.

§ 2°. Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário culpado.” Tal previsão obriga que ambos devam ser demandados como litisconsórcio passivos.

Na Constituição Federal de 1946, o instituto da responsabilidade foi previsto no artigo 194:

“Artigo 194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.

Parágrafo único. Caber-lhe-á ação repressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes”.

Observa-se claramente a instituição da responsabilidade objetiva direta do Estado em tal artigo. Tal mudança ocorreu após o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), época de redemocratização porque passava o país. É relevante denotar que houve a solidificação do instituto da responsabilização sem culpa, o abandono da solidariedade e a possibilidade de ação regressiva apenas nos casos em que se comprovasse a culpa do agente.

Na Constituição de 1967 e Emenda Constitucional n° 1 de 1969 não houve mudanças significativas quando à responsabilização do Estado. Apenas aprimorou-se o texto da lei, que dispôs da seguinte forma, conforme artigo 105 da Carta Magna: “As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros”. Além disso, o parágrafo único assim dispunha: “Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo”. Dessa forma, apesar da referida Constituição e Emenda serem outorgadas pelo regime militar, ainda assim preservou-se a responsabilidade objetiva do Estado.

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A Constituição de 1988 preservou o instituto da responsabilidade civil da Administração da seguinte forma, conforme se vê:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Analisando o texto constitucional, percebe-se a inserção de duas novas definições: Pessoa jurídica de direito público e Pessoa jurídica de direito privado. A primeira se refere às pessoas integrantes da Administração direta e indireta, União, Estados membros, Município, Distrito Federal, Autarquias e Fundações Públicas. A segunda refere-se às prestadoras de serviços públicos. Serviço público é aquele prestado para toda a coletividade.

Tal Constituição inovou visto que determinou alguns requisitos para a responsabilidade, quais sejam: a) fato ou ato, lícito ou ilícito, de agente público que age nesta qualidade; b) dano material ou moral; e, c) nexo de causalidade entre o ato ou fato e o dano sofrido pelo o indivíduo.

A responsabilização do Estado ocorrerá quando este ocasionar dano a terceiro, havendo culpa ou não, bastando apenas prestar o serviço danoso. Importante ressaltar que haverá exoneração de responsabilidade quando o lesado der motivo exclusiva ou concorrentemente a tal dano.

Também haverá responsabilização quando Estado se omite, e era obrigado a desempenhar tal ação e não a desempenha, e tem como resultado o dano; ou o Estado tinha a obrigação de prevenir tal resultado e não o faz. Ademais, cabe examinar a ação de fatos naturais.

O Novo Código Civil de 2002, em seu artigo 43, apresenta o instituto da responsabilidade civil, da seguinte forma: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”

Tal instituto prevê a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de Direito Público. Alia-se, consoante Lei 10.744/03, a teoria do risco administrativo à do risco integral, visto que obriga a Administração a indenizar a terceiros em virtude de danos causados por atos terroristas e de guerra ocorridos contra aeronaves brasileiras de transporte público aéreo.


3. A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO POR DELEGATÁRIAS E CONCESSIONÁRIAS

3.1 Fundamentos da responsabilidade civil do Estado

O Estado brasileiro tem o dever de cumprir a ordem jurídica e se responsabiliza em caso de ações ou omissões que lesem a terceiros. Desse modo, existe uma obrigação legal de prática de condutas da Administração, ou melhor explicando, uma vinculação dos atos ao texto da lei. Esse é um perfil específico da República, que reconhece o poder da sociedade e a existência do Estado objetivando servir ao seu povo.

O presente estudo objetiva discutir a imputação dos danos causados pelo Estado de forma extracontratual, com base nos princípios da repartição de encargos públicos e justiça social.

