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Os impactos da terceirização nos contratos de trabalho e a terceirização de atividade-fim do tomador de serviços

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11/09/2017 às 10:00
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Analisa-se a Lei nº 13.429/2017 – que dispõe sobre relações de trabalho na empresa de trabalho temporário e na empresa de prestação de serviços a terceiros -, com enfoque no aspecto da constitucionalidade da terceirização de serviços relacionados à atividade-fim do contratante, notadamente em face dos princípios da dignidade da pessoa e do valor social do trabalho aos terceirizados.

Resumo: O presente trabalho tem por objeto o estudo da terceirização no Brasil. Inicialmente, faz-se um exame do conceito do fenômeno, a fim de delimitar seu alcance. Em seguida, examinam-se os principais impactos da terceirização nos contratos de trabalho, a partir de dados fornecidos por pesquisas de relevo na área, sobre temas como salários, jornada, tempo de permanência de emprego, condições de trabalho e organização sindical dos trabalhadores terceirizados. Por fim, analisa-se a Lei nº 13.429/2017 – que dispõe sobre relações de trabalho na empresa de trabalho temporário e na empresa de prestação de serviços a terceiros -, com enfoque no aspecto da constitucionalidade da terceirização de serviços relacionados à atividade-fim do contratante, notadamente em face dos princípios da dignidade da pessoa e do valor social do trabalho aos terceirizados (artigos 1º, III e IV, da CF/88).

Palavras-chave: Terceirização. Regulamentação. Dignidade da Pessoa Humana


1. Introdução

O modelo toyotista de produção ganhou impulso no Brasil em 1990, com a abertura do país para o mercado externo.

A disseminação do toyotismo trouxe consigo a terceirização de serviços - principal estratégia de gestão do trabalho do referido modelo de produção -, causando perplexidade aos operadores do direito, que se viram diante do desafio de absorver tal fenômeno sócio-econômico e disciplinar seus principais efeitos jurídicos.

O presente estudo pretende demonstrar os impactos nefastos da terceirização nos contratos de trabalho, com o propósito de manter essa forma de contratação como excetiva - restrita às hipóteses de especialização da produção -, procurando, assim, conciliar os princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (artigo 1º, III e IV, da CF/88), com o princípio da liberdade de iniciativa.

Para tanto, parte-se da análise de dados a respeito da terceirização, apurados em relevantes estudos; bem como da Lei nº 13.429/2017 – que dispõe sobre relações de trabalho na empresa de trabalho temporário e na empresa de prestação de serviços a terceiros -, com enfoque no aspecto da constitucionalidade da terceirização de atividade-fim do contratante.


2. Terceirização. Conceito

A terceirização, conhecida também como desverticalização, exteriorização, filialização, reconcentração, focalização, parceria, colocação de mão de obra, intermediação de mão de obra, contratação de serviço ou contratação de trabalhador por interposta pessoa[1], designa fenômeno pelo qual há transferência de atividades entre empresas distintas, por meio de contrato de natureza civil celebrado entre elas.

Trata-se de neologismo com a palavra terceiro, proveniente da área de administração de empresas, pelo qual se pretende designar a transferência de atividades da empresa principal para empresas menores, terceiras em relação à principal[2].

Segundo José Cairo Júnior, terceirização constitui “procedimento adotado pela empresa que transfere a outrem a execução de uma parcela de sua atividade permanente ou esporádica, dentro ou além dos limites do seu estabelecimento, com a intenção de melhorar a sua competitividade, produtividade e capacidade lucrativa”[3].

Também ressaltando o caráter da transferência de atividades entre empresas, Arnaldo Süssekind informa que a terceirização é o termo pelo qual ficou conhecida “a horizontalização da produção de bens ou serviços, mediante contratação de pessoas físicas ou jurídicas especializadas em determinados segmentos da empresa contratante”[4].

Terceirização, portanto, é o epíteto que designa a transferência de atividades da grande empresa para empresas menores, que, por sua vez, têm a incumbência de contratar, remunerar e treinar trabalhadores que atuarão em benefício da grande empresa, no bojo de relação triangular, que se desenvolve entre empregado, empresa prestadora de serviços e empresa tomadora ou cliente.

Realçando o aspecto trilateral da terceirização, Maurício Godinho Delgado afirma que

[...] terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente.

Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata esse obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.[5]

Verifica-se, pois, que a terceirização implica a ruptura do modelo bilateral clássico da relação empregatícia - empregado-empregador -, com a inserção de um terceiro nessa relação jurídica.

Tal ocorre por meio de um processo de desconcentração da grande empresa - que detém os meios de produção e possui condições técnico-econômicas para arcar com os riscos do negócio -, com a transferência de parcela de suas atividades para empresas menores, cujo único capital, muitas vezes, é a exploração do trabalho humano que coloca a serviço da empresa tomadora.

Fácil concluir que o modelo triangulado de contratação coloca em risco todo o arcabouço principiológico e normativo trabalhista, trazendo “graves desajustes em contraponto aos clássicos objetivos tutelares e redistributivos que sempre caracterizaram o direito do trabalho” [6]

Por importar em ruptura do modelo de contratação previsto na CLT e na Constituição Federal, deve a terceirização ser considerada forma excetiva de arregimentação da força de trabalho, sob pena de completo desvirtuamento de todo o sistema de proteção erigido para tutelar o trabalhador, parte mais vulnerável da relação empregatícia.


3 Principais impactos da terceirização nos contratos de trabalho no Brasil

A terceirização é o principal produto do modelo toyotista de produção.

Tal modelo de produção se estrutura a partir da redução dos quadros funcionais da grande empresa, a qual expele de seu processo produtivo todos os empregados que exercem funções acessórias ao objetivo do empreendimento empresarial, mantendo apenas aqueles indispensáveis à consecução de sua atividade-fim.

A justificativa desse enxugamento é a de permitir à empresa se dedicar de forma primordial à sua atividade-fim, aumentando a produtividade e a qualidade de seus produtos, à medida em que se vale de prestadoras de serviços especializadas para o desempenho de atividades acessórias à dinâmica de seu empreendimento.

Nesse contexto, os empregados expurgados dos quadros funcionais da grande empresa são recontratados por empresas menores, prestadoras de serviços, responsáveis por registrá-los e remunerá-los, sendo, posteriormente, reaproveitados pela grande empresa, na condição de terceirizados.

Acerca desse processo, Ricardo Antunes afirma:

[...] no toyotismo tem-se uma horizontalização, reduzindo-se o âmbito de produção da montadora e estendendo-se às subcontratadas, às ‘terceiras’, a produção de elementos básicos, que no fordismo são atributos das montadoras. Essa horizontalização acarreta também, no toyotismo, a expansão desses métodos e procedimentos para toda a rede de fornecedores[7].

Todavia, passadas algumas décadas da adoção da terceirização no Brasil, que se intensificou no cenário social entre nós a partir de 1990, colhem-se resultados desastrosos para os contratos de trabalho, podendo-se citar redução do padrão salarial, maior rotatividade, aumento nos índices de acidente de trabalho, discriminação e desagregação da noção de classe operária dos trabalhadores terceirizados, dentre outros impactos.

Os aspectos deletérios da subcontratação de trabalhadores também são mencionados por Ricardo Antunes, que ressalta dentre eles:

a precariedade do emprego e da remuneração; a desregulamentação das condições de trabalho em relação às normas legais vigentes ou acordadas e a consequente regressão dos direitos sociais, bem como a ausência de proteção e expressão sindicais, configurando uma tendência à individualização extrema da relação salarial[8].

O dossiê elaborado pelo DIEESE/CUT[9], em setembro de 2011, a respeito dos impactos da terceirização no Brasil, traz dados estarrecedores acerca da precarização dos direitos dos trabalhadores terceirizados em diversos setores da economia.

A partir de dados levantados pela FUP (Fundação Única dos Petroleiros), mencionados no dossiê DIEESE/CUT, apurou-se que 98% das empresas que terceirizam serviços o fazem unicamente por redução de custos, sendo que apenas 2% utilizam o instituto da terceirização em busca de especialização técnica [10]. 

Ora, esse percentual evidencia a deturpação do mecanismo da terceirização, que tem sido usado, no mais das vezes, como forma de reduzir drasticamente custos, por meio da precarização dos direitos laborais, “através de baixíssimos salários, altas jornadas e pouco ou nenhum investimento em melhoria das condições de trabalho”.[11]

Tal situação é preocupante, já que os trabalhadores terceirizados ocupam 25,5% do mercado formal de trabalho[12], cabendo ressaltar que essa fatia pode ser ainda maior, eis que nesse setor muitos trabalhadores ainda permanecem na informalidade.

