Capa da publicação Extinção do agravo retido no novo CPC
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Andou bem o novo Código de Processo Civil ao extinguir a modalidade retida do agravo?

Uma análise entre os Códigos de Processo Civil de 1973 e 2015

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28/06/2017 às 13:10
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Análise da sistemática adotada pelo novo CPC para o recurso de agravo, comparando-o ao código anterior.

Introdução

Por primeiro, vale dizer que a natural insatisfação humana em face das contrariedades mais simples do cotidiano pode ser considerada a inspiração para o surgimento dos métodos de revisão, reanálise e rediscussão das mais diversas situações, entre os quais, os recursos judiciais.

Sabidamente as relações entre particulares, superada a fase da autotutela, dão ensejo a demandas judiciais que são decididas por um juiz singular. Estas decisões, proferidas pelo Estado, alheio à relação discutida, normalmente resolvem o conflito entre as partes do processo e por óbvio, geram insatisfações, posto que uma das partes, ou ambas, restará perdedora e a outra vencedora na contenda.

Especificamente, no processo judicial a insatisfação gerada nas partes em razão do insucesso de sua demanda faz surgir o desejo de ter a reanálise da decisão proferida. Esta rediscussão, em regra, é levada a efeito por um órgão colegiado, composto por juízes mais experientes, os quais proferirão uma nova decisão que reformará ou manterá a decisão impugnada.

O ordenamento jurídico brasileiro produziu as Leis nº 5.869/1973 e 13.105/2015, as quais instituíram os Códigos de Processo Civil com suas respectivas vigências. As referidas leis trazem em seus textos as decisões possíveis de serem proferidas em um Processo Civil e os respectivos recursos cabíveis, contudo, a Lei nº 13.105/2015 deixou de prever a modalidade retida do recurso de Agravo.

Nesta esteira de pensamentos, o que se discute é se houve progresso ou retrocesso na questão relativa a marcha processual em oposição ao aparente estreitamento da via recursal e o possível cerceamento de defesa.


1.            A natureza jurídica dos recursos judiciais

Inobstante a natural insatisfação humana diante de adversidades poder ser considerada um dos fundamentos da existência dos recursos, seria deveras simplista atribuir somente a essa característica humana o surgimento de tão importante instrumento.

Oportuno ressaltar a função do Estado moderno quanto à judicialização dos conflitos, o qual, em linhas gerais, é um Estado Social, com efetiva participação na vida das pessoas, a fim de garantir-lhes a vida e o desenvolvimento, através da resolução dos conflitos e pacificação social. Entende-se, pois, que “ao Estado se reconhece a função fundamental de promover a plena realização dos valores humanos, isso deve servir, de um lado, para pôr em destaque a função jurisdicional pacificadora como fator de eliminação dos conflitos que afligem as pessoas e lhes trazem angústias; de outro, para advertir os encarregados do sistema, quanto a necessidade de fazer do processo um meio efetivo para a realização da justiça. (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2008, p.31)”.

Ou seja, importante que o Estado não perpetre injustiças e evite ao máximo a ocorrência de erros em suas decisões. Nesse sentido, convém ao Estado que as decisões proferidas pelo juízo singular sejam revistas por colegiados de magistrados mais experientes, de forma a diminuir a possibilidade de injustiça.

São incontroversos os efeitos benéficos deste sistema de recursos, posto que promovem a pacificação social através da diminuição da possibilidade de erros in judicando considerando-se a revisão das decisões do juízo singular pelo órgão colegiado. Outro efeito deste sistema de recursos é o desejo do juízo de primeiro grau de não ver suas decisões reformadas pelo órgão superior, haja vista este fato poder impactar negativamente em futuras promoções em sua carreira. Por fim, os efeitos de ordem psicológica gerados nas partes da demanda as quais tendem a se conformar de maneira mais fácil ante decisões proferidas em sede de recurso.


2.            Direito constitucional ao duplo grau de jurisdição?

Em verdade, não é pacífica a questão acerca do duplo grau de jurisdição ser direito inerente a todos aqueles que litigam no judiciário, posto que não é garantida a todos a faculdade de ver as decisões judiciais que o atingem ser rediscutidas por outro órgão, hierarquicamente superior àquele que proferiu a primeira decisão, tal qual ocorre nos raríssimos casos de competência originária diretamente nos Tribunais Superiores.

Primeiramente, é necessário distinguir a natureza jurídica do direito ao duplo grau de jurisdição nas esferas civil e penal.

A fim de pacificar a celeuma, importa salientar que somente na esfera penal o duplo grau de jurisdição é garantido constitucionalmente. Inobstante não figurar literalmente no texto constitucional, é elevada a norma constitucional em respeito ao artigo 5º, § 2º da própria Constituição Federal.

