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A pessoa com deficiência e o direito à acessibilidade

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21/06/2017 às 11:20
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A acessibilidade é direito instrumental essencial à dignidade da pessoa portadora de deficiência. O Brasil possui uma das melhores legislações voltadas a essa garantia. O que falta? Aplicação e fiscalização.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como finalidade a análise das mais variadas leis e regras pertinentes à acessibilidade voltada às pessoas com deficiência, tema importante não apenas para tal grupo de pessoas, mas para a sociedade em geral, principalmente no que concerne à forma com a qual essas pessoas são vistas na atualidade, ainda da forma incorreta.

Analisa-se a questão da acessibilidade nos tempos atuais, abordando o seu conceito, além do estudo das barreiras existentes, as quais impedem o pleno exercício de direitos por parte das pessoas com deficiência. Por oportuno, também será exposta a temática do desenho universal, instrumento auxiliador na solução dos problemas concernentes à acessibilidade.

Aborda-se, ainda, a legislação, inclusive brasileira, no tocante ao direito à acessibilidade, partindo das normas constitucionais voltadas ao assunto. Para o deslinde do tema, serão tratados três aspectos da acessibilidade, quais sejam, a acessibilidade urbanística, a arquitetônica e a acessibilidade nos transportes.


2 O conceito de acessibilidade

A LBI em seu art. 3º, inciso I, descreve o conceito de acessibilidade nos seguintes termos:

Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:

I - acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida; (BRASIL, 2015, grifo nosso)

A acessibilidade, portanto, é a possibilidade de a pessoa com deficiência, ou com mobilidade reduzida, usufruir dos espaços e das relações sociais com segurança e autonomia.

Sendo efetiva a acessibilidade, a pessoa que possui algum tipo de deficiência se reveste de maior autonomia, além de ter realizado o seu direito à igualdade. Nas palavras de Prado (2003, apud Rebecca Monte Nunes Bezerra, 2007, p.278):

[...] o objetivo da acessibilidade é proporcionar a todos um ganho de autonomia e mobilidade, principalmente àquelas pessoas que tem sua mobilidade reduzida ou dificuldade de comunicação, para que possam usufruir dos espaços e das relações com mais segurança, confiança e comodidade.

Espaço ou edificação acessível é aquele projetado e executado de acordo com as exigências legais e com o estabelecido nas Normas Brasileiras (NBRs) da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Assim, se o local observa apenas de modo parcial as exigências legais pertinentes à acessibilidade, este local não é acessível.

A acessibilidade também é um instrumento necessário para a eliminação das barreiras sociais, as quais impedem o pleno exercício de direitos por parte das pessoas com deficiência. É através da acessibilidade que tal grupo de indivíduos se insere na sociedade em suas diversas áreas, como educação, trabalho, lazer etc.

Corroborando tais afirmações, Barcellos (2012, p.177) também afirma o caráter combatente da acessibilidade quanto às barreiras sociais, descrevendo ela como:

[...] a adoção de um conjunto de medidas capazes de eliminar todas as barreiras sociais - não apenas físicas, mas também de informação, serviços, transporte, entre outras - de modo a assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, às condições necessárias para a plena e independente fruição de suas potencialidades e do convívio social.

Além de ter como objetivos a autonomia e a eliminação de barreiras, a acessibilidade pode ser considerada o maior direito específico das pessoas com deficiência, após os direitos fundamentais inerentes à todos os indivíduos, sendo que sem acessibilidade tal grupo de indivíduos não possui a condição de usufruírem dos demais direitos. Exemplo claro é o direito ao trabalho, visto que sem acessibilidade nos transportes a pessoa com deficiência física dificilmente chegará ao seu local de labor.

Percebe-se, portanto, a grande importância da acessibilidade na vida das pessoas com deficiência, tendo em vista que sem ela não há acesso aos demais direitos.

Para Barcellos (2012, p.177), pode-se concluir que a acessibilidade é um direito instrumental, pois dá acesso aos demais direitos:

[...] é o mecanismo por meio do qual se vão eliminar as desvantagens sociais enfrentadas pelas pessoas com deficiência, pois dela depende a realização dos seus demais direitos [...]. A acessibilidade, nesse sentido, é uma pré-condição ao exercício dos demais direitos por parte das pessoas com deficiência. Sem ela não há acesso possível ás pessoas com deficiência. Por isso a acessibilidade é tanto um direito em si quanto um direito instrumental aos outros direitos.

Conclui-se que a acessibilidade visa a garantir a autonomia e a eliminação das barreiras que impedem o exercício pleno de direitos por parte das pessoas com deficiência, além de ser um instrumento capaz de tornar possível a inclusão efetiva de tal grupo de indivíduos.


