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Sistema penitenciário de Mato Grosso.

Uma abordagem autoetnográfica no pós-separação (2011/2015)

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15/09/2017 às 14:36
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Servidor penitenciário: avanços que refletem a qualidade do serviço prestado aos apenados e à sociedade.

O aspecto mais importante de uma prisão é sua dimensão humana, uma vez que as prisões são instituições essencialmente voltadas para pessoas (COYLE, 2002, p. 21) “[9]. Portanto, é imprescindível contar com um quadro de servidores penitenciários bem motivados, altamente capacitados e comprometidos com o serviço público que desempenham. Trata-se de uma atividade muito complexa que exige do servidor penitenciário, constante aprimoramento profissional, conhecimento técnico, dedicação, resiliência dentre outros atributos. Por igual, exige do Estado condições adequadas e dignas para o trabalho.

Elegi as seis medidas mais importantes que foram implementadas no sistema penitenciário no pós-separação. Começo pela política de capacitação dos servidores e do fortalecimento da Escola Penitenciária.

A Escola foi instituída pelo Decreto Estadual nº 629, de 25 de agosto de 2011 e tem como objetivo promover o desenvolvimento institucional por meio da formação e profissionalização, valorizando o potencial humano dos servidores. A Escola sistematizou os vários encontros e reuniões de trabalho de todos os diretores das unidades penais e realizou dois cursos de inteligência penitenciária. O curso de Práticas Operacionais foi levado a diversos municípios do Estado como: Cáceres, Pontes e Lacerda, Rondonópolis, Água Boa, Sinop, Tangará da Serra e Várzea Grande.

Capacitou também os agentes penitenciários ao manuseio das carabinas táticas Taurus, das CTT.40, das pistolas Imbel MD 6; dos fuzis 5,56, do uso de tecnologias de menor potencial ofensivo e do uso de tecnologias não letais como a arma de energia conduzida (spark).

A segunda ação desenvolvida em favor do servidor foi o investimento em equipamentos de segurança e proteção. O objetivo foi de garantir que todos os agentes penitenciários exerçam suas atividades com segurança. Entre os equipamentos adquiridos destaco: escudos, capacetes, munições, granadas de efeito moral e principalmente os coletes balísticos.

Outra medida não menos importante, a terceira, foi aumento substantivo do número de servidores penitenciários. Foram convocados, além dos aprovados, todos os agentes penitenciários classificados concurso de 2009, fortalecendo a segurança das unidades e ampliando as atividades ressocializadoras.

A quarta medida voltada ao servidor foi o direito à Carteira Funcional de Identificação, que permitiu ao agente o porte de arma de fogo institucional, mesmo fora do serviço. Com o porte, devidamente registrado na Carteira Funcional de Identificação, o servidor tem a prerrogativa do uso de arma de fogo no exercício das atividades funcionais como: de segurança interna nas penitenciárias do Estado; guarda de muralha, escolta e contenção de crise.

Devido à substituição da Polícia Militar pelo Sistema Penitenciário, que assumiu a segurança de todos os estabelecimentos penais, a autorização do porte de arma de fogo a todos os agentes penitenciários (LCE/MT n. 507, de 16/09/2013 que altera a LCE/MT n. 389/2010) foi acelerada. Igualmente, foi autorizada a cautela permanente de arma de fogo (LCE/MT n. 507, de 16/09/2013 que altera a LCE/MT n. 389/2010).

Como quinta medida em favor do reconhecimento da importância dessa atividade, destaco ás conquistas salariais e classistas como: à concessão do adicional de insalubridade aos servidores do sistema penitenciário (LCE/ MT n. 502, de 07/08/2013), uma conquista justa e necessária; O aumento salarial aos servidores do Sistema Penitenciário e a criação dos níveis 11 (onze) e 12 (doze), na estrutura da tabela salarial dos Profissionais do Sistema Penitenciário (LCE/MT n. 507, de 16/09/2013 que altera a LCE/MT n. 389/2010).

