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Poderes do relator no novo Código de Processo Civil.

Generalidades, aspectos polêmicos e análise crítica dos artigos 932 e 933 do CPC/2015

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31/07/2017 às 15:00

Resumo:


  • O direito processual civil brasileiro consagra a figura do relator, que atua no segundo grau de jurisdição e é responsável por conduzir, ordenar e gerir o processo no tribunal.

  • O Código de Processo Civil revogado não especificava os poderes do relator, o que gerava críticas na doutrina e permitia amplas variações nos tribunais.

  • O novo Código de Processo Civil (CPC/2015) inovou ao discriminar os poderes do relator nos artigos 932 e 933, recebendo aclamação na doutrina, apesar dos debates intensos sobre os dispositivos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2. COLEGIALIDADE E RELATOR

2.1. O princípio do duplo grau de jurisdição e a colegialidade como regra da prestação jurisdicional no âmbito dos tribunais

O ordenamento jurídico brasileiro prevê a regra de que os julgamentos proferidos no âmbito do Poder Judiciário devem ocorrer em duas instâncias, sendo a primeira, de forma monocrática, ou seja, por um único juiz, e a segunda, de forma colegiada, isto é, por um conjunto de magistrados. Trata-se, assim, do princípio do duplo grau de jurisdição.

O constitucionalista Alexandre de Moraes, a propósito do tema, discorre que “esse tradicional sistema judiciário brasileiro prevê a existência de juízos e tribunais estaduais, federais, trabalhistas, eleitorais e militares como garantia de segurança jurídica e diminuição da possibilidade de erros judiciários”17.

Por sua vez, o processualista Nelson Nery Junior18 ensina que, conforme conceituação trazida por diversos outros doutrinadores, o duplo grau de jurisdição:

Consiste em estabelecer a possibilidade de a sentença definitiva ser reapreciada por órgão de jurisdição, normalmente de hierarquia superior à daquele que a proferiu, o que se faz de ordinário pela interposição de recurso. Não é necessário que o segundo julgamento seja conferido a órgão diverso ou de categoria hierárquica superior a daquele que realizou o primeiro exame.

Dessa forma, apesar de não encontrar obrigatoriedade expressa e taxativa no texto constitucional e legal, o princípio do duplo grau de jurisdição, é implicitamente assegurado pela Constituição Federal e, portanto, possui um lugar de extrema relevância no ordenamento jurídico brasileiro.

Ada Pelegrini Grinover e outros19 bem discorrem acerca dos fundamentos jurídicos do duplo grau de jurisdição:

O duplo grau atende, subjetivamente, à natural inconformidade do vencido em relação à decisão contrária, além do que esta pode realmente ser injusta ou incorreta, de forma que se deve possibilitar sua revisão pelo órgão ad quem.

Por outro lado, o juiz que profere a decisão fica psicologicamente compelido a julgar melhor quando sabe que será ela passível de revisão por outro órgão jurisdicional. Além disso, o recurso é quase sempre submetido a julgamento por um tribunal de segundo grau, constituído em geral por magistrados de maior experiência e cultura, uma vez que a magistratura, em muitos países, é organizada em carreira, com promoções por antiguidade e merecimento.

Com a regra do duplo grau, o jurisdicionado tem a segurança e a certeza de que haverá um reexame integral da decisão judicial (lato sensu) de primeiro grau a seu favor ou contra si proferida. Essa reanálise será realizada por um órgão diverso e hierarquicamente superior àquele que proferiu, de forma unipessoal, o ato judicial impugnado.

No âmbito dos Tribunais, em regra, as decisões devem ser colegiadas, isto é, devem ser tomadas em conjunto pelos membros componentes da Corte.

Essa premissa decorre do “princípio da colegialidade”, que, por sua vez, deriva do “princípio do duplo grau de jurisdição”.

O processualista José Frederico Marques20 bem conceitua o princípio da colegialidade:

O princípio que domina e rege todo o Direito Processual pátrio, em matéria de recurso, é o princípio da colegialidade do Juízo ad quem. Com isto, os julgamentos em grau de recurso infundem maior confiança e, de certo modo, são mais seguros que os de primeiro grau.

A premissa de que os julgamentos no âmbito dos Tribunais serão realizados por um colegiado decorre da certeza de que nenhum ato judicial está imune a controle, o qual, conforme previsto no ordenamento jurídico brasileiro, se dá pela instância imediata e hierarquicamente superior, formada por um colegiado de juízes, os quais – pressupõe-se – gozam de maior experiência profissional, preparo intelectual e cultural e vivência prática.

Alie-se a isso que, dentre outras vantagens, o duplo grau de jurisdição também funciona como um mecanismo interno de controle dos atos jurisdicionais, servindo como uma garantia do pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito21.

Com isso, busca-se a correção de eventuais injustiças cometidas pela instância inferior, bem como o aperfeiçoamento da prestação da tutela jurisdicional.