3 As barreiras e sua classificação

As barreiras, mencionadas no art. 2º da LBI, o qual descreve quem são as pessoas com deficiência, impedem a participação plena e efetiva destas pessoas na sociedade, em igualdade de condições com os demais indivíduos.

Já devidamente observado, a acessibilidade é um instrumento capaz de eliminar todas estas barreiras.

Importante salientar o que se entende, legalmente, por barreiras, para que se torne possível a inclusão de acessibilidade sobre elas.

A LBI em seu art. 3º, IV, define o que são barreiras e as classifica em seis espécies:

Art. 3o  Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:

[...]

IV - barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em:

a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo;

b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados;

c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes;

d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação;

e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas;

f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias; (BRASIL, 2015, grifo nosso)

Pretendendo diferenciar as barreiras urbanísticas das barreiras arquitetônicas, cabe salientar que aquelas são encontradas em vias públicas, no passeio público, enquanto que estas se encontram em edificações públicas ou privadas. Para um melhor entendimento, eis os exemplos, primeiramente de barreiras urbanísticas:

Caminhando pela cidade, é possível perceber calçadas sem rebaixamentos, desniveladas e com degraus, inexistência de vagas de estacionamento preferenciais, mobiliário urbano inadequado, falta de rota acessível, inexistência de piso tátil, etc. (VIVA ACESSIBILIDADE, 2013)

Em se tratando de barreiras arquitetônicas, os seguintes exemplos:

Dentre as barreiras mais comuns, pode-se mencionar ausência de rampas, corredores estreitos e com cadeiras, banheiros não acessíveis, portas estreitas e não adaptados, mobiliário inadequado e falta de piso tátil. (VIVA ACESSIBILIDADE, 2013)

As barreiras atitudinais referem-se ao próprio comportamento humano frente à falta de acessibilidade nas demais barreiras, caracterizado por ações e pelo desinteresse à eliminação de tais barreiras. Na palavras de RIBEIRO (2016, p.57), barreiras atitudinais se referem à “atitudes e posturas que limitam as possibilidades de desenvolvimento e de relação social [...]”.

Apenas pelo interesse do ser humano pelas eliminações das várias espécies de barreiras é que se pode chegar à eliminação da própria barreira atitudinal. O desinteresse é uma forma de barreira atitudinal, que assim explica Bezzera (2007, p.279):

O próprio desinteresse pela eliminação das barreiras arquitetônicas ou pelas soluções ambientais que podem ser encontradas para cada caso arquitetônico onde a acessibilidade não está garantida, muitas vezes por indiferença, pode ser considerado uma barreira atitudinal.

Conclui-se, pelo exposto, que as barreiras são o principal motivo do não exercício de direitos pelas pessoas com deficiência, as quais no dia-a-dia superam, ou ao menos tentam superar estas barreiras.


4 Desenho universal

Como uma das formas de solucionar o grande problema da acessibilidade, o desenho universal se mostra como algo inovador, que reúne estudos jurídicos e arquitetônicos/urbanísticos.

O Decreto nº 5.296/04 em seu art. 8º, IX, assim define desenho universal:

[...] concepção de espaços, artefatos e produtos que visam atender simultaneamente todas as pessoas, com diferentes características antropométricas e sensoriais, de forma autônoma, segura e confortável, constituindo-se nos elementos ou soluções que compõem a acessibilidade; (BRASIL, 2004)

Já a LBI, a qual acrescentou tal conceito na Lei nº 10.098/00, em seu art. 3º, II, inova essa definição, tendo como base a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, in verbis:

[...] concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva; (BRASIL, 2015)

Por oportuno, a Convenção acima referida, em seu art. 2 assim define:

“Desenho universal” significa a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico. O “desenho universal” não excluirá as ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando necessárias. (BRASIL, 2009)

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Lopes (2007, p.319), fazendo menção ao grupo de arquitetos, desenhistas industriais, engenheiros e pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte, os quais desenvolveram o conceito do desenho universal, colaciona a definição como sendo “o desenho de produtos e ambientes utilizáveis por todas as pessoas no limite do possível, sem necessidade de adaptação ou desenho especializado”.

O desenho universal, como se vê, tem a função de abranger um maior número possível de usuários, sendo necessária a observância da acessibilidade desde a criação dos produtos, ambientes, programas ou serviços. Para Lopes (2007, p.319), “o objetivo é simplificar a vida para todos, elaborando produtos, informações e ambientes construídos mais utilizáveis pelo maior número possível de pessoas, a baixo custo ou sem nenhum custo extra”.