A sexta medida significativa deste item reforça a política de valorização do servidor penitenciário por alterar a legislação e assegurar a exclusividade na gestão de algumas funções de relevo aos servidores de carreira da própria secretaria. Os cargos em comissão pertencentes ao nível de execução programática e ao nível de administração regionalizada, da estrutura do Sistema Penitenciário, passaram a ser providos exclusivamente por servidores de carreira do Sistema Penitenciário (LCE/MT n. 503, de 07/08/2013 que altera a LCE/MT n. 266/ 2006).


Recuperando: respeito à dignidade da pessoa humana que reflete na diminuição da reincidência delitiva

Nas sociedades democráticas, a lei sustenta e protege os valores fundamentais da sociedade. O mais importante deles é o respeito pela dignidade inerente a todos os seres humanos, qualquer que seja sua condição pessoal ou social. Um dos maiores testes desse respeito à dignidade humana reside na forma como uma sociedade trata aqueles que infringiram a lei penal (COLEY, 2002, p. 23).

Neste item, também selecionei seis medidas. Todas que sinalizam para o respeito á dignidade da pessoa privada da liberdade. Começo com a política de incentivo à educação no cárcere no pós-separação, que, para Cesare Beccaria: “O meio mais seguro, mas ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação”. 

A Educação em Prisões enquanto Política Pública inclusiva é um fato recente no Brasil, razão pela qual o Termo de Compromisso para a implementação Plano Estadual de Educação em Prisões em Mato Grosso (PEEP) foi assinado apenas em 2003 pela SEJUDH e pela Secretaria de Estado de Educação (SEDUC). O PEEP foi elaborado por muitas mãos, a partir de vivências, práticas, reflexões, discussões, disputas e consensos. Foi baseado nos princípios da Educação Libertadora e no reconhecimento que o acesso à educação é um direito constitucional das pessoas privadas de liberdade. Orientou-se pela Lei de Diretrizes e Bases - LDB (Lei n. 9394/96) e a Lei de Execução Penal - LEP (Lei n. 7210/84) para contribuir com o resgate da cidadania.

Para facilitar a organização do trabalho, o processo de certificação dos estudos e a construção da identidade do profissional, a SEDUC criou a Escola Estadual Nova Chance, que oferece a modalidade da Educação de Jovens e Adultos na Especificidade da Educação em Prisões.

Em 2009 ela estava presente em 14 (quatorze) unidades prisionais e em 2015, espraiou-se para 40 unidades, contando com 2.244 alunos matriculados. Houve um avanço nesses anos em que a escola passou a fazer parte do cotidiano das unidades penitenciárias na perspectiva da valorização e do respeito ao direito humano às pessoas em privação de liberdade.

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Legislação e Documentos (Inep), o número de inscrições de pessoas privadas de liberdade em 2013 aumentou em 28,2% em relação ao ano anterior. A maioria dos recuperandos participou do Enem para conseguir a certificação de conclusão de ensino médio, embora o resultado da Avaliação também possa ser utilizado pra concorrer a uma vaga no Ensino Superior Público, por meio do Sistema de Seleção Unificada-Sisu. Além do Enem os recuperandos do Estado participam do Exame Nacional de Certificação de Competências (Encceja). Os resultados do exame podem ser utilizados para obter a certificação de conclusão do Ensino Fundamental.

A segunda medida que também sinaliza para o respeito ao apenado é a política de melhoria da saúde no cárcere. Nos estabelecimentos penais de Mato Grosso atuam cotidianamente diversos profissionais e a carreira penitenciária está composta por agentes penitenciários, profissionais de nível superior e assistentes penitenciários.

Caber realçar que de 2011 até abril do ano de 2014 houve crescimento de 43% dos números de profissionais de saúde no Sistema Penitenciário Mato Grosso, elevou-se de 150 (cento e cinquenta) para 215 (duzentos e quinze) profissionais de saúde.

Os atendimentos e as ações básicas à saúde dos reeducandos vêm sendo desenvolvidos diariamente através do controle e supervisão das doenças infectocontagiosas e crônicas diagnosticadas nas unidades de saúde penitenciárias. A assistência médica de média e alta complexidade é referenciada por meio da rede do Sistema Único de Saúde.

