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Os impactos da terceirização nos contratos de trabalho e a terceirização de atividade-fim do tomador de serviços

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11/09/2017 às 10:00
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4. Terceirização de atividade-fim e a Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017.

Diante dos impactos deletérios da terceirização nos contratos de trabalho, examinados no tópico anterior - dentre os quais podem ser citados redução do padrão salarial, maior rotatividade, aumento nos índices de acidente de trabalho, discriminação e desagregação da noção de classe operária dos trabalhadores terceirizados, dentre outros -, surgem opiniões divergentes dentre aqueles que enfrentam o fenômeno com olhar social.

Nesse sentido, Jorge Luiz Souto Maior defende a cessação da terceirização em serviços permanentes, por entender não caber “ao direito adaptar-se às injustiças e sim servir como instrumento efetivo de combate a todo tipo de redução da dignidade humana”[32]. Prossegue aduzindo que:

Uma terceirização, ou seja, a transferência de atividade que é indispensável à realização empresarial, de forma permanente – seja ela considerada meio ou fim, pouco importa – não pode, simplesmente, transferir-se a terceiro, sem que se aplique a tal negócio jurídico a regra de definição do empregador fincada no artigo 2º, da CLT, isto é, a consideração de que aquele que se utiliza de trabalhador subordinado e que assume os riscos da atividade econômica é o real empregador, sendo este, no caso, evidentemente, a dita empresa “tomadora” dos serviços.

De fato, o arcabouço normativo juslaboral foi erigido a partir do modelo da relação bilateral de emprego, em que o empregador exercia simultaneamente seu papel no plano formal (signatário da CTPS do obreiro) e material (beneficiário direto da mão-de-obra). Ora, a inserção de um terceiro na relação laboral inegavelmente importa em ruptura do paradigma normativo, trazendo “graves desajustes em contraponto aos clássicos objetivos tutelares e redistributivos que sempre caracterizaram o direito do trabalho” [33]

Todavia, não se pode ignorar que a terceirização decorre de um modelo de produção largamente difundido em escala global, com capilaridade em diversos setores da economia. Os efeitos, portanto, de coibir seu uso no Brasil seriam desastrosos, mormente levando-se em consideração a facilidade com que as empresas e os recursos financeiros se deslocam de um país para outro em tempos modernos.

Ademais, cabe lembrar a célebre lição do jurista francês Georges Ripert, de que “quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito”[34]. Ora, na atualidade, uma regulamentação excessivamente restritiva, a ponto de considerar ilícita a terceirização em todo e qualquer serviço permanente da empresa por certo perderia a eficácia social e seria sistematicamente ignorada pelos destinatários da norma.

Dessa forma, não sendo possível reverter o fenômeno sócio-econômico da terceirização, cabe ao Direito disciplinar seus efeitos jurídicos, a fim de coibir a precarização dos contratos de trabalho terceirizados.

Ainda que não seja possível manter idêntico padrão de proteção em relação aos empregos diretos, eis que a precarização, em maior ou menor grau, é inerente à lógica do mercado da terceirização[35], pode-se avançar muito no sentido de restringir de forma significativa a terceirização de serviços, admitindo-a apenas nas atividades-meio, com intermediação de prestadoras de serviços especializadas, além de regulamentar as condições de trabalho, a fim de garantir a máxima efetividade aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social para os trabalhadores abrangidos por esse modelo de contratação.

Só assim pode-se efetivamente conciliar o princípio da liberdade de iniciativa, sem anular o princípio da dignidade dos trabalhadores terceirizados, bem como os direitos e garantias conquistados ao longo de anos de evolução do Direito do Trabalho.

Encampando esse posicionamento, o Tribunal Superior do Trabalho uniformizou sua jurisprudência, por meio da Súmula nº 331, a qual, a respeito do tema, prevê nos itens I, II e III que:

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

Depreende-se, pois, que o critério adotado pelo TST para concluir acerca da licitude ou ilicitude da terceirização foi o de saber se os serviços transferidos à empresa prestadora de serviços se inseriam na atividade-meio ou fim da empresa tomadora de serviços ou cliente.

Na primeira hipótese, segundo a dicção da Súmula nº 331, a terceirização seria válida, desde que inexistente pessoalidade e subordinação direta com o tomador de serviços. Já no segundo caso, a triangulação afigurar-se-ia ilícita, por representar mera intermediação de mão-de-obra, autorizando o reconhecimento de vínculo direto com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário, bem como de intermediação ilícita de mão-de-obra praticada por ente público, em face da regra inscrita no artigo 37, II, da CF.

Cabe salientar que, em relação à distinção entre atividade-fim e atividade-meio, o Tribunal Superior do Trabalho se inspirou na disciplina legal da própria Administração Pública (Decreto-lei nº 200/67 e Lei nº 5.645/70), aplicada analogicamente ao setor privado, não havendo falar em atuação legiferante do Poder Judiciário.

