SUMÁRIO:1. Introdução. 2. O direito de aprender. 3. O direito dos pais na educação. 4. O dever do Estado na educação. 5. Conclusão
1. INTRODUÇÃO
É crescente o número de pais e alunos insatisfeitos com as escolas e com os conteúdos dados em salas de aula[1]. As causas da insatisfação são várias. Há queixas sobre a utilização de materiais didáticos inadequados e sobre possível doutrinação política e ideológica dos alunos por parte dos agentes educadores. Queixa-se também da exigência de uma carga de estudos considerada exaustiva para os alunos e, ainda, do desequilíbrio dos conteúdos em relação à idade ou capacidade intelectual dos menores. Acresça-se o visível esforço do poder público para direcionar o conteúdo das escolas públicas e particulares de forma minuciosa, fazendo da escola uma extensão do Estado[2]. Eis um conjunto de traços que configura um quadro difícil. Diante dele resultam naturais as perguntas: quais os limites do Estado na educação dos menores? Quais são as diretrizes que o Estado deve dar na educação dos menores? Quais as prerrogativas dos pais na educação dos menores? O presente artigo visa responder a essas perguntas a partir da análise e compreensão do direito das crianças e dos jovens de serem educados, do direito dos pais sobre a educação dos filhos e do direito do Estado em prover a educação.
2. O DIREITO DE APRENDER
Ao olharmos para um recém-nascido, deparamo-nos com um ser totalmente dependente e que, para sua própria sobrevivência, precisa receber orientação e ensino: não sabe falar, andar, o que deve comer, em que pode mexer, o que é sadio ou nocivo à sua saúde. Com o crescimento, mudam a cada idade as limitações, mas elas estão sempre presentes. Ao contrário dos animais, levam-se anos para que uma criança desenvolva certa autonomia. E ao pensarmos na vida em sociedade, com toda sua complexidade, não é difícil compreender que conquistar a independência é ainda mais árduo e demorado.
Percebemos, destarte, que a educação é necessária ao ser humano, daí decorrendo dois corolários: primeiro, a educação é um direito exigido pela própria natureza da criança e do adolescente e, segundo, educar é dever moral da família, de toda a sociedade e do Estado. Uma soma de forças e um conjunto de atores devem tutelar o direito dos menores à educação.
Não obstante o termo educação possa ser aplicado e conceituado sob vários aspectos, o conceito de educação que usaremos neste artigo é amplo, isto é, paralelo à própria dimensão vasta do ser humano – ser racional, volitivo, afetivo, social e espiritual. Não estaremos nos referindo à simples transmissão de conhecimento e ao aprendizado de técnicas culturais[3], mas ao ajudar no crescimento do indivíduo em todas as suas dimensões, visando ao pleno desenvolvimento de seu ser[4].
Se continuamos a olhar para aquele recém-nascido, para a criança ou adolescente, percebemos que eles têm um ritmo e uma capacidade de aprendizado que lhes são peculiares, aspirações e ideias próprias, dons e incapacidades inatas, um histórico físico, biológico, psicológico e cultural peculiares que não podem ser desconsiderados, o que nos leva a reconhecer que a dignidade da pessoa humana leva em conta, também, a individualidade de cada pessoa e sua liberdade de autodesenvolver-se e direcionar-se.
Sem muito esforço, verificamos que o protagonista da educação é o próprio ser que cresce. É para ele que se volta a educação. Também é ele o único que poderá mergulhar em si próprio e buscar o autoconhecimento que o levará a sair da potência para o ato; é ele que age e reage aos estímulos externos e internos e clama por desenvolvimento e felicidade plena. Os outros, os educadores, serão sempre, em maior ou menor grau, coadjuvantes que o ajudarão neste crescimento, com estímulos, informações e afeto.
Claro que a liberdade pode – e muitas vezes deve! – sofrer limitações externas, seja para respeitar os direitos alheios, seja pela própria segurança da criança ou adolescente, que não possuem capacidades física, biológica ou psicológica suficientemente desenvolvidas para sair de seu pequeno mundo e apreender, compreender e escolher os verdadeiros bens para seu crescimento e felicidade. Essa incapacidade intelectual ou psicológica também não os leva a prever a consequência de seus atos diante das tantas realidades que vão, pouco a pouco, sendo levadas ao seu conhecimento. Assim, a educação integral também tem como escopo levar o educando a desenvolver a própria capacidade de enxergar a si mesmo, enxergar a realidade como ela é e desenvolver-se plenamente com liberdade e responsabilidade.