A política de geração de vagas no sistema penitenciário de Mato Grosso, terceira importante medida, enfrenta o principal obstáculo da ressocialização que é a superlotação carcerária. O número de vagas foi aumentado de 5.760 em 2011 para 6.190 em 2014. Em 2012 foram inaugurados, em parceria com a união e com municípios, mais dois Centros de Detenção Provisórios (CDP), sendo um no município de Lucas do Rio Verde, com a capacidade de 146 (cento e quarenta e seis) vagas e outro no município de Pontes e Lacerda, com a capacidade de 152 (cento e cinquenta e duas) vagas. Em 2014 foi inaugurado o CDP de Juína, gerando mais 152 vagas. Além das inaugurações desses CDPs, muitas cadeias foram reformadas e ampliadas.

Estão em curso as construções dos seguintes estabelecimentos penais: as obras do CDP de Peixoto de Azevedo já iniciada, qual ampliará em 250 (duzentos e cinquenta) vagas; os dois CDPs de Várzea Grande (Jovens e Adultos), que já foram licitados e disponibilizarão 1.008 (um mil e oito) vagas e os dois CDPs Femininos de Sapezal e de Porto Alegre do Norte, que estão em fase licitatória, os quais gerarão 356 (trezentos e cinquenta e seis) vagas cada um.

Como quarta medida voltada a reabilitação da pessoa privada da liberdade, cito os cursos profissionalizantes e as atividades empregatícias administradas pela Fundação Novas Chance (FUNAC), que estimula a ressocialização por meio da qualificação profissional e do trabalho remunerado.

Essas capacitações, em regra, são garantidas por meio dos cursos do PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, qual possibilita ao recuperando conhecimentos necessários para a área de atuação que permitam adaptar-se às exigências do mercado. Além disso, há o beneficio de remição de pena pelo estudo.

A criação do Fundo Penitenciário do Estado de Mato Grosso (Funpen/MT), quinta medida importante, foi criado com o objetivo de proporcionar recursos, meios e condições para financiar e apoiar as atividades, projetos e programas para a modernização, humanização e aprimoramento do Sistema Penitenciário do Estado. O Funpen/MT foi instituído pela Lei Complementar nº 489, de 4 de julho de 2013 e regulamentado por meio do Decreto nº 2.418. 

Como sexta medida, registro a aquisição de um sistema que possibilita a audiência criminal por meio de videoconferência do Sistema Penitenciário de Mato Grosso com a Justiça Federal. A primeira experiência foi realizada em novembro de 2014. Esta ferramenta permite aos juízes federais das Varas da Seção Judiciária de Mato Grosso realizem audiências à distância, sem a necessidade de deslocamento de recuperandos.

São no mínimo quatro as vantagens desse sistema: a) celeridade processual, vez que diminuirá as remarcações das audiências por falta de escolta e estruturas; b) segurança ao recuperando, aos agentes e a sociedade devido a eliminação da possibilidade de resgate ou mesmo acidente automobilístico; c) economia ao erário público, vez que não haverá deslocamentos; e d) a possibilidade de ser realizada as “visitas virtuais”, cujo familiar não tenha condições financeiras de deslocar até a unidade penal.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fazer uma projeção dos números dos apenados em Mato Grosso a partir dos dados de 2005, foi possível prever estatisticamente que a população prisional saltaria, naturalmente, de 11.004 em 2011 para 16.000 recuperandos em 2015, conforme infográfico abaixo.

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Contudo, a Diretoria de Inteligência da SAAP (DIPEN) computou em janeiro de 2015 a população carcerária de 9.652, bem inferior ao número estimado. Abaixo ainda do próprio número de apenados do ano de 2011, fato bem singular no Brasil. Outra constatação não menos importante foi a queda do déficit das vagas nesse período, reduzindo de 5.244, para 3.462, inclusive, contrapondo o fato de Mato Grosso possuir uma taxa de aprisionamento (321,2) superior à média nacional (299,7)[10].

O conjunto dessas ações devidamente articuladas em torno dos três eixos centrais deste artigo, corolários do pós-separação, culminou com a redução do número de encarcerados em Mato Grosso no período de 2011 a 2015 e, acredito, da própria reincidência criminal em si.

Com relação aos eventos críticos, em 2011 foi computado 169 fugas, enquanto em 2014 esse número foi reduzido para menos que a metade: 80 fugas. Os motins nas unidades prisionais de Mato Grosso também diminuíram de 7 eventos em 2011 para apenas 4 em 2014. Acompanhando essa tendência, as rebeliões, presente em muitos Estados da Federação, ocorreu apenas uma vez em Mato Grosso nos últimos 5 anos.