Com efeito, o § 7º do artigo 10 do Decreto-lei nº 200/67 dispõe, in verbis:

Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

[...]

§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

Da exegese legal, percebe-se, facilmente, que os entes públicos devem manter a execução direta das atividades de planejamento, coordenação, supervisão e controle - consideradas essenciais ou finalísticas em relação a si -, reservando à contratação indireta via terceirização apenas as tarefas executivas ou acessórias.

Ressalte-se que o legislador ordinário, no âmbito da administração pública, endossou o critério adotado na Súmula nº 331, I e III, do C. TST, culminando com a revogação do parágrafo único do artigo 3º da Lei nº 5.645/70 pela Lei nº 9.527/97, e com a expedição do Decreto nº 2.271/97 pela Presidência da República, cujo artigo 1º ora se transcreve:

 Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.

§ 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.

§ 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal. (destaques nossos)

A distinção entre atividade-fim e atividade-meio, pois, longe de ser arbitrária, está amparada em aplicação analógica do Decreto-lei 200/67 e da Lei nº 5.645/70, sendo critério de inegável valia, por restringir a expansão desregulada da terceirização.

Embora o critério jurisprudencialmente adotado para diferenciar terceirização lícita da ilícita seja aberto, atraindo críticas por esse motivo, entendemos que tal situação não acarreta nenhum prejuízo social. Ao contrário, trata-se de recurso largamente utilizado pelo legislador ordinário, por meio das cláusulas gerais, conferindo dinamicidade e adaptabilidade ao Direito. Falando a respeito do tema, Flávio Tartuce afirma que “adota o atual Código Civil um sistema de cláusulas gerais, pelo qual por diversas vezes é o aplicador do Direito convocado a preencher janelas abertas pelo legislador, de acordo com a equidade, o bom senso”[36].

Ora, a ausência de delimitação precisa do conteúdo e alcance das expressões atividade-fim e atividade-meio ajusta-se à própria dinâmica do fenômeno sócio-econômico regulado, eis que, a se adotar conceito fechado a respeito da matéria, a disciplina legal rapidamente restaria superada pela celeridade na alteração dos fatos sociais.

Ressalte-se que a terceirização, enquanto produto do modelo toyotista, somente encontra justificativa minimamente plausível do ponto de vista da especialização técnica caso a subcontratação envolva tarefas meramente acessórias ao processo produtivo da grande empresa, a fim de permitir que esta concentre esforços em sua atividade-fim ou core business.

Todavia, na contramão dos anseios sociais, foi promulgada a Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, que dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de trabalho temporário e na empresa de prestação de serviços a terceiros.

No que pertine à terceirização permanente, o referido diploma legal regulamenta a terceirização de serviços, estendendo-a, de forma irrestrita, para todas as atividades da empresa.

Com efeito, os artigos 4º-A e 5º-A, caput, definem empresa prestadora de serviços e contratante nos seguintes termos:

“Art. 4º-A. Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos. 

[...]

Art. 5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços determinados e específicos.    Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços determinados e específicos”.

Da leitura dos dispositivos legais supratranscritos, constata-se que a Lei 13.429/2017 não fez qualquer distinção em relação aos serviços passíveis de terceirização, se inerentes ou acessórios ao objeto social da empresa tomadora, abandonando o caminho até então trilhado pela jurisprudência do C. TST, no sentido de restringir a terceirização das atividades-fim do contratante.

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A permissão legal à terceirização de atividade-fim do contratante trata-se de inegável retrocesso social.

Isso porque a subcontratação de atividades essenciais e inerentes à dinâmica do empreendimento, tal como disciplinado pela Lei nº 13.429/2017, esvazia completamente a justificativa técnica que tem sido atribuída à terceirização desde os primórdios de sua inserção no sistema capitalista, qual seja, a de aumentar a produtividade e qualidade dos produtos e serviços ofertados ao consumidor, pela dedicação da empresa a sua atividade principal.

A transferência de atividade-fim da tomadora de serviços não encontra outra motivação que não seja a obtenção de lucro com a exploração agressiva do trabalho humano, em nítida locação de mão-de-obra.

Ora, tal situação afronta os mais comezinhos princípios de Direito do Trabalho, encontrando óbice, no plano internacional, na própria Constituição da Organização Internacional do Trabalho (Declaração de Filadélfia), ao estabelecer que “trabalho não é uma mercadoria”[37].

Ainda que a terceirização de serviços não seja um fenômeno propriamente jurídico, mas sim sócio-econômico, cabe ao operador do direito disciplinar os seus efeitos, a fim de compatibilizar a adoção de semelhante técnica de gestão do trabalho com o ordenamento jurídico pátrio, que concilie o valor social do trabalho e a livre iniciativa, ambos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, IV, da CRFB/88).