Luis Roberto Barroso ressalta que os princípios jurídicos, especialmente os de natureza constitucional, vivenciaram um vertiginoso processo de ascensão que os levou de fonte subsidiária do direito, nas hipóteses de lacuna legal, ao centro do sistema jurídico. No ambiente pós-positivista, afinal, marcado pela reaproximação entre o direito e a ética, os princípios alcançaram maior proeminência valorativa, sendo consenso na dogmática contemporânea a ideia de que princípios e regras desfrutam igualmente do status de norma jurídica.

Ainda sobre a responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado, Celso Antônio Bandeira de Mello doutrina da seguinte forma: “Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.”

Como foi ressaltado na introdução do presente estudo, o instituto da responsabilidade civil do Estado sofreu inúmeras mudanças no transcorrer dos últimos três séculos, e não há ainda nenhum regime jurídico capaz de abarcar todas as situações advindas da relação extracontratual do Estado com terceiro.

O Brasil adotou, conforme a Constituição de República Federativa do Brasil, a teoria do risco administrativo, em que se responsabiliza de forma objetiva as pessoas jurídicas de direito público e de direito privado incumbidas de prestarem serviços públicos, no caso de dano em que seus agentes causarem a terceiros.

Vale salientar que, além do Estado ser responsabilizado quando age, também pode ser responsabilizado quando se omite, bastando, desse modo, provar a culpa da Administração, conforme explica Celso Antônio Bandeira de Mello:

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.

Desta forma, para determinar a responsabilidade da Administração, é imprescindível apurar a sua culpa. Ressalte-se que, em resumo, que é a responsabilidade é objetiva quando existe comportamento comissivo, e é subjetiva quando se tem comportamento omissivo.

3.2 Danos causados por delegatárias e a responsabilidade subsidiária da Administração

A doutrina define que a responsabilidade estatal, quando da existência de danos ocasionados a terceiros pela prestação de serviços de delegatárias, é subsidiária. Em outros termos, o Estado irá responder desde que a pessoa jurídica de direito privado não consiga arcar com as devidas indenizações ou reparar de outro modo a situação danosa. É de singular importância salientar a doutrina majoritária, tendo como expoente José dos Santos Carvalho Filho, em que defende que a responsabilidade solidária não é aplicada nestes casos, visto que ela decorre de contrato civil ou de lei, o que não é caso, pois não há relação contratual entre o Estado ou Delegatária e usuários e não usuários de serviços públicos.

Segundo a doutrina moderna majoritária, não há o que se discutir a responsabilidade solidária, visto que a solidariedade só pode existir em razão de lei ou contrato, inexistindo desse modo, lei que define a solidariedade ao Estado com a pessoa jurídica prestadora de serviço público. Com isso explicado, entende-se que o Estado só deve responder de forma subsidiária, quando a responsável primária não tiver mais recursos para solver o dano.

Não há que se concordar, pois, com a doutrina minoritária que defende que o Poder Público deve responder solidariamente pelos danos causados por pessoa privada prestadora de serviço público, apenas pela existência da delegação do serviço. Esse pensamento não encontra acomodação no lar da moderna doutrina administrativista que rege a matéria. Ainda conforme José dos Santos Carvalho Filho:

O Poder Público não é, repita-se, o segurador universal de todos os danos causados aos administrados. O que é importante é verificar a conduta administrativa. Se a Administração concorreu com a pessoa responsável para o resultado danoso (o que ocorre algumas vezes por negligência e omissão administrativa), haverá realmente solidariedade; a Administração terá agido com culpa in ommittendo ou in vigilando, podendo ser demandada juntamente com o autor do dano. Contudo, se a culpa é exclusiva da pessoa prestadora de serviço público, a ela deve ser imputada a responsabilidade primária e ao Poder Público a responsabilidade subisidiária. Resulta, pois, nessa hipótese que eventual demanda indenizatória deve ser dirigida em face exclusivamente do causador do dano, sendo a Administração parte legítima ad causam na referida ação.

Conforme tal entendimento explanado acima, a responsabilização subsidiária do Estado surgiria quando a pessoa privada prestadora de serviço público torna-se incapaz financeiramente de recompor o dano. Esse mesmo entendimento é utilizado nos tribunais superiores por todo o país.

