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O processo de execução da sentença estrangeira:

refletindo a carta de sentença como meio procedimental executório

04/11/2004 às 00:00
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Introdução

Sob a égide desta temática "O processo de execução da sentença estrangeira: refletindo a carta de sentença como meio procedimental executório" traz-se à baila a discussão de qual seria, em verdade, o título executivo a embasar as execuções das sentenças alienígenas, haja vista uma facção doutrinária afirmar ser a carta de sentença o título hábil a embasar tal processo executivo.

De cunho eminentemente doutrinário urge esta obra que tem o fito de trazer nova vertente ao tema, defendendo que, no caso de execuções de sentença estrangeira, o título hábil a instruir o processo executivo é a própria sentença alienígena.

Para demonstrar tal vertente, a presente obra subdivide-se em três capítulos que seguem uma ordem crescente para uma fácil compreensão ao leitor. Assim é que no Capítulo I intitulado "Os títulos judiciais à luz do Código de Processo Civil pátrio" procura-se mostrar uma visão global de como nossa lei instrumental disciplina os títulos executivos sejam os mesmos judiciais ou extrajudiciais, haja vista o princípio de que nulla executio sine titulo, pelo que são os mesmos a alma de todo o processo executivo.

De não tão menos importância ao tema, temos como procede-se a incorporação da sentença alienígena no ordenamento pátrio, objetivo procurado no Capítulo II intitulado "Da admissibilidade da sentença estrangeira no ordenamento pátrio: o juízo de delibação", pelo que procura-se explicitar todo o procedimento de como dá-se a aceitação da sentença estrangeira para sua futura execução, vez que, sem o juízo de delibação que embasa a homologação de tal decisium, não será possível o processo executório; processo esse que é explicitado no Capítulo III intitulado "Executando a sentença estrangeira: a carta de sentença como meio procedimental executório", onde procura-se, além de explicar-se como dá-se o processo de execução da sentença estrangeira, trazer à tona toda a discussão e conclusão que pugna tal obra, a saber, o fato de ser a carta de sentença um mero instrumento procedimental do processo executivo e não título executivo judicial como pretendem alguns doutrinadores.


Capítulo I - Os títulos executivos judiciais à luz do Código de processo civil pátrio

Sabemos que o Homem a fim de proteger o seu patrimônio, utiliza-se de vários meios seguros para salvaguardar o seu direito à defesa contra o desfazimento do seu capital.

No Direito encontramos o processo de execução como um meio jurisdicional de fazer atuar, de forma mais célere a proteção do patrimônio do credor. É aqui, em que o credor, através da atividade executiva, coage o devedor a devolver o que deve a quem detém o direito de crédito.

Sendo assim, o nosso Código de Processo Civil enumera os meios pelos quais o Homem pode defender o seu patrimônio através do processo de execução. São eles: a) os títulos executivos judiciais; b) os títulos executivos extrajudiciais.

São os títulos executivos documentos dotados de eficácia para tornar adequada a via judicial a pretensão ao crédito do autor (credor).

Os títulos executivos podem ser judiciais ou extrajudiciais como vimos acima. O título executivo judicial é aquele advindo da prestação jurisdicional do Estado, como exemplificativamente, a sentença que é um ato decisório do juiz, é a forma pela qual há o reconhecimento ou não do direito do autor.

Quando a sentença reconhece positivamente o direito do autor, passa a mesma a ser um título executivo judicial, e, portanto, um documento eficaz para propor uma ação executiva.

A partir desse primeiro entendimento é que podemos citar quais são os títulos executivos a luz do nosso Código de Processo Civil, enumerados pelo art. 584, a saber:

"São títulos executivos judiciais:

I - a sentença condenatória proferida no processo civil;

II - a sentença penal condenatória transitada em julgado;

III - a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que verse matéria não posta em juízo;

IV - a sentença estrangeira, homologada pelo Supremo Tribunal Federal;

V - o formal e a certidão de partilha;

VI - a sentença arbitral".