Segundo os dados do DIEESE, a mão-de-obra terceirizada é constituída, precipuamente, por grupos mais vulneráveis como mulheres, negros, jovens, migrantes e imigrantes[13], o que traz um relevante impacto social, já que, pelas condições precárias de trabalho, há um aprofundamento da vulnerabilidade de tais grupos.

Ademais, constatou-se no dossiê DIEESE/CUT que os trabalhadores terceirizados, em 2010, ganharam 27,1% menos que os empregados contratados diretamente[14]. 

Acerca do aspecto salarial, Márcio Pochmann, analisando dados do Ministério do Trabalho e Emprego do período de 1995 a 2010, concluiu, em pesquisa encomendada pelo SINDEEPRES – Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros no Estado de São Paulo – que os terceirizados percebem apenas a metade dos rendimentos auferidos por um trabalhador contratado diretamente em São Paulo[15].

O desnível salarial demonstrado nas pesquisas decorre da própria lógica do sistema, eis que, por meio da terceirização, se introduz um intermediário entre empregado e tomador de serviços, intermediário esse que retira sua fatia de lucro justamente do achatamento dos salários dos terceirizados.

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Com efeito, a terceirização, pela lógica mercadológica, somente se revela lucrativa para o empresário se o custo da contratação do trabalhador terceirizado for inferior àquele que teria caso o trabalhador fosse contratado diretamente. Desse modo, a fatia destinada à remuneração desse trabalhador terceirizado terá que ser menor que a seria gasta contratando-o diretamente, para compensar a adoção do sistema. Dessa remuneração, já inferior pelas razões explicitadas, ainda é subtraído o ganho da empresa terceirizada, responsável por colocar a mão-de-obra no mercado.

A inferioridade salarial dos terceirizados constatada nos estudos supramencionados impacta sobre todas as demais verbas calculadas com base no salário, como advertem Gabriela Neves Delgado e Helder Santos Amorim, ao afirmarem que:

Essa redução do nível remuneratório do trabalhador terceirizado impacta negativamente o poder de compra do salário, com repercussão negativa proporcional sobre todos os demais direitos patrimoniais incidentes sobre a remuneração (décimo terceiro, férias acrescidas do terço constitucional, FGTS, adicionais, gratificações, etc.), precarizando substancialmente a condição social do trabalhador[16].

Cabe salientar que a redução dos ganhos do trabalhador terceirizado, além de causar empobrecimento à classe operária, que vive dos seus salários, gera também custos sociais inegáveis, à medida em que aumenta a concentração de renda, além de reduzir a arrecadação fiscal e previdenciária, prejudicando, portanto, a sociedade como um todo.

Em relação à jornada de trabalho, o dossiê do DIEESE/CUT demonstrou que os trabalhadores terceirizados realizam “jornada de 3 horas a mais semanalmente”, concluindo que “se a jornada dos trabalhadores terceirizados fosse igual à jornada de trabalho daqueles contratados diretamente, seriam criadas cerca de 801.383 vagas de trabalho a mais”[17].

Tal conclusão, por si só, demonstra a falácia do argumento de que a terceirização gera mais empregos. Ao contrário, considerando a sobrejornada a que os trabalhadores terceirizados estão sujeitos, o que existe, de fato, é uma redução do número de postos de trabalho, com o aumento e a intensificação da jornada, gerando maior risco de adoecimentos relacionados ao labor.

Aliás, a redução dos postos de trabalho é própria do sistema toyotista, do qual a terceirização é produto, como salientado por Ricardo Antunes, ao afirmar que “o toyotismo estrutura-se a partir de um número mínimo de trabalhadores, ampliando-os, através de horas extras, trabalhadores temporários ou subcontratação, dependendo das condições de mercado”[18].

Outro efeito deletério da terceirização é a redução do tempo de permanência no emprego e aumento da rotatividade da mão-de-obra terceirizada. Segundo o dossiê DIEESE/CUT, “a permanência no trabalho é de 5,8 anos para os trabalhadores diretos, em média, para os terceiros é de 2,6 anos. Desse fato decorre a alta rotatividade dos terceirizados – 44,9% contra 22% dos diretamente contratados”[19].