O processualista italiano Giuseppe Chiovenda22 bem sintetiza a vantagem do julgamento coletivo na seara dos tribunais:

O juiz singular tem maior sentimento de responsabilidade; isto, porém, pode, por um lado, ser perigoso, e, de outro, é passível de conseguir-se também no juiz colegial, tornando-se públicas as deliberações. O juiz singular não está sujeito à preponderância dos colegas, mas está mais exposto às pressões da opinião pública, dos litigantes, das autoridades superiores; tem um conhecimento mais imediato dos atos do processo, mas pode mais facilmente apreciá-los de modo subjetivo ou errado.

Desse modo, como exposto, na seara da instância superior, a regra é a do julgamento feito de forma coletiva por magistrados (Desembargadores ou Ministros), sendo certo que o julgamento monocrático, isto é, unipessoal, pelo relator, é a exceção, sempre para casos taxativamente previstos na legislação processual.

Ainda acerca da necessidade de observância ao princípio da colegialidade, o processualista baiano Affonso Fraga23 há muito já ensinava que:

Sendo o tribunal de segundo grau composto de pluralidade de juízes, geralmente doutos e tirados da instância inferior, onde durante muito tempo exerceram a arte de julgar, segue-se que está em condições de nas suas decisões oferecer melhores arras de retidão à lei e à justiça. Basta o bom senso para mostrar que a decisão do tribunal colegial oferece bem mais segurança de justiça que o juízo singular: dois olhos veem mais que um; acrescendo que é mais fácil o suborno e prevaricação de um que de muitos.

Para arrematar, pertinente a transcrição das lapidares lições de Pontes de Miranda24 sobre o tema:

A regra, para os recursos, é a colegialidade das decisões. Quer dizer: a pluralidade dos julgadores, com o fim político de assegurar diversos exames no mesmo tempo, além do duplo ou múltiplo exame, no tempo, pelo juiz do primeiro grau e os demais juízes superiores. A ciência ensina-nos, hoje, que a assembleia não nos veio da reflexão; foi a reflexão que veio da assembleia. Portanto, o homem é que é produto da assembleia. Essa prioridade do exame múltiplo ao mesmo tempo em relação ao exame de um só, se transforma em superioridade sempre que desejamos maior certeza. A colegialidade para a decisão dos recursos obedece a esse pendor último do homem, quando se deseja guiar pela razão.

Portanto, e a par dessas ponderações, tem-se como regra a colegialidade no julgamento de recursos, o que resulta numa maior segurança para as partes e numa maior probabilidade de se alcançar a almejada justiça.

2.2. Relativização da regra da colegialidade e a delegação de poderes decisórios ao relator

A regra da colegialidade, apesar de sua notória importância como norma cogente no que diz respeito à atuação dos tribunais, não é absoluta e é mitigada pelo próprio ordenamento jurídico brasileiro.

Após uma paulatina evolução, a legislação processual contemporânea ampliou os poderes do relator – que eram meramente instrutórios e preparatórios do recurso – e passou a delegar ao magistrado responsável pela relatoria o poder de julgar monocraticamente recursos em situações limitadas e específicas.

A ampliação dos poderes do relator, com a possibilidade de julgamento monocrático de determinadas matérias em que já há pronunciamento pacífico preexistente do tribunal ou das Cortes Superiores, surgiu como uma resposta à notória morosidade processual do Poder Judiciário decorrente do aumento vertiginoso de novos recursos que aportam diariamente nos tribunais25, situação essa que resulta na inevitável obstrução das pautas de julgamento dos órgãos colegiados e na sobrecarga de trabalho na segunda instância.

O processualista José Carlos Barbosa Moreira, em percuciente lição, ensina que “o julgamento monocrático, antes característico, entre nós, do primeiro grau de jurisdição, vai-se impondo também nos superiores, em detrimento da colegialidade”26.

Por sua vez, Adroaldo Furtado Fabrício compartilha do mesmo posicionamento ao afirmar que “a evolução recente da legislação processual civil brasileira caminha decididamente para uma progressiva relativização do princípio da colegialidade no julgamento dos recursos, mediante ampliação dos poderes do relator, do que dá exemplo particularmente atual e notável o disposto na Lei 9.756/98”27.

Por fim, Cândido Rangel Dinamarco28 discorre que:

A crescente opção pela singularidade do julgamento em diversas situações representa uma legítima tentativa de inovar sistematicamente na luta contra a lentidão do julgamento nos tribunais. Sabe-se que o aumento do número de juízes não resolve o problema, como já não resolveu no passado remoto e próximo. É preciso inovar sistematicamente. O que fez a reforma e o que agora vem a fazer a reforma de 1998 representa uma escalada que vem da colegialidade quase absoluta e aponta para a singularização dos julgados nos tribunais, restrita a casos onde se prevê que os órgãos colegiados julgariam segundo critérios objetivos e temperada pela admissibilidade de agravo dirigidos a eles […].

Portanto, em que pese a necessidade de observância da regra da colegialidade como norma regente da atuação dos Tribunais, nos últimos anos houve uma considerável ampliação dos poderes do relator.