No processo de execução ainda podemos encontrar alguns títulos que não são judiciais, os quais são denominados extrajudiciais, estando os mesmos enumerados no artigo 585 do CPC pátrio, a saber:

"São títulos executivos extrajudiciais:

I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;

II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;

III - os contratos de hipoteca, de penhor, de anticrese e de caução, bem como de seguro de vida e de acidentes pessoais de que resulte morte ou incapacidade;

IV - o crédito decorrente de foro, laudêmio, aluguel ou renda de imóvel, bem como encargo de condomínio desde que comprovado por contrato escrito;

V - o crédito de serventuário da justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial;

VI - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, Estado, Distrito Federal, Território e Município, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

VII - todos os demais títulos, a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva".

O que pode-se concluir, de plano, é que "(...) o título executivo é, portanto uma prova; mas uma prova provida de eficácia particular do título legal, que atua no princípio e não no decurso do procedimento (...), do qual constitui o fundamento indefectível (art. 474), pelo que é oportuno que, antes de tudo, seja levado a conhecimento do devedor do modo que melhor garanta o conhecimento propriamente dito"(CARNELUTTI, 2000, V III, p. 24).

Dos requisitos do título executivo

Vimos que o processo de execução far-se-á por título executivo, seja ele judicial ou extrajudicial; porém, não é suficiente que o autor da ação executiva possua um título, mas que também o mesmo seja adequado a alguns requisitos essenciais, como a certeza, a liquidez e a exigibilidade.

A certeza do título executivo refere-se a existência ou não do crédito, pleiteado pelo autor da demanda. Por exemplo, Lúcia comprou um veículo a Luiz por R$ 10.000,00 (dez mil reais). Luiz fez com que Lúcia assinasse uma nota promissória para garantir o pagamento do veículo. Passado o prazo para quitação do débito, Lúcia não cumpriu com a obrigação.

Munido do título executivo extrajudicial - a nota promissória - Luiz (credor) do valor mencionado, frise-se, R$ 10.000,00, poderá acionar o Judiciário, através de uma ação executiva para coagir Lúcia a pagar o débito.

A certeza, como requisito do título executivo, no exemplo supramencionado, está na existência da nota promissória que comprova a obrigação existente entre as partes e enumerada título extrajudicial por excelência.

Usando-se do mesmo exemplo, temos que a liquidez do título refere-se a determinação do objeto da obrigação, ou melhor dizendo, a determinação do valor (quantum debeatur) mediante a simples apresentação de uma planilha de cálculos explicitando o principal e os acessórios, quer dizer, ao valor real mais juros, correção monetária ou qualquer outro meio que acrescente o débito do valor principal, como, por exemplo, a cláusula penal de um contrato em caso de descumprimento de obrigação. No exemplo que citamos o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) seria o principal e os juros e correção monetária os acessórios.

Em relação ao terceiro requisito dos títulos executivos, temos a exigibilidade que diz respeito ao vencimento da dívida. E se a obrigação estiver sujeita a condição ou termo, somente com a verificação dos dois institutos é que o crédito ter-se-á tornado exigível.

Enfim, a certeza do título executivo refere-se a existência ou não do débito; a liquidez refere-se ao quantum debeatur (valor) do objeto da obrigação e a exigibilidade refere-se ao vencimento da dívida.


Capítulo II - Da admissibilidade da sentença estrangeira no ordenamento pátrio: o juízo de delibação

O ordenamento jurídico de um país é autônomo em si por meio de suas leis e postulados, visando a regular os conflitos de interesses surgidos no seio social. Porém, este ordenamento autônomo e soberano não pode fechar-se a ingerência de relações sociais extraterritoriais surgidas cada vez mais freqüentemente pelo que deve esse ordenamento servir-se das fórmulas legislativas e processuais advindos dos ordenamentos alienígenas.