Nesse sentido, a Convenção Americana de Direitos Humanos, que incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 678/92, foi elevada a Norma Constitucional após o julgamento do HC 90.450-5 MG, conforme voto do Ministro Celso de Mello:

tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil [ou aos quais o nosso País aderiu] entre a promulgação da Constituição de 1988 e a superveniência da EC nº 45/2004 [referidos tratados assumem caráter materialmente constitucional, porque essa qualificada hierarquia lhe é transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade, que é a “somatória daquilo que se adiciona à Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados”]

Por outro lado, na esfera cível, não se trata de garantia constitucional o duplo grau de jurisdição, tratando-se, pois, de consectário da estrutura do Poder Judiciário e das leis processuais. “Não está prevista no rol bastante citado do art. 5º, mas decorre do sistema constitucional. A estrutura do Poder Judiciário é escalonada em graus de jurisdição, afirmando o texto constitucional em várias passagens a competência dos tribunais para julgar “em grau de recurso”, daí a natural consequência de que, em princípio, as decisões não devem ser únicas” (GRECCO, 2003, p. 51).


3.            Os recursos do processo civil

Os recursos judiciais, também apelidados de “remédios” por alguns autores, “são mecanismos previstos no ordenamento jurídico que possuem por finalidade sanar os atos processuais de eventuais vícios, de forma ou conteúdo.” (Gonçalves, 2005, p. 33).

No ordenamento jurídico brasileiro somente podem ser interpostos recursos contra atos judiciais que tenham algum conteúdo decisório capaz de causar prejuízo a alguém. Ou seja, somente os atos judiciais emanados do Juízo podem ser atacados por recursos, como as sentenças e as decisões interlocutórias.

Da sentença pode ser interposta Apelação e da decisão interlocutória pode ser interposto o Agravo, além dos Embargos de Declaração, que podem ser interpostos em face de ambas as decisões, se estas possuírem omissão, contradição, obscuridade ou erro material. 


4.            Recurso de agravo

1.1.       Evolução do agravo no Código de Processo Civil de 1973

A fim de estreitar a discussão ao primeiro grau de jurisdição, o Agravo é um recurso cabível contra as decisões interlocutórias proferidas no curso da demanda, capazes de causar prejuízo a uma das partes, contudo, sem a pretensão de pôr fim ao processo.

Em sua redação original, a Lei nº 5.869/73 trazia o recurso de Agravo de Instrumento como regra, cabível contra todas as decisões proferidas no processo, ressalvados os casos em que era cabível a Apelação. A modalidade retida era a exceção, opção que deveria ser expressamente requerida pelo recorrente e suscitada em preliminar de Apelação para seu devido conhecimento e julgamento.

O texto de Lei nº 9.139/95 trouxe pouca evolução prática ao instituto do Agravo posto que somente estabeleceu não haver regra entre as duas modalidades de Agravo, quais sejam, a Retida e a de Instrumento. Em verdade esta Lei deixou ao critério do recorrente escolher a modalidade que lhe aprouvesse ao não estabelecer requisitos específicos a cada uma das modalidades.

Também a Lei nº 10.352/01 trouxe poucas alterações ao instituto do Agravo alterando levemente seu manejo quanto ao momento de oportunizar o contraditório e o consequente juízo de admissibilidade. Por outro lado, inovou pouco mais ao iniciar o estabelecimento de critérios à interposição das modalidades do Agravo. Estabeleceu que deveria ser interposta a modalidade retida quando em face de decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento e nas proferidas após à sentença, autorizando sua interposição por instrumento nos casos de perigo de dano de difícil e incerta reparação, nos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida.

Somente com a edição da Lei nº 11.187/05 foi elevada à regra a modalidade retida do agravo e à exceção a modalidade por instrumento, restando claro o objetivo de evitar a interposição indiscriminada deste instituto recursal. Ficou estabelecido que somente seria cabível a interposição da modalidade de instrumento do agravo nos casos de decisões suscetíveis de causar às partes risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Outra inovação foi a obrigatoriedade de se interpor oral e imediatamente o agravo retido em face das decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento.

1.2.       Do recurso de agravo no Novo Código de Processo Civil

Em um primeiro momento é possível verificar que o texto da Lei nº 13.105/2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil, deixou de prever a modalidade retida do recurso de Agravo.

Atualmente somente é previsto o Recurso de Agravo de Instrumento, cujo rol taxativo está previsto no artigo 1.015 do ordenamento processual civil, tratando-se, pois, de numerus clausus de hipóteses.

Contudo, por óbvio, é impossível para qualquer texto de lei prever todas as situações possíveis de serem decididas durante a instrução processual. E, em sendo proferida uma decisão acerca de qualquer hipótese não prevista no rol de situações recorríveis por Agravo de Instrumento poderia se pensar que seria caso de uma decisão irrecorrível, posto que não há outro recurso previsto para decisões interlocutórias proferidas durante marcha processual.

