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O fracionamento de despesas na Lei n. 8.666/93 e a imprevisibilidade

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03/07/2017 às 10:23

Resumo:


  • A licitação é o processo administrativo formal pelo qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de obra, serviço, compra ou alienação, respeitando-se o princípio da isonomia e assegurando-se a igualdade de condições a todos os concorrentes, conforme disposto no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal e regulamentado pela Lei nº 8.666/93.

  • Existem modalidades de licitação, como concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão, e a lei também prevê casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação, conforme os artigos 24 e 25 da Lei nº 8.666/93.

  • O fracionamento de despesas para evitar a realização de licitação ou escolher modalidade menos rigorosa é vedado pela lei, mas há situações em que o parcelamento é admitido, como quando há viabilidade técnica e econômica ou imprevisibilidade, e não caracteriza fracionamento ilegal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Imprevisibilidade

Outro dado a ser considerado no tema fracionamento é a previsibilidade da nova contratação. Não se cogita, como é óbvio, de falta de previsibilidade pela ocorrência de emergência ou calamidade pública, cujo fundamento legal de dispensa de licitação é o inciso IV do art. 24, da Lei 8.666/93.

Mas, há sim que falar em previsibilidade se a nova despesa decorre de fato não previsto, nem previsível, quando da primeira contratação. O tema é tratado por Marçal Justen Filho.

 A Administração, diz o renomado autor, “dispõe da faculdade de programar suas contratações e de tratá-las autonomamente respeitados limites muito menos rigorosos do que se vem admitindo”. Mais: “Não é possível tratar objetos semelhantes como parcelas de uma única contratação. Ainda quando a natureza dos objetos for a mesma, se as contratações não puderem ser realizadas conjunta e concomitantemente, no mesmo local, não haverá o dever de somatório”. (ob. cit., p. 215)

Depois de analisar detidamente a hipótese, citando exemplo, afirma Marçal:

“Ou seja, se a segunda contratação era imprevisível, configura-se como impossível seu tratamento conjugado com a primeira. Não há como estabelecer o dever de prever o imprevisível, nem de tratar conjuntamente dois contratos quando nem se podia imaginar a existência de um deles. Portanto, se a segunda aquisição era imprevisível, a primeira deve ser tratada como autônoma. A primeira contratação foi realizada validamente, na modalidade de convite. A segunda contratação não apresenta vínculo com a primeira e, considerando exclusivamente seu valor, o caso é de dispensa.” (ob cit. p. 216)

Suponha-se que determinado órgão contrate com dispensa de licitação pelo valor uma empresa para serviço de conserto, limpeza, higienização e realocação de aparelhos de ar condicionado instalados em imóvel por ele ocupado em determinado endereço, no mês de novembro de determinado ano. Depois, em março do ano seguinte o órgão faça locação de outro imóvel, em endereço diverso, para novas instalações (sem se desfazer daquele anterior) onde estão instalados aparelhos de ar condicionado. Faz-se necessária a contratação de mesmo serviço para deixar esses aparelhos em condições de uso, até mesmo para preservar a saúde dos servidores, o que foi feito também com dispensa de licitação pelo valor.

Aqui não há se falar em fracionamento. Como o novo serviço, decorrente de fato superveniente (locação de imóvel) não era previsível quando da primeira contratação, não faz sentido somar os dois valores para dizer que era necessária a realização de licitação na modalidade de convite. O segundo fato era imprevisível, logo, correta a contratação também sem licitação, já que o valor não exigia o procedimento licitatório. Isso, sem considerar que as duas despesas ocorreram em exercícios financeiros diversos.

Nesse sentido também a jurisprudência:

“I. Obras e serviços de engenharia realizados em locais diversos, com valores individuais abaixo de quinze mil reais: dispensa de licitação – II. Obras e serviços de engenharia de mesma natureza realizados num mesmo local: II. 1. Regra: contratação única; II.2. Possibilidade de realização de várias contratações desde que mantida a modalidade licitatória pertinente ao valor do conjunto dos empreendimentos anuais; II.3. Possibilidade de parcelamento de contratações em modalidades de licitação mais simples ou ausência de licitação, quando comprovada imprevisibilidade ou maior vantagem para a administração pública.” (TCE-ES, TC-2311/2006, Consulta, j. 03/08/2006, Rel. Cons. Mário Alves Moreira) - grifei