Tal realidade tem levado a maioria dos ordenamentos jurídicos internacionais a acatarem os postulados advindos das legislações e processos estrangeiros na composição das lides, mormente admitindo-se os efeitos produzidos pela sentença estrangeira. Como leciona o sempre ilustre Carnelutti (2000, v. I, p. 172) "se a lide foi composta por uma sentença estrangeira, pode ela valer ante o ordenamento nacional no sentido de que sua fórmula se inclui em um mandado nacional, que pode ser uma lei ou uma sentença (...)".

Assim o é no ordenamento jurídico nacional como ver-se-á no capítulo que ora se segue.

1. Da sentença estrangeira no ordenamento pátrio

A admissibilidade da sentença estrangeira no ordenamento pátrio encontra-se prevista desde a Constituição Federal de 1967 em seu artigo 115, Parágrafo único, letra c, sendo tal disposição reproduzida pela Emenda Constitucional nº 01 de 1969. Tais dispositivos legais deferiam ao Supremo Tribunal Federal a atribuição para que constasse em seu Regimento Interno disposições concernentes à sentença estrangeira. E assim o foi por meio do Regimento Interno do Pretório Excelso datado de 18/06/1970 concentrando nos artigos 210 a 217 disposições acerca de tal temática, substituídas a posteriori em 1980 pelos artigos 215 a 224 onde concentram-se regras procedimentais bem como os requisitos para admissibilidade da sentença estrangeira.

E assim o determinam os artigos supracitados:

"Art. 215. A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Supremo Tribunal Federal, ou por seu Presidente.

Art. 216. Não será homologada sentença que ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Art. 217. Constituem requisitos indispensáveis à homologação da sentença estrangeira:

I - haver sido proferida por juiz competente;

II - terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;

III - ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias à execução no lugar em que foi proferida;

IV - estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução oficial.

Art. 218. A homologação será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações constantes da lei processual, e ser instruída com a certidão ou cópia autêntica do texto integral da sentença estrangeira e com outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos e autenticados.

Art. 219. Se a petição inicial não preencher os requisitos exigidos no artigo anterior ou apresentar defeitos ou irregularidades que dificultem o julgamento, o Presidente mandará que o requerente a emende ou complete, no prazo de dez dias, sob pena de indeferimento.

Parágrafo único. Se o requerente não promover, no prazo marcado, mediante intimação do advogado, ato ou diligência que lhe for determinado no curso do processo, será este julgado extinto pelo Presidente ou pelo Plenário, conforme o caso.

Art. 220. Autuados a petição e dos documentos, o Presidente mandará citar o requerido para, em 15 dias, contestar o pedido.

§ 1º. O requerido será citado por oficial de justiça, se domiciliado no estrangeiro, pela forma estabelecida na lei do país, expedindo-se carta rogatória.

§ 2º. Certificado pelo oficial de justiça ou afirmado, em qualquer caso, pelo requerente, que o citando se encontra em lugar ignorado, incerto ou inacessível, a citação far-se-á mediante edital.

Art. 221. A contestação somente poderá versar sobre a autenticidade dos documentos, a inteligência da sentença e a observância dos requisitos indicados nos artigos 217 e 218.

§ 1º. Revel ou incapaz o requerido, dar-se-lhe-á curador especial que será pessoalmente notificado.

§ 2º. Apresentada a contestação, será admitida réplica em cinco dias.

§ 3º. Transcorrido o prazo da contestação ou da réplica oficiará o Procurador-geral no prazo de dez dias.

Art. 222. Se o requerido, o curador especial ou o Procurador-geral não impugnarem o pedido de homologação, sobre ele decidirá o Presidente.

Parágrafo único. Da decisão do Presidente que negar a homologação cabe agravo regimental.

Art. 223. Havendo impugnação à homologação, o processo será distribuído para julgamento em plenário.

Parágrafo único. Caberão ao Relator os demais atos relativos ao andamento e à instrução do processo e o pedido de dia para julgamento.

Art. 224. A execução far-se-á por carta de sentença, no juízo competente, observadas as regras estabelecidas para a execução de julgado nacional da mesma natureza".