À deflagração de rebeliões, motins e fugas de presos é consequência direta da falta de segurança das prisões e ao ócio dos detentos. As rebeliões, embora se constituam em levantes organizados pelos presos de forma violenta, nada mais são do que um grito de reivindicação de seus direitos e de uma forma de chamar a atenção das autoridades quanto à situação subumana na qual eles são submetidos dentro das prisões (ASSIS, 2007)[11].

Assim, infiro que a diminuição das fugas, motins e rebeliões nas unidade de Mato Grosso no pós-separação pode ser o reflexo direto das medidas adotas pelo sistema penitenciário. Ocasionando a gradativa diminuição desses “gritos reivindicatórios”.  

Acredito que o equilíbrio adequado entre os investimentos na qualificação dos servidores e os programas destinados a habilitar as pessoas presas a se reintegrarem à sociedade foi o ponto crucial desses avanços.

Instrumentos internacionais definem que o propósito da privação da liberdade é proteger a sociedade contra a criminalidade, não só retirando os transgressores da sociedade, mas também procurando assegurar, tanto quanto possível, sua reabilitação. Para que isso aconteça, as administrações penitenciárias precisam alcançar esse equilíbrio. É mais provável que esse equilíbrio seja alcançado se houver um conjunto claro de procedimentos que define o nível de segurança adequado para a penitenciária e para os presos, individualmente (COYLE, 202, p. 77)[12].

Mesmo sabendo que o sistema penitenciário de Mato Grosso ainda padece de graves problemas, notadamente no âmbito estrutural, cultural e institucional, acredito que, nos últimos anos, galgou alguns degraus e, criou condições para avançar e buscar outras medidas em base segura, efetiva e permanente.

Tributo parte dessas conquistas aos bons profissionais da SEJUDH que no anonimato frio dos corredores das carceragens se dedicam de diversas formas e se esforçam com muita abnegação, para ter como recompensa a oportunidade de poder salvar pessoas do deletério mundo do crime. Insisto que ainda falta muito para atingir a idealidade de um sistema humanizado, no entanto, as medidas do pós-separação acelerou esse processo.

Concluo portanto, crendo que o conjunto dessas ações aliada à integração entre as instituições componentes da execução penal de Mato Grosso reforçou a crença na humanidade, na vitória comum pela justiça, pela paz, pela dignidade humana e pela construção da ressocialização, da democracia e dos direitos humanos.

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Sobre o autor
Clarindo Alves de Castro

Mestre em Educação (IE/ UFMT/2011/2013) na linha de Movimentos Sociais e Educação Popular. Especialista Latu Sensu em Ciências Jurídicas pela Universidade Cruzeiro do Sul. São Paulo-SP (2015). Especialista em Administração com Ênfase em Inteligência de Segurança Pública pela FAECC - UFMT (2008). Especialista em Gestão Organizacional de Segurança Pública pela UNEMAT (2008). Especialista em Segurança Pública no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO) pela Polícia Militar do Estado de Goiás (2001). Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo (2015). Graduado no Curso de Formação de Oficiais pela Polícia Militar do Estado de Santa Catarina (1992). É docente da disciplina de Polícia Comunitária e Inteligência de Segurança Pública em cursos da SENASP/MJ, PMMT e SSP/MT. Possui o Curso Superior de Inteligência Estratégica (CSIE) na Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, do Ministério da Defesa (2010). Coronel da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso. Ex Secretário Adjunto de Administração Penitenciária de Mato Grosso.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Clarindo Alves. Sistema penitenciário de Mato Grosso.: Uma abordagem autoetnográfica no pós-separação (2011/2015). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5189, 15 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59073. Acesso em: 2 mai. 2024.

Mais informações

Contextualizar o sistema penitenciário na perspectiva da SAAP/MT – órgão responsável por desenvolver e implementar políticas públicas que visem o exercício da cidadania, a defesa dos direitos humanos e o efetivo cumprimento da justiça –, e descrever as seis principais ações de cada um dos três eixos nucleares deste artigo.

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