Cumpre destacar, porém, que as questões incidentais que forem decididas pelo juiz no curso da demanda e que não estejam elencadas no taxativo rol de hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento não são atacadas imediatamente pelo fenômeno da preclusão.

Ressalte-se que a questão decidida incidentalmente antes da sentença, cuja matéria não esteja prevista no artigo 1.015 do Novo Código de Processo Civil, não poderá ser atacada pela parte sucumbente, como outrora se procedia lançando-se mão do Agravo Retido. Porém, isso não significa dizer que aquele que sucumbiu em razão do mérito da decisão nunca poderá se insurgir contra tal decisão. 

A sistemática prevista pelo código vigente estabelece que, após ser proferida uma decisão interlocutória contra a qual não caiba Agravo de Instrumento, ainda que ocorra prejuízo a uma das partes, nada poderá ser feito naquele momento. O processo seguirá em seus ulteriores termos e a decisão surtirá seus efeitos normalmente até a sentença.

Com a prolação da sentença inicia-se às partes o prazo de quinze dias para interposição da Apelação, desconsiderando-se, para fins didáticos, a possibilidade de interposição de Embargos de Declaração.

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Juntamente com a Apelação, inserida em suas razões ou contrarrazões, em sede de Preliminar, a parte deverá suscitar a rediscussão das decisões interlocutórias não agraváveis proferidas no curso do processo. Ou seja, o advogado deve se atentar para as questões relacionadas às decisões interlocutórias que ocorrem durante o processo e que não podem ser objeto de Agravo, solicitando seu reexame em preliminar de Apelação, sob pena de preclusão.

Ressalte-se que isso não é cabível nos casos de interlocutórias agraváveis, pois, se a matéria constar do rol do artigo 1.015 do Novo Código de Processo Civil e o Agravo de Instrumento não for interposto no prazo, a matéria torna-se preclusa.

Ressalte-se também que esta preliminar pode ser suscitada em razões ou contrarrazões de apelação. Por tal razão e em respeito à regra do contraditório, caso o recorrido suscite tais preliminares em suas contrarrazões, o recorrente terá vista dos autos para manifestar-se acerca destas preliminares em quinze dias.


Conclusão

Conforme se observa da nova sistemática adotada pelo Código de Processo Civil vigente, o Agravo Retido perdeu sua função em razão da alteração do sistema de preclusões. As decisões que não podem ser objeto de Agravo de Instrumento continuam sendo passiveis de recurso, porém, apenas por ocasião da Apelação.

Nessa toada, ocorreu a exclusão da modalidade Retida do Agravo do sistema processual civil. Porém, inobstante ter ocorrido a exclusão desta modalidade de recurso, não se pode falar em cerceamento de defesa ou afronta a princípios garantidos pela Constituição Federal, posto que toda a matéria aventada no processo continua sendo passível de impugnação.

Em verdade, o que se percebe é que Novo Código de Processo Civil procurou tornar mais célere o processo através da simplificação de procedimentos.

Com respeito à exclusão do Agravo Retido, como já referido, alterou-se o sistema de preclusões e possibilitou que as matérias que outrora eram recorridas por esta modalidade de Agravo fossem concentradas nas razões de Apelação, se o caso.

Ou seja, não há a necessidade de interpor Agravos sucessivos durante toda a marcha processual, apenas para evitar a preclusão da matéria. Estes Agravos, que na maioria das vezes, eram julgados prejudicados em razão do teor da sentença, somente terão suas matérias rediscutidas quando da Apelação, se houver necessidade.

Trata-se, pois, de procedimento muito mais inteligente do que aquele previsto no Código de Processo Civil de 1973, com objetivo de simplificar o sistema de recursos do Processo Civil Brasileiro e evitar interposição de recursos desnecessários.

A referida simplificação de procedimentos não significa a supressão de possibilidades de recursos e consequente cerceamento de defesa, pois o novo Código de Processo Civil é disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição, nos termos de seu artigo 1º.

Por fim, sequer se poderia admitir que houvesse outro entendimento, pois o processo civil é ramo de direito público, de interesse do Estado, consubstanciado em um conjunto de ações desencadeadas com o fim de eliminar conflitos.

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Sobre o autor
Rogério Ferreira Generoso

Oficial de Justiça TJ-SP, Bacharel em Direito pela Faculdade Marechal Rondon; Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Norte do Paraná; Pós Graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Legale.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GENEROSO, Rogério Ferreira. Andou bem o novo Código de Processo Civil ao extinguir a modalidade retida do agravo?: Uma análise entre os Códigos de Processo Civil de 1973 e 2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5110, 28 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58777. Acesso em: 21 nov. 2024.

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