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O novo coronelismo

26/03/2018 às 09:15
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O novo coronelismo ajuda a formar as maiores bancadas hoje existentes no Congresso. Conservadoras, adotam a tese de que é preciso mudar sem que nada mude. As questões ambientais, dos direitos humanos e do uso e parcelamento racional da terra são para essas elites temas inconvenientes e até proibidos.

O Brasil ainda vive o coronelismo. 

No passado, o ministro Victor Nunes Leal escreveu "Coronelismo, enxada e voto", publicado em 1948. É  um estudo da vida política brasileira a partir do sistema do coronelismo, que o autor considera sistema político. Chefes políticos, proprietários de terras, senhores do bem e do mal, os coronéis são figuras marcantes na história e na literatura brasileiras.

Os coronéis fazendeiros não eram militares de carreira. Pertenciam à Guarda Nacional, milícia cidadã, da qual teoricamente faziam parte todos os eleitores. No período do Império (1822-1889), o voto era censitário (baseado na renda), só uma elite votava.

Os fazendeiros adquiriam legalmente a patente de coronel, que lhes dava o direito de constituir tropas provisórias em caso de conflito. Dessa forma, controlavam também a polícia, seu instrumento principal de abuso do poder.

Na República Velha (1889-1930), o presidente Campos Sales (1898-1902) criou a "política dos governadores", dando forma às relações sociopolíticas dentro dos limites do "é dando que se recebe". Esse quadro deu início a uma cadeia de favores, que se estendia desde o relacionamento entre o presidente da República e os governadores dos Estados até o relacionamento entre os coronéis e os trabalhadores rurais. Assim, num encadeamento autoritário, as decisões deveriam ser acatadas em todos os níveis para que as reivindicações fossem atendidas.

Sem uma legislação que os protegesse, os trabalhadores rurais, por concessão dos coronéis, residiam dentro das fazendas e recebiam um ordenado miserável. Em troca disso, aceitavam o voto de cabresto, elegendo os candidatos apoiados pelo patrão. Durante a República Velha, a votação não era secreta, o que permitia a constatação do voto pelos membros da mesa eleitoral. Os desobedientes sofriam desde uma advertência verbal até o castigo físico, além de correrem o risco da perda do emprego e da moradia.

O coronelismo representou a tentativa de conservação do poder privado frente a sua decadência. O seu ponto central era a relação de compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido.

A superposição do regime representativo, em base ampla a essa inadequada estrutura social, havendo incorporado à cidadania ativa um volumoso contingente de eleitores incapacitados para o consciente desempenho de sua missão política, vinculou os detentores do poder público, em larga medida, aos condutores daquele rebanho eleitoral.

Chegamos aos dias de hoje.

Não tem mais o bico de pena, do voto de cabresto, mas tem o sistema de aliança, que é mais fluido. As alianças vão desde a base até em cima. É urbano. O coronel tradicional tinha cartucheira atravessada no peito. O neocoronel é um homem de cidade. São bacharéis, pessoas ilustradas, mas que sabem onde está o peso da máquina, onde está a força do poder. Eles costumam penetrar nas universidades. É um coronelismo ilustrado, mas é um coronelismo, como afirmam os estudiosos.

O coronelismo moderno se identifica, como sempre em seu germe, com a formação de clãs familiares. Essas  grandes famílias se apropriaram do poder no Brasil, principalmente nas regiões mais pobres, rateando a máquina pública entre seus representantes. Elas rateiam o poder, colocando seus representantes nas posições decisórias.

O Nordeste é um exemplo patético. Tanto proporcionalmente quanto em números absolutos. De cada dez parlamentares que assumiram o mandato por um dos nove estados nordestinos, seis têm algum parentesco com outras figuras do mundo político. A prática da política em família é comum a 97 dos 161 deputados da região.

Esse novo coronelismo ajuda a formar as maiores bancadas hoje existentes, quais sejam: a do boi, a da bala, que se aliam a chamada bancada da bíblia. Conservadoras e apoiadoras do status quo, adotam a tese de que  é preciso mudar sem que nada mude. As questões ambientais, dos direitos humanos  e do uso e parcelamento racional da terra, seja no espaço urbano ou rural,  são para essas elites temas inconvenientes e até proibidos.

Esse coronelismo está entre os integrantes da  base de  formação do chamado “centrão”, que  tem, em sua  maioria,  um perfil conservador. Com 42% do total de cadeiras da Câmara, controla 53% da bancada evangélica, 49% da bancada da bala e 46% da bancada ruralista.

As promessas feitas aos eleitores, em cada período eleitoral, são as mesmas, uma vez que apresentadas de forma genérica e sem conteúdo. Baseiam-se nas mensagens do protetor para o seu protegido num contexto de assistencialismo voraz. Interessa ao coronelismo entreter o eleitor com pão e circo. Daí porque impressionam as cifras pagas a bandas musicais pelos grupos políticos que monopolizam o poder em localidades pobres como meio de alegrar a população tão carente. 