Márcio Pochmann, analisando dados de São Paulo no estudo encomendado pelo SINDEEPRESS, o tempo médio de permanência no posto de trabalho é de cerca de 18 meses, o que equivale a um ano e meio de contratação. Ressalta, ainda, “a concentração dos contratos formais de curta duração nas empresas de terceirização. No ano 2000 havia 58% do estoque de trabalhadores terceirizados com contrato de trabalho com menos de 12 meses na mesma empresa”[20].

Ora, a redução do tempo de permanência no emprego dos trabalhadores terceirizados agride diretamente todo o arcabouço constitucional e legal de proteção ao trabalho, notadamente o princípio de continuidade da relação de emprego, inserto no artigo 7º, I, da Constituição Federal.

Ressaltando a importância da continuidade da relação de emprego, Maurício Godinho Delgado afirma que apenas mediante a “permanência e integração [do trabalhador] é que a ordem justrabalhista poderia cumprir satisfatoriamente o objetivo teleológico do Direito do Trabalho, de assegurar melhores condições, sob a ótica obreira, de pactuação e gerenciamento da força de trabalho em determinada sociedade”[21].

É cediço que quanto maior o tempo de trabalho de um empregado em uma determinada empresa, maiores tendem a ser os salários e os benefícios incorporados ao contrato de trabalho, donde se conclui que a alta rotatividade dos terceirizados também conspira para rebaixar os níveis salariais desses empregados.

Além disso, o tempo de duração do contrato de trabalho (ou pelo menos a expectativa de continuidade da relação laboral) costuma ser diretamente proporcional à quantidade de treinamentos e cursos ministrados ao trabalhador, conspirando para o seu aperfeiçoamento profissional, o que também resta frustrado para os terceirizados, pelo baixo tempo de permanência deles no emprego.

Ademais, a alta rotatividade gerada pela terceirização acarreta sucessivos períodos de desemprego, o que, além de causar danos à vida pessoal do trabalhador, pela instabilidade que essa situação gera, ainda produz custo social significativo pelo aumento da demanda de seguro-desemprego, bem como pela redução das contribuições vertidas para a Previdência Social, do recolhimento de impostos, bem como dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Gabriela Neves Delgado e Helder Santos Amorim chamam atenção ainda para outra decorrência da alta rotatividade e do baixo tempo de permanência dos empregados terceirizados, qual seja, a perda do gozo efetivo das férias, direito constitucional relacionado ao lazer e à recomposição das energias do trabalhador, necessário à higidez física e mental. Nesse sentido, afirmam:

[...] esses trabalhadores que têm seus contratos sucessivamente extintos antes de completar um ano de trabalho, não chegam a adquirir o direito às férias anuais remuneradas. Mesmo aqueles que têm seus contratos extintos ao final de cada ano de trabalho, apesar de adquirirem o direito às férias, na forma do artigo 130 da CLT, por não permanecerem no emprego nos doze meses consecutivos, que compreendem o período concessivo dessas férias, terminam por não usufruí-las, esvaziando sobremaneira a eficácia do direito previsto no artigo 7º, XVII, da Constituição, direito este voltado à regeneração física e mental e à promoção do convívio social e familiar[22].

Outro fator de precarização em relação aos trabalhadores terceirizados ocorre no momento da rescisão contratual, em que muitos empregados são abandonados à própria sorte, sem o pagamento das verbas rescisórias e dação de guias necessárias ao saque do FGTS e à habilitação junto ao seguro-desemprego.

Com efeito, as empresas prestadoras de serviços, no mais das vezes, não têm sólida capacidade financeira, sendo a exploração do trabalho humano - colocado a serviço do tomador de mão-de-obra - seu maior capital. Dessa forma, dependem do contrato civil mantido com a tomadora para pagar os direitos dos trabalhadores e extrair seu lucro.

Fácil é, pois, concluir que, quando há encerramento do contrato mantido com a tomadora, a prestadora de serviços, via de regra, fica sem lastro financeiro, gerando a inadimplência das verbas rescisórias devidas aos seus empregados e simplesmente some do cenário, deixando os trabalhadores ao desamparo.

Essa situação é ainda mais comum em se tratando de empresas que prestam serviços aos entes públicos, eis que a escolha se dá por meio de processo de licitação, normalmente sob o critério do menor preço, de modo que muitas prestadoras de serviços, para se sagrarem vencedoras, estipulam valores insuficientes para o correto pagamento dos direitos trabalhistas da mão-de-obra contratada, gerando inadimplência em relação aos terceirizados. Tal situação é bem enfatizada no dossiê do DIEESE/CUT, ao afirmar que muitas empresas prestadoras de serviços dos entes públicos:

“são criadas exclusivamente com este objetivo, apresentam valores de contrato abaixo dos valores necessários para cumprimento das obrigações trabalhistas cabíveis em processos rescisórios, ou seja, os chamados preços inexeqüíveis. O resultado desta prática para os trabalhadores é o desemprego repentino, acompanhado da falta de pagamento”[23].