Convém afirmar que a subsidiariedade provém do fato de que a atividade deveria ser prestada originariamente pelo Estado e, desse modo, é de sua responsabilidade, mesmo que em última alçada. Entendido isso, entende-se que o particular não deve ter seus direitos oprimidos em razão de prestador de serviço e não ser devidamente indenizado, incumbindo ao Estado, em caso de não assistência do prestador, reparar o dano.

Merecem destaque também as sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas. Tais pessoas jurídicas exercem serviço público, mesmo com maior ou menor intensidade. Em relação às duas primeiras, em razão da possibilidade de atividade econômica com função social, e em relação à última, em função da atividade de prestação de serviço público, a responsabilidade subsidiária recai ao ente que as originou.

É esclarecedor o preceito constitucional no que se refere aos particulares em colaboração com a Administração Pública. Conforme anota Romeu Felipe Bacellar Filho (2009, p. 320-321)

O particular, ainda que por delegação, preste um serviço público, não se vincula com exclusividade aos cometimentos do Estado, sendo natural que possa travar negócios de natureza privada. Ou seja, quando no exercício de atividades tipicamente privadas em suas relações com terceiros, não seria coerente submetê-lo a um regime de Direito Público.

Desse modo, as empresas prestadoras de serviço público respondem de forma objetiva apenas pelos atos que exercerem na atividade pública. Com isso, toda e qualquer atividade fora da função pública deve ser reparada pelo regime de direito privado.

Vale salientar que, ainda no tocante à concessão de serviço público, existem duas relações jurídicas diferentes, quais sejam, conforme ensina Lúcia Valle Figueiredo, a existente entre Administração e o concessionário e a entre o concessionário e o usuário do serviço público. Sobre a última relação, há a existência de responsabilidade objetiva, e a concessionária responde pelos danos oriundos da atividade delegada. Isso se justifica pelo fato do usuário ter o direito de receber um serviço público eficiente e adequado, ainda que este não seja prestado diretamente pela Administração Pública.

Analisando nesse aspecto, conclui-se que a responsabilização civil ocorrerá quando o dano sobrevir de uma atividade própria de serviço público. Consequentemente, confluir-se-á a responsabilidade subsidiária do Estado.

3.3 Algumas hipóteses de exclusão da Responsabilidade das Concessionárias e Permissionárias

Extrai-se da própria Constituição que a responsabilidade não é necessariamente absoluta, haja vista a possibilidade da exclusão do dever de reparar o dano pelo prestador de serviço, e até mesmo do ente delegante. O art. 37, §6, da CF assinala a indenização dos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem. Contudo, é importante consignar que a excludente recai sobre o nexo de causalidade e não sobre a responsabilidade, pois faz extinguir o liame.

É prudente reconhecer que nos casos em que o dano ser gerado de atos de terceiro, acontecimentos da natureza (força maior) e culpa exclusiva ou concorrente da vítima, extingue-se ou minimiza-se a responsabilização em virtude do desaparecimento do nexo causal com o dano experimentado, restando ao Estado provar tais excludentes.

Consoante Romeu Felipe Bacellar Filho, a comprovação de um comportamento culposo ou doloso da vítima, serve para graduar, diminuir, mitigar ou até excluir a responsabilidade da prestadora de serviço, pois se outro fosse o entendimento, estariam as concessionárias e permissionárias fadadas ao colapso devido às indenizatórias fundadas em quaisquer fatos que, muito embora envolvendo-as, não guardasse nenhuma relação causal com o dano. Isso poderia levar, por consequência, a Administração Pública à ruína, devido à responsabilidade subsidiária.

A primeira excludente de responsabilidade é a força maior, que é o fato natural decorrente de imprevisibilidade e exterioridade, como por exemplo, vendavais, terremotos, tempestades, inundações, chuva de granizo e furacões. É importante salientar que no episódio de força maior, caso o evento possa ser evitado por medidas do Estado e/ou suas prestadoras de serviço, incidirá a sua responsabilização. Um exemplo é uma enchente ocasionada por falta de conservação dos bueiros. Desse modo, o Estado poderá ser responsabilizado em torno da possibilidade de sua atuação.