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Desse modo procurar-se-á compreender acerca da homologação da sentença estrangeira no tópico que ora inicia-se.

2. Homologação como conditio sine qua non de admissibilidade da sentença estrangeira no ordenamento pátrio: o juízo de delibação.

Como visto, o ordenamento pátrio admite possa a sentença estrangeira surtir efeitos desde que homologada.

Assim o determina o art. 483 de nossa lei instrumental, in verbis:

"A sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo STF.

Parágrafo único. A homologação obedecerá ao que dispuser o Regimento Interno do STF".

Para que tal homologação possa ser concretizada nos moldes do nosso ordenamento, ao Supremo Tribunal Federal compete apenas observar se a sentença estrangeira cumpriu determinadas formalidades, sem contudo adentrar-se no mérito da decisão estrangeira, "correspondentes ao mínimo de garantias que se entende compatível com a colaboração do Brasil, e a isso acrescenta um sistema de limites, destinados a impedir que surtam efeitos em nosso território sentenças estrangeiras contrárias - segundo a fórmula consagrada - "à soberania nacional, à ordem pública, e aos bons costumes"" (FRIEDE, 1998:24). É que denomina-se juízo de delibação.

Tem-se, assim, que a homologação da sentença estrangeira nada mais é do que uma formalidade exigida por nosso ordenamento pátrio que torna a mesma reconhecida em nosso território.

3. Dos requisitos necessários ao processo de homologação.

Assim o determina o artigo 15 da Lei de Introdução ao Código Civil:

"Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente;

b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;

c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;

d) estar traduzida por intérprete autorizado;

e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal".

E, no artigo 17 de citado diploma legal assim vislumbra-se:

"As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes".

Disposições acerca desta temática encontramos nos artigos 216 e 217 do Regimento Interno do Pretório Excelso outrora citados e ora transcritos nas linhas que se seguem:

"Art. 216. Não será homologada sentença que ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes".

"Art. 217. Constituem requisitos indispensáveis à homologação da sentença estrangeira:

I - haver sido proferida por juiz competente;

II - terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;

III - ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias à execução do lugar em que foi proferida;

IV - estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução oficial".

Contrapondo-se os dispositivos elencados pela LICC e o Regimento Interno do STF vê-se que as regras contidas em ambos os diplomas legais pouco se diferenciam. O art. 15 da LICC requer esteja a sentença "traduzida por intérprete autorizado"(letra d); por seu turno, o Regimento Interno fala em "tradução oficial"(art. 217, IV), exigindo-se, ainda, a autenticação da sentença pelo cônsul brasileiro.

O que deve-se ter em mente é que à partir que a sentença estrangeira transita em julgado em seu país de origem urge o interesse de agir daquele que deseja dar força executiva a mesma, urgindo todo o procedimento de homologação dessa sentença alienígena. E essa homologação deve ater-se à observância dos pressupostos descritos acima, explicitados nas linhas a seguir.

O trânsito em julgado da sentença é exigência indispensável à homologação, tanto que por meio da Súmula 420 o Pretório Excelso assim pronuncia-se: "Não se homologa sentença proferida no estrangeiro, sem prova do trânsito em julgado", exigindo-se, in casu, apenas a coisa julgada formal.

A sentença estrangeira deve ser proferida por juiz competente, mediante citação válida do réu, sob pena de não ser homologada por impossibilidade jurídica do pedido; de igual sorte, quando ofender a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Não se pense que ao se avaliar tais requisitos estar-se-ia indo diretamente ao mérito da sentença; pelo contrário, "a verificação de eventual ofensa à ordem pública não interfere na justiça ou injustiça da decisão, nem na aplicação da vontade concreta da lei pela sentença estrangeira. Verifica-se apenas se os efeitos da sentença são de molde a atingir um daqueles conceitos ou se a sentença ou a forma pela qual foi dada com a nossa ordem pública, soberania ou bons costumes para impedir que aqueles efeitos se produzam se vieram sacrificar essas reservas". (GRECO FILHO, 2003, 401).