O modelo triangulado de contratação quebra a bilateralidade clássica da relação empregatícia e causa graves distorções no sistema laboral de proteção, tendo sido responsável por sensível deterioração das condições de remuneração e trabalho de fatia considerável da população ativa, conforme retro mencionado, acarretando para os terceirizados a redução do padrão salarial, maior rotatividade, aumento nos índices de acidentes e moléstias ocupacionais, discriminação no trabalho e desagregação da noção de classe operária, segundo dados apurados no dossiê DIEESE/CUT e desenvolvidos ao longo do tópico 3 do presente trabalho. 

Por se tratar de forma excetiva de contratação, que distorce a bilateralidade inerente à relação de emprego clássica, a terceirização deve ficar restrita à hipótese de subcontratação de serviços especializados relacionados à atividade-meio do tomador de serviços.

Desse modo, resta patente a inconstitucionalidade da Lei nº 13.429/2017, no que pertine à permissão de terceirização de serviços relacionados à atividade-fim da tomadora, eis que tal situação equipara-se à locação de mão-de-obra, o que viola frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o valor social do trabalho.

Cabe salientar que a terceirização de serviços relacionados à atividade-fim contraria até mesmo as justificativas de especialização técnica apresentadas desde a origem do fenômeno (que pressupõem a manutenção de um núcleo não transferível). Nesse sentido, Márcio Túlio Viana obtempera que a “terceirização leva à terciarização: no limite, a grande fábrica tende a se tomar simples gerenciadora, sem máquinas e sem operários”[38].

A terceirização ampla e irrestrita das atividades do empregador - além de causar grave retrocesso ao Direito Laboral, por permitir o retorno da locação de serviços há muito superada - resulta em inegáveis prejuízos para a sociedade e para o Estado.

Quanto ao prejuízo social, tal conclusão decorre do rebaixamento remuneratório acarretado pela terceirização de serviços. Ora, os empregados terceirizados também exercem o papel de consumidores dos produtos oferecidos no mercado pelas grandes empresas, retroalimentando, assim, o sistema capitalista. Por conseguinte, a redução dos níveis salariais retira do mercado de consumo grande parte da população, causando estagnação econômica e retração do mercado interno.

Conforme já salientado, Márcio Pochmann[39], ao analisar dados do Ministério do Trabalho e Emprego do período de 1995 a 2010, em pesquisa encomendada pelo Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros no Estado de São Paulo – SINDEEPRES – , concluiu que os terceirizados percebem apenas a metade dos rendimentos auferidos por um trabalhador contratado diretamente em São Paulo.

A se admitir a terceirização de atividades-fim da empresa, esse rebaixamento salarial - próprio da dinâmica mercadológica da terceirização -, se estenderia para um número cada vez maior de trabalhadores, desaquecendo de forma catastrófica o mercado de consumo interno.

Ademais, não se pode deixar de mencionar a própria evasão fiscal decorrente não apenas do inadimplemento das prestadoras de serviços, mas do próprio processo de subcontratação de atividades em si.

É cediço que, no mais das vezes, a terceirização de serviços transfere parcela das atividades da grande empresa para subcontratadas com menor capacidade econômica. Nesse sentido, Márcio Pochmann afirma que:

Ao terceirizar as empresas contratantes transferem para empresas menores a responsabilidade pelos riscos do seu processo de trabalho, isto é, terceiriza-se, quarteriza-se, etc. os riscos impostos por sua atividade de trabalho para empresas que nem sempre têm condições tecnológicas e econômicas para gerenciá-los.[40]

Ao transferir atividades de uma empresa para outra - geralmente com menor capacidade econômica -, a folha de pagamento também se transfere, de modo que os tributos sobre elas incidentes serão menos volumosos, mormente considerando que grande parte das prestadoras de serviços são optantes do SIMPLES.

Com o deslocamento da produção da grande empresa para subcontratadas menores, é inegável que as contribuições vertidas para o Regime de Previdência Social, os impostos decorrentes da exploração da atividade econômica e os recolhimentos fundiários reduzem em substância, até mesmo diante rebaixamento salarial produzidos pela terceirização de serviços.

Nesse ponto, embora as grandes empresas continuem, na prática, explorando a atividade econômica e gerenciando a rede de subcontratadas que se aglutinam em torno de si, as diversas prestadoras de serviços de menor capacidade econômica é que figurarão como empregadoras formais, acarretando drástica evasão fiscal.

Dessa forma, cabe declarar a inconstitucionalidade da terceirização da atividade-fim da contratante, mantendo o critério distintivo da terceirização lícita e ilícita pacificado na Súmula nº 331 do TST, para considerar lícita a terceirização apenas no tocante às atividades acessórias do tomador de serviços.

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Sobre a autora
Juliana Ferreira de Morais

Juíza do Trabalho Substituta do Tribunal Regional do Trabalho da 2 Região; Formada em Direito pela Universidade Federal do Ceará; Especialista em Direito do Trabalho pela PUC - SP; Mestranda em Direito do Trabalho pela PUC - SP;

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Juliana Ferreira. Os impactos da terceirização nos contratos de trabalho e a terceirização de atividade-fim do tomador de serviços. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5185, 11 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58984. Acesso em: 2 nov. 2024.

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