Outra excludente notável na doutrina refere-se à culpa da vítima, que se constitui em contexto que afasta ou diminui a responsabilidade do Estado e de suas prestadoras de serviço. Alguns doutrinadores entendem que a expressão “culpa da vítima” é imprópria, pois nem sempre a vítima age com dolo ou culpa. Consoante Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, a expressão correta deveria ser “conduta da vítima”. Desse modo, entende-se que o Estado não deve pagar indenização em prognóstico de conduta exclusiva da vítima, ou seja, nesse caso há inexistência de conduta do Estado. O prejuízo, nesse caso, deverá ser aturado por quem o deu causa.

3.4 Exceções à responsabilidade subsidiária da Administração Pública

Como se vem asseverando, o poder concedente irá responder de forma subsidiária por eventuais danos a terceiros na hipótese de insuficiência de recursos do concessionário. É relevante ressaltar que a responsabilidade da Administração pública somente ocorrerá se o dano for originado de atividade relacionada a desempenho de serviço público, conforme ensina o eminente doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello.

Esse entendimento é amplamente reconhecido pela doutrina majoritária, pelo fato de que o Estado não pode ser responsabilizado por prejuízos oriundos de prestação de serviços desprovidos de objetivo público. Ou seja, caso a concessionária preste outro tipo de serviço que não seja público, não inerente ao contrato de concessão ou permissão, então o Estado não será responsabilizado por eventuais prejuízos causados a terceiros. Nesse caso, a prestadora de serviço será responsabilizada unicamente.

O doutrinador Yussef Said Cahali salienta que a responsabilidade do Estado poderá ser solidária, e não apenas subsidiária, em casos de omissão da Administração na fiscalização e monitoramento da prestação do serviço pela concessionária. Entende-se através disso que se o dano for provocado por conduta omissiva da Administração, então caracteriza-se a responsabilidade subjetiva do Estado. Ressalte-se, contudo, que a regra é a de responsabilidade subsidiária do Estado.

3.5 Natureza jurídica dos bens privados das concessionárias utilizados na prestação de serviço público e sua impossibilidade de penhora

Pelo fato de estarem revertidos à prestação de um propósito público, os bens privados das concessionárias utilizados na prestação do serviço, sujeitam-se a uma dessemelhante dualidade de regime jurídico.

A doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que os bens afetados na prestação de serviço público não podem ser suscetíveis de penhora, visto que se assim fosse, o princípio da continuidade do serviço público poderia ser violado, visto que as atividades seriam interrompidas. Contudo, é possível que os bens privados não afetados ao serviço público possam ser normalmente objeto de relações jurídicas de natureza privada, podendo, sem inibições, serem levados à penhora judicial. (grifo meu)

Vale salientar que o é dever do cidadão manter as boas condições dos bens públicos, inclusive aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. Na Lei n° 8.987/95, que estabelece o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, há explícita menção a tais bens em seu art 7°, VI.

Em face disso, há alguns desdobramentos processuais importantes, visto que a responsabilidade estatal só é iniciada no momento em que os bens e recursos da concessionária sujeitos à penhora forem insuficientes à indenização a terceiro prejudicado.

Desse modo, só são habilitados à constrição judicial os bens desvinculados da prestação de serviço público, visto que os vinculados, em obediência ao princípio da continuidade dos serviços públicos, não podem ser penhorados. Isso demonstra um relevante detalhe a ser observado em decisões judiciais e na ótica da responsabilidade subsidiária do Estado.

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Sobre o autor
George Fernandes Oliveira

Graduando em Direito pela Faculdade do Vale do Itapecurú (Caxias-MA), analista bancário de assuntos jurídicos de banco oficial.

Informações sobre o texto

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