4. A competência para a homologação da sentença estrangeira

Nossa Magna Carta assim dispõe no art. 102, I, letra h, in verbis:

"Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

h) a homologação das sentenças estrangeiras (...) que podem ser conferidas pelo regimento interno a seu Presidente".

E assim o determina o art. 215 do Regimento Interno do Pretório Excelso:

"A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Supremo Tribunal Federal, ou por seu Presidente".

Vê-se, assim, que a competência para o processo de homologação é de nossa Máxima Corte, podendo, nos moldes de nossa Magna Carta, bem como pelo Regimento Interno do Pretório Excelso ser deferida a seu Presidente.


Capítulo III - Executando a sentença estrangeira: a carta de sentença como meio procedimental executório

1. Iniciando a execução da sentença estrangeira

Conforme proclama o art. 484 do CPC pátrio:

"A execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da homologação e obedecerá as regras estabelecidas para a execução da sentença da mesma natureza".

Por meio do artigo ora mencionado, vê-se que para executar a sentença estrangeira mister sua homologação. O que deve-se ter em mente e como já comentado nas linhas anteriores, o interesse de agir do processo de homologação dá-se com vistas a dar força executiva ao decisium alienígena. Assim, se a obrigação já tiver sido cumprida voluntariamente, por exemplo, não há o que se falar em homologação.

Assim é que homologada a sentença estrangeira fazer-se-á a extração da respectiva carta de sentença para que possa-se prosseguir com o processo de execução no juízo competente, in casu, previsto pelo artigo 109, X de nossa Magna Carta, in verbis:

"Aos juízes federais compete processar e julgar:

(....)

X - (...) a execução de carta rogatória, após o exequatur, e de sentença estrangeira, após a homologação".

A execução da sentença estrangeira segue os mesmo moldes aplicados às execuções dos títulos executivos nacionais, dependendo da obrigação a ser cumprida. "Não importa qual o tipo de execução a que se submete o executado/devedor, pois em qualquer dos casos não há no processo executório a preocupação em esclarecer a situação litigiosa, mas apenas da efetivação da obrigação pelo devedor que por meio do processo de cognição ou de documento firmado por ele com força executiva, comprovando-se o teor da obrigação: de dar coisa certa ou incerta, de fazer ou não fazer, de pagar quantia em dinheiro, estabelecendo a lei instrumental cível cada espécie de execução cabível ao caso. Assim é que temos: execução para entrega de coisa (art. 621), entrega de coisa incerta (art. 659), execução das obrigações de fazer ou não fazer (art. 632), execução por quantia certa contra devedor solvente (art. 646).

Assim, deve-se primeiramente ver a natureza da obrigação a ser efetivada para distinguir-se a natureza da execução"(SANTOS, 2004: 17)

2. A sentença estrangeira como título executivo judicial nos moldes do CPC pátrio

Como toda execução, também a da sentença estrangeira deve estar embasada em um título executivo.

É o título pressuposto necessário a toda e qualquer execução: nulla executio sine titulo. Por este delimita-se o modus operandi da execução, as partes envolvidas, o objeto. Conforme Carnelutti, apud Araken de Assis (2001: 132) "enquanto o processo de conhecimento se contenta com uma pretensão, entendida como vontade de submeter o interesse alheio ao próprio, bem mais exige o processo executivo, que reclama, para sua instauração, uma pretensão conforme ao direito. Em outras palavras: o juiz, no processo de execução necessita de âncora explícita para ordenar atos executivos, e alterar a realidade em certos rumos, do mesmo modo que o construtor de edifícios sem o respectivo projeto não saberia como tocar o empreendimento. Como jamais se configurará certeza absoluta em torno do crédito, a lei sufraga a relativa certeza decorrente de certo documento, que é o título. Faz o título prova legal ou integral do crédito".