Na mesma esteira, Barcellos (2012, p.187), comentando tal assunto, enaltece a importância social do desenho universal:

O escopo do desenho universal é, como se vê, bastante abrangente, pois que pretende formular canais de acesso ao convívio social que se fundem, desde sua concepção, em um paradigma amplo “na maior medida possível” de ser humano, de modo a dar conta da enorme variação individual que existe na sociedade 

Aliados ao conceito e ao objetivo do desenho universal estão os seus princípios, os quais norteiam a aplicação do mesmo, tendo em vista uma melhor aplicação e efetividade de resultados.

A seguir, a título de ilustração, colacionamos tais princípios:

a) o uso equitativo (utilizado por pessoas com habilidades diversas);

b) o uso flexível (acomoda uma ampla faixa de preferências e habilidades);

c) o uso simples e intuitivo (fácil compreensão e independente de experiência);

d) informação de fácil percepção (comunica a informação de modo claro e independente de habilidades específicas);

e) tolerância ao erro (minimiza os efeitos de riscos e erros);

f) baixo esforço físico;

g) dimensão e espaço para aproximação e uso (permite a aproximação, o alcance e uso, independente das características do usuário).

(GUIA DE ATUAÇÃO MINISTERIAL, 2014)

A NBR nº 9050 da ABNT, que trata da acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, em seu tópico 3.1.16 (desenho universal) traz uma nota a qual cita os princípios citados como pressupostos do desenho universal.

Segundo Barcellos (2012, p.187), “esses princípios permitem uma avaliação mais concreta de medidas de acessibilidade e demarcam parâmetros específicos que auxiliam na sua implementação”.

Buscando efetivar a observância do desenho universal nos projetos arquitetônicos e urbanísticos, o Decreto nº 5.296/04 prevê a obrigatoriedade ao atendimento aos princípios já mencionados:

Art. 10.  A concepção e a implantação dos projetos arquitetônicos e urbanísticos devem atender aos princípios do desenho universal, tendo como referências básicas as normas técnicas de acessibilidade da ABNT, a legislação específica e as regras contidas neste Decreto. (BRASIL, 2004)               

Importante ressaltar a obrigatoriedade de se atender aos princípios do desenho universal, haja vista que na atualidade pouco se observa esse atendimento pelo Poder Público.

Nas palavras de Bezerra (2007, p.282):

Merece ser destacado que o Decreto nº 5.296/04, no art. 10 [...] certamente não quis dar aos elementos normativos citados o caráter de facultatividade, mas, sim, de obrigatoriedade, uma vez que devem “se basear” no que está estabelecido em matéria de acessibilidade.

Indo além do dever de atendimento aos princípios do desenho universal, o Guia de Atuação Ministerial (2014, p.9), frisa a obrigatoriedade das normas técnicas de acessibilidade na implantação de projetos arquitetônicos e urbanísticos:

Importante  mencionar  que  as  normas  técnicas  de  acessibilidade,  com  a  edição  de  leis  e decretos que as apontam como referências básicas, tiveram o seu status recomendatório alterado para o de obrigatoriedade, como se pode observar do disposto no artigo 10, caput, do Decreto nº 5.296/04 [...] (grifo nosso)

Aprimorando tal mandamento legal, a LBI em seu art. 55, caput, estabelece a obrigatoriedade da observância dos princípios do desenho universal nos mais variados tipos de projetos, não mais apenas dos arquitetônicos e urbanísticos:

Art. 55.  A concepção e a implantação de projetos que tratem do meio físico, de transporte, de informação e comunicação, inclusive de sistemas e tecnologias da informação e comunicação, e de outros serviços, equipamentos e instalações abertos ao público, de uso público ou privado de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, devem atender aos princípios do desenho universal, tendo como referência as normas de acessibilidade. (BRASIL, 2015, grifo nosso)

Diante o exposto, cabe dizer que o desenho universal é uma solução plausível à escassa acessibilidade em nosso país. Favorece não apenas as pessoas que possuem algum tipo de deficiência, que terão mais oportunidades de conviver num ambiente mais acessível, mas o próprio empreendedor do projeto, seja ele Poder Público ou não, tendo em vista a não necessidade de no futuro ser obrigado a adaptar o local ou o serviço, pois já estará devidamente acessível a quem possa ser útil.

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Sobre o autor
Adonis Alexandre Laquale

Advogado atuante na cidade de Taguaí - SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAQUALE, Adonis Alexandre. A pessoa com deficiência e o direito à acessibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5103, 21 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58520. Acesso em: 19 abr. 2024.

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