Diante da necessidade de o menor receber educação e do respeito à sua liberdade, nasce o direito de aprender (art. 205 da Constituição da República – CR/88) e a liberdade de aprender, que nosso constituinte de 1988 felizmente positivou como princípio do ensino (art. 206, II), que deve ser compreendido como garantia para que não se deforme a sua personalidade e não se anulem as suas aptidões, o direito a receber uma formação sã, sem que se abuse da sua docilidade natural para lhes impor opiniões ou critérios humanos parciais. Permite-se e fomenta-se dessa maneira que as crianças desenvolvam um espírito crítico são. A liberdade de aprender está intimamente ligada ao respeito à individualidade e à liberdade pessoal de autodeterminar-se, valores inseparáveis da dignidade da pessoa humana, cuja proteção foi expressamente consignada como fundamental da nossa República (art.1º, III, da Constituição da República - CR/88).
Já no plano infraconstitucional, encontram-se diplomas normativos que contêm expressões específicas do princípio constitucional do direito à educação, com destaque na Convenção Americana de Direitos Humanos[5], na Convenção Sobre os Direitos da Criança[6] e no Estatuto da Criança e do Adolescente[7].
3. O DIREITO DOS PAIS NA EDUCAÇÃO
O genuíno direito de educar é dos pais, os primeiros responsáveis naturais por seus filhos e os primeiros a conviver com a criança desde o ventre materno.
É na família que os filhos encontrarão o primeiro e principal ambiente para desenvolverem-se, onde o amor gratuito e a solidariedade, as características e heranças genéticas entre os familiares, trarão aos seus membros uma proximidade e afetividade que nenhuma outra sociedade humana lhes darão, e que, também por isso, é o meio mais sadio e eficaz para o desenvolvimento da criança e do adolescente, que deve ser respeitado e promovido pelo Estado.
Sensíveis à importância da família, o constituinte, na elaboração da Constituição da República de 1988, deu especial proteção do Estado à família (art.226), reconhecida como base da sociedade, reconhecendo, também, o direito-dever dos pais de educar seus filhos (art.205), com a devida liberdade de ensinar (art.206, inciso II), direito este também exercido com participação dos pais na formulação de políticas e no controle das ações educativas (art.204, inciso II, c/c arts. 225 e 227, §7º).
Essa liberdade de ensinar deve contemplar preferências que podem ser de qualquer tipo: a de promover a educação sem a participação ou ingerência do Estado ou de Escolas, bem como a escolha do auxílio destes últimos e em qual instituição se dará; que possam escolher desde questões que afetam o curriculum até metodológicas ou pedagógicas; ou seja, no direito de escolherem os instrumentos formativos correspondentes às próprias convicções, de buscar os meios que possam ajudá-los da melhor maneira em suas tarefas de educadores, bem como o direito de fundar e manter instituições educativas.
Este direito é tão evidente e universal que foi expressamente inserido na Declaração Universal de Direitos Humanos, in verbis:
Art. 26 – 3 - Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Especial relevância são os valores morais e religiosos defendidos pelos pais e pelo educando, corolários do direito fundamental à liberdade de consciência e de crença (art.5º, inciso VI, da CR/88), que devem ser protegidos e não violados pelo Estado.
Neste mesmo diapasão está o art.12 da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil e que, pelo atual posicionamento do STF[8], tem força de norma supralegal (estando acima das leis infraconstitucionais e abaixo da constituição), garantindo que: “Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.”.
Curioso destacar que, diante das ingerências excessivas do Estado na educação ou insatisfeitos com a educação nas escolas, muitos pais têm resolvido dar a educação integral em casa, o chamado Home Scolling[9], que está crescendo no mundo todo, o que entendemos estar perfeitamente de acordo com os princípios e direitos consagrados na Constituição - principalmente o direito à liberdade (art.5º), a liberdade de ensinar (art.206,II), a liberdade de aprender (art.206,II) e a liberdade da iniciativa privada na educação (art.206, inciso II e art.209, respectivamente) -, podendo e devendo, contudo, tal prerrogativa ser fiscalizada pelo Estado (art.209, inciso II, da CR/88), pela própria garantia do sadio desenvolvimento da criança ou adolescente.
4. O DEVER DO ESTADO NA EDUCAÇÃO
O Estado, zelador do bem comum e responsável pelos seus cidadãos, também tem o dever de assegurar a educação. Nosso constituinte expressamente positivou esse dever no art. 205 da nossa Carta Magna.