Mais uma vez a lucratividade advinda com a terceirização ocorre pela repartição dos custos com os trabalhadores (parte diretamente lesada) e com a sociedade e o Estado, que observa a multiplicação de demandas trabalhistas motivadas pelo inadimplemento, por parte das prestadoras de serviços, das verbas contratuais e rescisórias devidas aos terceirizados.

Nesse sentido, arguta a observação de Márcio Pochmann, ao afirmar que “a flexibilidade para contratar tornou-se o imperativo da concentração de resultados e socialização de prejuízos impulsionados pela reestruturação empresarial” (destaques nossos)[24].

Outro impacto decisivo da terceirização nos contratos de trabalho dos terceirizados é a drástica piora nas condições de saúde e segurança do trabalho. Segundo o dossiê DIEESE, dados divulgados em 2005 pelo Ministério do Trabalho e Emprego “indicam que de cada dez acidentes de trabalho ocorridos no Brasil, oito são registrados em empresas terceirizadas e nos casos em que há morte, quatro entre cinco ocorrem em empresas prestadoras de serviço”[25].

Em setores perigosos, os dados são ainda mais alarmantes, conforme o dossiê DIEESE/CUT, que faz referência a estudo da subseção do Dieese do Sindieletro Minas Gerais, realizado em 2010, o qual revela “que entre 2006 e 2008, morreram 239 trabalhadores por acidente de trabalho, dentre os quais 193, ou 80,7% eram trabalhadores terceirizados”, bem como que “a taxa de mortalidade média entre os trabalhadores diretos no mesmo período foi de 15,06 enquanto que entre trabalhadores terceirizados foi de 55,53[26]”.

As causas do expressivo índice de sinistralidade envolvendo trabalhadores terceirizados decorrem da dinâmica da subcontratação de serviços. Com efeito, no mais das vezes, o trabalho dos terceirizados se desenvolve nas dependências da empresa tomadora, o que dificulta a adoção de condutas preventivas por parte da prestadora de serviços, que não tem ingerência quanto às medidas de saúde e segurança adotadas no âmbito da tomadora.

Já a tomadora de serviços, via de regra, não se preocupa em adotar medidas de prevenção em relação aos empregados da prestadora de serviços, mesmo estando obrigada a fazê-lo, por força do item 24.6.1 da Norma Regulamentadora nº 24 do Ministério do Trabalho e do artigo 5º-A, § 3º, da Lei nº 13.429/2017.

Ademais, outro fator que contribui para a eclosão das estatísticas alarmantes de acidentes de trabalho com empregados terceirizados é o fato de que as prestadoras de serviços normalmente têm reduzida capacidade econômica e tecnológica para o adequado gerenciamento das condições de risco do meio ambiente laboral, operando-se verdadeira transferência de riscos do empreendimento em prejuízo dos trabalhadores terceirizados[27]. A tomadora de serviços, ao contrário, possui maior capacidade financeira, e muitas vezes um nome a zelar no mercado consumidor, o que faz com que adote medidas adequadas para prevenir acidentes de trabalho em relação aos seus empregados diretos, olvidando-se, porém, dos terceirizados.

Ademais, também influi no incremento das estatísticas de acidentes de trabalho envolvendo trabalhadores terceirizados a circunstância de tais trabalhadores ocuparem os serviços mais perigosos e precários[28], com maior risco de sinistralidade.

Essa situação de insegurança no trabalho afeta não apenas os trabalhadores diretamente envolvidos, mas também toda a sociedade, tratando-se de relevante questão de saúde pública, eis que os trabalhadores terceirizados acidentados no trabalho acabam por pressionar o Sistema Público de Saúde e incrementar o número de benefícios previdenciários concedidos.

Além de todos os aspectos já analisados, a terceirização também produz outro efeito prejudicial: a fragmentação da organização sindical, com perda da identidade de classe e do vínculo de solidariedade existente entre os trabalhadores terceirizados.