“Ação de Responsabilidade por Improbidade Administrativa. Demanda que foi ajuizada com vistas ao reconhecimento de ilegalidade na realização de sucessivos pagamentos a oficina mecânica, por serviços de reparos em veículos da frota municipal, sem o prévio procedimento licitatório. Procedência decretada em primeiro grau. Decisório que não merece subsistir. Operações que, conquanto sucessivas, ao longo de quase três anos, não superaram individualmente o limite imposto no artigo 24, inciso II, da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), sendo dispensável a realização de concurso para escolha da empresa prestadora dos serviços. Fato da somatória dos pagamentos realizados superarem aludido limite legal que não tem o condão de caracterizar a ilegalidade aduzida na petição inicial da ação, visto que os contratos devem ser considerados de forma autônoma e isolada, ante a imprevisibilidade dos gastos necessários ao conserto dos veículos, arredando a pertinência da indicação da prática de ato de improbidade administrativa pelos acionados. Não demonstração, de qualquer modo, de que os corréus agiram com dolo e má fé, visando a lesar o erário. Agente público que só pode ser responsabilizado com base na Lei de Improbidade Administrativa se demonstrada sua má-fé. Objetividade jurídica da lei aludida que é a defesa da probidade e da fidelidade na administração do patrimônio público, merecendo então uma interpretação cuidadosa os seus arts. 9º a 11 que definem as modalidades de atos de improbidade, haja vista a gravidade das sanções cominadas, não se podendo prescindir da análise do elemento subjetivo. Apelos dos demandados providos para o fim de julgar improcedente o pedido.” (TJSP, Ap. n. 9186171- 97.2009.8.26.0000, 8ª C. Dir. Público, v.u., j. 28/09/11, Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti) – grifei.

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Conclusão

Para que não incida a vedação constante da lei, o importante, como dito de início, é que o fracionamento decorra de circunstâncias que impeçam a concretização da despesa como um todo, inclusive pela imprevisibilidade, e não da intenção deliberada do Administrador de assim agir para fugir da realização da licitação ou de modalidade mais complexa. Neste último caso configurado está o crime definido no art. 89 da Lei 8.666/93, ou, mesmo, ato de improbidade administrativa previsto nos arts. 10 ou 11 da Lei n. 8.429/92, dependendo da existência ou não de prejuízo ao erário.

“Apelação do Ministério Público. Artigo 89, da Lei 8.666/93. Intenção de fracionamento de compras não caracterizada. Ausência de prova do elemento subjetivo. Recurso improvido.” (TJSP, Ap. n. 0005495-32.2009.8.26.0415, 1ª C. Dir. Crim., v.u., j. 26/08/13, Rel. Des. Marco Nahum).

Assim, ocorrendo duas contratações de serviços ou compras de objetos idênticos ou semelhantes em curto espaço de tempo, sendo a segunda decorrente de fato não previsto, nem previsível quando da primeira, não está configurado o fracionamento vedado pela lei.

O que a lei não autoriza, antes proíbe, é o fracionamento deliberado, intencional, adotado como subterfúgio para escapar ao dever de licitar ou de proceder a modalidade de licitação mais complexa.


BIBLIOGRAFIA

JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 11ª ed., São Paulo, Dialética, 2005.

PALAVÉRI, Marcelo, Licitações Públicas, Editora Fórum, 2009, p. 326

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, Licitações e Contratos – Orientações do TCU, 4ª ed., 2010, p. 105, versão digital in http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2057620.PDF

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESPÍRITO SANTO, Consulta TC-028/2006, Processo      - TC-2311/2006, in http://www.tce.es.gov.br/portais/Portals/14/Arquivos/Biblioteca/AtosNormativos/PC028-06.pdf

SOUZA, Leonardo Baes L. de, Caracterização do Fracionamento ilegal de despesas sob a ótica do Tribunal de Contas da União, in https://jus.com.br/artigos/41108/

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Sobre o autor
Carlos Roberto Barretto

advogado, procurador de Justiça no Estado de São Paulo aposentado é autor dos livros "Os procedimentos Penais na Lei de Imprensa" (2ª ed., Juarez de Oliveira), "Lei de Imprensa Interpretada pelos Tribunais" (2ª ed., 2005, Juarez de Oliveira) e "Direito de Resposta - Comentários à Lei n. 13.188/2015", 1ª ed., Letras Jurídicas..

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRETTO, Carlos Roberto. O fracionamento de despesas na Lei n. 8.666/93 e a imprevisibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5115, 3 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58847. Acesso em: 22 dez. 2024.

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