Como preceituado nas notas introdutórias a essa obra, tem-se em mente o estudo de qual seria o título executivo a embasar a execução das sentenças alienígenas, tópico esse que iniciamos a análise à partir do item em estudo, e finalizamos a seguir.

Vejamos o que preconizam os vários dispositivos legais atinentes à matéria a iniciarmos pelo art. 584 CPC:

"São títulos executivos judiciais:

(...)

IV - a sentença estrangeira, homologada pelo Supremo Tribunal Federal".

Tal artigo deve ser analisado conjuntamente como o art. 484 do mesmo diploma legal que assim determina:

"A execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da homologação e obedecerá as regras estabelecidas para a execução nacional da mesma natureza".

Vê-se, claramente, pelos dispositivos legais citados ser a sentença estrangeira o título executivo judicial a embasar a execução. Alguma facção da doutrina entende que, em se tratando de execução de sentença, data maxima venia, o título executivo a embasar tal processo é a carta de sentença o que, de pronto, resta infundado. Assim o ilustre Alexandre Pimentel (p. 414): "por fim não se deve pensar que a sentença estrangeira, uma vez homologada, constituirá, ela mesma, título executivo judicial. Na verdade o título executivo será a carta de sentença que se extrairá do procedimento de homologação (...)".

Sobre essa temática discorre-se no item à seguir, definindo-se o posicionamento pelo qual a sentença estrangeira constitui, por excelência, o título executivo judicial a embasar o processo executivo.

3. A carta de sentença no ordenamento pátrio: título executivo judicial ou meio procedimental?

Conforme preceitua o Regimento Interno de nosso Pretório Excelso:

"Art. 347. Será extraída da carta de sentença, a requerimento do interessado, para a execução da decisão:

I - quando deferida a homologação de sentença estrangeira;

II - quando o interessado não a houver providenciado na instância de origem e pender de julgamento do Tribunal Recurso sem efeito suspensivo.

Por seu turno salienta o art. 349 do mesmo Regulamento citado:

"A carta de sentença conterá as peças indicadas na lei processual e outras que o requerente indicar, será autenticada pelo funcionário encarregado e assinada pelo Presidente ou Relator".

Como citado em linhas anteriores, não vislumbra-se a carta de sentença como uma das espécies de título executivo, mas sim como um meio procedimental executório, apesar de ecoar na doutrina vozes que pensam exatamente o contrário.

Conforme os dispositivos legais supracitados, a mesma será extraída dos autos da homologação, mediante requerimento do interessado ao Presidente do Supremo Tribunal Federal ou ao Relator, com agravo para o Plenário em caso de indeferimento (cf. Regimento Interno STF, arts. 224, nº I, 348 e 317).

Viu-se também que a carta de sentença conterá as peças indicadas na lei processual - in casu o Código de Processo Civil - bem como com as indicadas pelo requerente. São elas: a autuação, a petição inicial, as procurações outorgadas pelas partes, a contestação e a sentença exeqüenda, tudo de conformidade com o artigo 590, incisos I a V de nossa lei instrumental cível.

O requisito previsto pelo inciso V de referido artigo - despacho do recebimento do recurso - tem em vista que tal artigo foi redigido visando a execução provisória (cf. art. 589, CPC). O requisito do inciso IV - sentença exeqüenda - tem que ser interpretado como alusivo à sentença estrangeira e à decisão de homologação, "pois nem uma, nem outra, por si só constituiria título executivo: executa-se a sentença estrangeira homologada. Se tiver havido habilitação no processo de homologação, a carta conterá ainda a sentença que a julgou (art. 590, Parágrafo único)". (REIS, 1998: 59 )

A carta de sentença como meio procedimental, defendido nesta obra, explica-se em função de ser a mesma como que um "meio probatório" da aceitação da decisão alienígena pelo ordenamento pátrio, vez que extraída dos autos da homologação, correndo em autos autônomos, fazendo com que a sentença conste de um instrumento hábil à sua execução. Tanto que o art. 590, I, CPC exige sua autuação, como que um novo processo, como que um auto suplementar, numa tentativa de desburocratizar a execução de tal decisão, sem que fosse necessário que todo o processo homologatório seguisse para o juízo competente à execução, esse estudado em item próprio.