Com efeito, no modelo de produção fordista, os trabalhadores estavam alocados no mesmo local de trabalho - a grande empresa vertical -, dividindo as alegrias e os dissabores do cotidiano laboral. Esse compartilhamento de experiências propiciava a identificação de classe e a união dos trabalhadores para fazer frente às investidas do capital, fortalecendo a atuação sindical.

Todavia, o modelo toyotista de produção rompeu com esse paradigma da fábrica vertical, que encerrava em si mesma todo o processo produtivo, substituindo-a pelo modelo horizontal de produção, no qual a grande empresa expele de seu processo produtivo os trabalhadores que exercem atividades acessórias ao objeto principal do empreendimento, mantendo em seus quadros o número de empregados minimamente necessário para consecução de sua atividade-fim.

Os trabalhadores dispensados pela grande empresa são absorvidos por empresas menores, prestadoras de serviço, que por sua vez coloca a mão-de-obra especializada à disposição da grande empresa, destinatária dos serviços, porém agora não mais como empregados diretamente contratados da tomadora e sim como terceirizados.

Ora, esse processo provoca evidente fragmentação dos trabalhadores terceirizados enquanto categoria, já que, no mais das vezes, laboram dentro das dependências dos tomadores de serviço, longe, portanto, dos demais colegas de trabalho terceirizados, dispersos entre diversos tomadores.

A pulverização dos trabalhadores terceirizados dificulta a organização sindical que, enfraquecida, não consegue negociar melhores condições de trabalho e remuneração, o que aprofunda a desigualdade, que se percebe claramente pelo padrão reduzido de salários e benefícios da categoria dos terceirizados.

 Por outro lado, a desigualdade do tratamento dispensado aos terceirizados no tocante à remuneração, benefícios e condições de trabalho dificulta a criação de laços de solidariedade com os empregados diretamente contratados pela tomadora, eis que, não obstante compartilhem o mesmo ambiente de trabalho, estão submetidos a realidades bem distintas.

Cabe ressaltar que essa desigualdade de condições laborais gera discriminação dos trabalhadores terceirizados em razão do menor padrão remuneratório e de benefícios, da baixa qualificação e da inferioridade da função exercida, que passam a ser tratados em seu próprio local de trabalho como “cidadãos de segunda classe” [29], em insustentável violação aos princípios da isonomia e não discriminação albergados constitucionalmente.

Após a análise dos impactos dramáticos da terceirização nos contratos de trabalho, concordamos com Gabriela Neves Delgado e Helder Santos Amorim ao classificar tais relações triangulares de trabalho “regime paralelo de emprego rarefeito”, o qual:

apesar da roupagem formal, mediante registro e observância esquemática de direitos trabalhistas, padece de déficit de efetividade normativa, por uma intensidade e por uma qualidade protetiva muito inferior ao padrão constitucionalmente assegurado às relações de emprego diretas, firmadas entre o obreiro e o tomador de serviços[30].

Embora a terceirização seja um fenômeno irreversível, eis que decorre de um modelo de produção largamente difundido no mundo cada vez mais globalizado, é preciso limitar os efeitos perversos e a precarização dos contratos de trabalho terceirizados.

Ainda que não seja possível, como advertem Gabriela Neves Delgado e Helder Santos Amorim, “a recuperação, nesse modelo de contratação trabalhista, do mesmo nível de proteção do emprego direto, socialmente protegido pela Constituição, senão pela própria cessação do modelo de intermediação de mão-de-obra”, eis que a precarização, em maior ou menor grau, é inerente à lógica do mercado da terceirização[31], pode-se avançar muito no sentido de restringir ao máximo as hipóteses de subcontratação de trabalhadores, admitindo-a apenas nas atividades-meio, e, ainda assim, mediante regulamentação exaustiva das condições de trabalho, com vistas a garantir a máxima efetividade aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho para os trabalhadores abrangidos por esse modelo de contratação.

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Sobre a autora
Juliana Ferreira de Morais

Juíza do Trabalho Substituta do Tribunal Regional do Trabalho da 2 Região; Formada em Direito pela Universidade Federal do Ceará; Especialista em Direito do Trabalho pela PUC - SP; Mestranda em Direito do Trabalho pela PUC - SP;

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Juliana Ferreira. Os impactos da terceirização nos contratos de trabalho e a terceirização de atividade-fim do tomador de serviços. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5185, 11 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58984. Acesso em: 19 abr. 2024.

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