Entretanto, diante da especial proteção do Estado à família (art. 226 da CR/88), do direito fundamental à liberdade (art. 5º, caput, da CR/88), da especial garantia à liberdade do educando de ser educado e dos pais de educar (art. 206,II, da CR/ 88), a ingerência do Estado na educação deve se dar de forma subsidiária, visando respeitar uma sadia liberdade das famílias na educação, auxiliando-as na tarefa educativa.
Neste diapasão, a tarefa legislativa do Estado para a educação não seria a de criar competências de áreas educativas entre o Estado e as famílias, mas, sim, normas que visassem salvaguardar o direito das famílias de educação, salvaguardar o direito do educando de ser educado, bem como normas que gerassem uma proximidade das famílias com o Estado na tarefa educativa, de modo que o Estado possa ser um colaborador com as famílias em sua tarefa educativa.
Portanto, seria uma afronta direta à Carta Magna qualquer norma ou política pública que visasse impor o conteúdo educativo de forma desassociada ao interesse educativo da família; de forma a pormenorizar ou monopolizar a tarefa educativa, promovendo uma verdadeira colonização cultural, o que levaria a excluir o direito dos pais na educação, a liberdade de aprender e de ensinar da família e, em sentido amplo, o próprio direito pessoal à liberdade, que é direito fundamental na Constituição da República (art.5º). Ora, o interesse público primário é o interesse das pessoas no que tange às suas exigências básicas e necessárias ao seu desenvolvimento pleno, em que o Estado é o guardião e não dono. Não pode o Estado ignorar o interesse primário para privilegiar o interesse secundário (o aparato organizativo). Daí surge o princípio da indisponibilidade do interesse público.[10] O Estado é para o povo e não o povo para o Estado!
Também feriria o direito dos pais na educação e a liberdade de aprender admitir uma liberdade de cátedra e de expressão dos professores de educação básica e do ensino médio - que são mais próprias do ensino superior (art.207 da CR/88) - na educação dos menores, o que levaria a restringir a liberdade educativa dos pais à presumida liberdade que teria o professor para expressar as suas ideias e formar, a seu alvedrio, os seus alunos, ao revés de os professores estarem exercendo como colaboradores a tarefa educativa dos pais. Os Princípios da liberdade de ensinar e de divulgar o pensamento (art.206,II, da Cr/88), no que tange ao ensino básico e médio, para não chocar com o direito de ensinar dos pais e da liberdade de aprender dos menores, devem estar adstritos ao próprio programa de educação e valores buscados pelos pais e menores na educação, pois estes gozam de especial proteção do Estado. Assim, por exemplo, o professor tem a liberdade de escolher as leituras e filmes que passarão aos seus alunos, caso o conteúdo deles esteja em sintonia com os valores defendidos pelas famílias e com a dignidade do menor; caso contrário, não estaria o professor usando da liberdade de ensinar, mas abusando da liberdade de ensinar.
Também, como concreta exigência do bem comum, é razoável e justo que o ordenamento estatal estabeleça certos níveis de ensino cujo aproveitamento eficaz possa legitimamente condicionar o acesso a determinadas carreiras universitárias ou a outros tipos de atividades profissionais. Mas tal projeção não pode ser imposta à sociedade, mas a ela deve estar aberta como alternativa educativa.
Por fim, para que haja verdadeira liberdade de educar, o Estado deve promover políticas de incentivo a que os pais ou organismos sociais possam fundar e manter instituições educativas de tão variadas estruturas e propostas que os destinatários deste serviço – os alunos – possam ser conduzidos pelo caminho mais apropriado para que atinjam o pleno desenvolvimento de si mesmos e, desta maneira, possam melhor contribuir para a sociedade, que será enriquecida com a multiplicidade de talentos. Políticas estas devem ser desde subvenções públicas até incentivos fiscais à iniciativa privada e às famílias, para que a economia que o Estado terá por não ter que suportar todos os educandos em suas escolas públicas seja revertida em benefícios às famílias, para que não tenham que fazer gastos suplementares que impeçam ou limitem o exercício da liberdade de educar.
Para que não haja abuso ou maus tratos do educando, é dever do Estado fiscalizar a educação pública e privada, de forma a garantir que a vida, a saúde e a dignidade do menor, principal protagonista da educação, sejam respeitados.