A carta de sentença torna-se, assim, um auto suplementar a instruir todo o processo de execução por meio de todos os elementos exigidos no art. 590 de nossa lei instrumental cível, que se aplicam às sentenças estrangeiras, a teor do art. 484 (ou 416), e que consistem nos elementos básico do processo.

Ex vi, demonstra-se nesta obra que o título executivo judicial não é como pensa uma facção da doutrina a carta de sentença, mas sim a própria sentença estrangeira, como fundamentação a seguir exposta.

À luz do nosso Código de Processo Civil temos que:

Art. 584. São títulos executivos judiciais:

I - a sentença condenatória proferida no processo civil;

II - a sentença penal condenatória transitada em julgado;

III - a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que verse matéria não posta em juízo;

IV - a sentença estrangeira, homologada pelo Supremo Tribunal Federal;

V - o formal e a certidão de partilha;

VI - a sentença arbitral".(grifo nosso)

Tem-se como visto em capítulo anterior que a sentença estrangeira é a decisão proferida pelo Tribunal alienígena e que, nos moldes da lei processual, título executivo judicial. Por seu turno, a carta de sentença como exposto é a forma, um "meio probatório", um auto suplementar utilizado como uma maneira de facilitar a ação executiva, sendo somente um dos tantos procedimentos do processo executivo.

Porém, como citado, alguns doutrinadores, entre os quais o ilustre Alexandre Pimentel, não vislumbram por esse ângulo tal temática, concluindo ser a carta de sentença o título executivo judicial. Na mesma esteira de raciocínio encontra-se o ilustre Humberto Theodoro Jr (2003: 78) para quem "o título é a carta de sentença extraída dos autos da homologação (art. 484)".

O que entende-se nesta obra é a inadmissibilidade em se aceitar que a carta de sentença seja tida como título executivo, pois como bem leciona XXXXX "toda sentença condenatória é título executivo judicial. (...)

(...) a execução não permite que se realize interpretação extensiva no tocante ao artigo 584 do CPC.

Deve ser observado, no entanto, que todos os títulos executivos judiciais possuem uma característica comum: ser res judicata, sendo pois coisa julgada, a matéria é indiscutível.

Sendo assim, os títulos executivos judiciais são exclusivamente os arrolados nos vários incisos do art. 584 do CPC.

Cumpre ainda salientar que identifica-se, na execução, certos valores, originados de prévio consenso, que constituem princípios, entre os quais, o princípio do título. Quem bem o explicita é o sempre ilustre Araken de Assis, princípio esse também ressaltado por Friede Reis, em sua obra comentários ao Código de Processo Civil.

Assim é que tem-se pelo artigo 583 do CPC:

"Toda execução tem por base título executivo judicial ou extrajudicial".

A ação executória sempre dependerá da apresentação de um título executivo, seja o mesmo judicial ou extrajudicial, sob pena de nulidade, consoante dispõe o inciso I, art. 618 do CPC:

"É nula a execução:

I - se o título executivo não for líquido, certo e exigível (art. 586)".

Isto quer dizer que considerar a carta de sentença como título executivo significa ferir o princípio do título, vez a enumeração do art. 584 do CPC ser exaustiva e não exemplificativa, ou seja, somente os descritos em referido artigo possuem os elementos característicos e essenciais da execução, frise-se, a certeza, a liquidez e a exigibilidade, que, no caso sub judice, seriam encontrados na sentença estrangeira e nunca na carta de sentença, vez esta ser apenas um meio procedimental.


Bibliografia

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Sobre a autora
Carmen Roberta dos Santos

advogada em Recife (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Carmen Roberta. O processo de execução da sentença estrangeira:: refletindo a carta de sentença como meio procedimental executório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 485, 4 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5869. Acesso em: 24 abr. 2024.

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