O coronel busca sempre dizer que traz a verdade para o destinatário do seu discurso. Surge entre o coronel e o seu vassalo algo como um estranho consenso. A pragmática, dentro dos estudos de semiótica, faz a distinção entre a discussão-com e a discussão-contra. Na primeira, as partes que discutem são homólogas(que mantém com outro elemento similar uma relação de correspondência); na segunda, heterólogas. Na primeira, apenas, a busca da verdade como condição do consenso é possível; na segunda, o consenso é possível, mas não em razão da verdade(que ali se torna função do consenso), mas em razão de uma decisão. Na situação homológica, a possibilidade de verdade por si só garante uma passagem da estrutura dialógica para a monológica, pois a discussão-com vive dessa tentativa que o orador conseguir que o ouvinte se renda(se convença).

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Na situação heterológica não se  instaura uma perspectiva  privilegiada dessa natureza, mas apenas um esquema unitário que coordena a pluralidade dos pontos de vista que continuam a se determinar mutuamente, um em oposição ao outro. A língua e a fala num mundo de subordinação politica e económica se distinguem claramente. Há a fala que, para Saussure, é um ato individual de vontade e inteligência, no qual convém distinguir: 1o) as combinações pelas quais o falante realiza o código da língua no propósito de exprimir seu pensamento pessoal; 2o) o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar essas combinações”. [SAUSSURE, 2002: 22]

O servo, sob domínio da vontade do coronel, realiza um verdadeiro código de língua próprio para exprimir um pensamento pessoal convergente a vontade de seu chefe politico. Mira o coronelismo o clientelismo, que é  prática eleitoreira que consiste em privilegiar uma clientela ('conjunto de indivíduos dependentes') em troca de seus votos; troca de favores entre quem detém o poder e quem vota. O coronelismo vive irmanado ao clientelismo e esse é parceiro que tem convivência com a corrupção. Isso contribui para o estado de coisas que hoje vivemos.

Não se tem dúvida de que o Congresso Nacional vive, dentro das agruras trazidas à Nação, num estado calamitoso. Dir-se-á que o poder emana do povo.  Afinal, o voto pertence ao eleitor e não ao eleito que seria apenas o seu delegado. Na verdade, essa classe politica já não mais nos representa. 

Dir-se-á que a saída é a educação e as formas como o recall, instrumento já testado em democracias, como a norte-americana e a suíça, com resultados positivos. Mas, para que o recall seja adotado, como meio para expurgar representantes políticos indesejados, será necessário uma emenda constitucional que, certamente, não estaria nas cogitações do Congresso Nacional que temos.

Ademais, é mister que se diga que não há solução fora do que prevê a  Constituição. Num Congresso Nacional onde se formam maiorias conservadoras e reacionárias há poucas esperanças de avanços. Mas a sociedade está doente. Observem os índices de violência, o desemprego, a miséria apavorante, o mau uso do vernáculo, com discursos, falas, que mais revelam sons onomatopaicos(aproximação de certos ruídos), criando como que verdadeiros dialetos próprios de formações sociais próprias, como que gerando um estado cultural independente. 

Num universo social de ignorância larvar, é lamentável ver, num sentido diacrônico, num estágio histórico, o empobrecimento cultural da língua, sintoma de um corpo que quer putrefar, apodrecer. Num universo como esse torna-se cada vez mais difícil, dentro de um ambiente coloquial, identificar sintagmas(unidade formada por uma ou várias palavras que, juntas, desempenham uma função na frase). O paradigma é o pavor diante desses dados que se associam na memória, formando um conjunto perturbador. Como ter isso como referência ou um modelo a seguir? 

Como pensar em mudanças diante de estatísticas preocupantes com uma corrupção alarmante? De muito interesse para os estudos sociais no Brasil os dados revelados pela  pernambucana Nara Pavão, mestra e doutora em Ciência Política pela universidade de Notre Dame (USA) e atualmente fazendo pós-doutorado em Vanderbilt. Ela cruza respostas a diferentes pesquisas de opinião e examina uma aparente incoerência: 98% da população brasileira acham que a corrupção é um problema condenável e, no entanto, continua elegendo e reelegendo corruptos.

O eleitorado tem noção do câncer que devora sua sociedade, mas parece querer conviver com ele. Certamente a educação é a saída para isso. Não há democracia, não há desenvolvimento, sem educação em todos os níveis. A educação está acima de problemas econômicos, sejam conjunturais ou estruturais. Mas, sem dúvida, a educação não está entre os remédios que a classe política aqui ilustrada tem como prioridade. Para isso, necessário o embasamento nas ações pedagógicas e fazer da escola um lugar agradável, incentivando-se a pesquisa. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O novo coronelismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5381, 26 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58766. Acesso em: 2 nov. 2024.

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