E tal tendência não é isolada do Brasil, uma vez que o jurista uruguaio Eduardo Couture aponta que, em seu país, “La tendencia de nuestro tiempo es la de aumentar los poderes del juez y disminuir el numero de recursos: es el triunfo de una justicia pronta y firme sobre la necesidad de una justicia bueno pero lenta”29.

Desse modo, a relativização da regra da colegialidade, com a ampliação dos poderes do relator, tem o nítido propósito de conferir maior celeridade no julgamento de recursos que versem sobre matérias que já foram prévia e exaustivamente enfrentadas pelo órgão colegiado. Para tanto, a fim de subsidiar a atuação dos juízos monocráticos, os órgãos julgadores têm o dever de formar uma jurisprudência estável, íntegra e coerente, até mesmo como forma de prestigiar e assegurar o princípio da segurança jurídica.

Portanto, com a adoção dos julgamentos monocráticos, há uma significativa redução dos processos que são pautados nos tribunais e, por consequência, que são submetidos ao crivo do colegiado, resultando, assim, na redução dos gastos públicos despendidos com a tramitação desnecessária de recursos que já podem ser resolvidos tão logo aportem nos gabinetes dos desembargadores e ministros.


3. PODERES DO RELATOR NO CPC/1973

3.1. Generalidades

No processo civil brasileiro, o relator é o protagonista do sistema recursal, uma vez que a ele são designadas as atividades de ordenar, preparar, instruir e decidir (votar) o recurso que está sob sua responsabilidade.

Dessa forma, a atividade que é exercida pelo relator é dividida pela doutrina processualista em quatro fases distintas e independentes entre si: ordinatória, preparatória, instrutória e decisória.

Nesse contexto, o relator exerce “atividade ordinatória” quando coloca o recurso em ordem ao determinar a adoção de providências pendentes, a fim de viabilizar a análise do mérito recursal pelos demais pares que pertencem ao colegiado julgador. Assim, compete ao relator determinar a complementação do preparo, quando este se revelar insuficiente; regularizar a capacidade ou representação processual; requisitar informações do Juiz a quo (quando o recurso assim o exigir); corrigir eventuais erros na marcha processual etc.

Por sua vez, a “atividade preparatória” do relator consubstancia-se em colocar o recurso em condições de ser julgado pelo colegiado. Cita-se como exemplo dessa atividade preparatória a elaboração do relatório.

A “atividade instrutória”, ao seu turno, consiste na fase de esclarecimento e elucidação. Nesta etapa processual, o relator poderá determinar a conversão do julgamento em diligência quando o caso assim o exigir; poderá ainda determinar a inquirição das partes ou mesmo de testemunhas, autorizar a juntada de novos documentos ou mesmo a realização de perícia, caso seja necessário.

Por fim, a “atividade decisória” nada mais é do que a própria decisão interlocutória ou de mérito (terminativa, definitiva ou voto) do relator quanto ao recurso que está submetido ao seu crivo. Assim, na atividade decisória, o relator poderá conceder ou negar, total ou parcialmente, a tutela antecipada recursal; poderá deferir a atribuição de efeito suspensivo ou, já no mérito do recurso, emitir seu voto, que, aliado ao dos demais membros do colegiado, formará o acórdão.

Ainda no campo da “atividade decisória”, o relator poderá decidir monocraticamente o recurso, ou seja, sem a participação do órgão colegiado, conforme até há pouco tempo lhe era autorizado pelo art. 557. do CPC/1973 e, atualmente, lhe é permitido pelo art. 932. do CPC vigente.

Ademais, uma vez submetido o recurso ao crivo do colegiado, caberá ao relator lavrar o respectivo acórdão, o qual é integrado pelo relatório, votos (do relator e dos vogais) e ementa.

Por fim, caso o relator seja vencido no julgamento, a redação do acórdão já não mais lhe competirá, senão ao magistrado que iniciou a divergência vencedora, chamado, no âmbito dos tribunais, de “relator para o acórdão”.

3.2. Evolução legislativa do art. 557. do CPC/1973

O Código de Processo Civil de 1973 (Lei n. 5.869/73), alcunhado de “Código Buzaid”, em homenagem ao então Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, concedia ao relator, em seu art. 557, amplos poderes para a prolação de decisões unipessoais de mérito. Contudo, nem sempre foi assim.

Para que se chegasse à última redação do art. 557. do CPC/1973, vigente até o advento da Lei n. 13.105/2015 (novo CPC), o legislador ordinário promoveu profundas alterações no supracitado art. 557.

Nesse aspecto, a redação original do art. 557, claramente inspirada no art. 21, § 1º, do regimento interno do STF, assim dispunha:

Art. 557. Se o agravo for manifestamente improcedente, o relator poderá indeferi-lo por despacho. Também por despacho poderá convertê-lo em diligência se estiver insuficientemente instruído.

Parágrafo único. Do despacho de indeferimento caberá recurso para o órgão a que competiria julgar o agravo.

A redação original do art. 557. gerou diversas críticas por parte da doutrina processualista. Athos Gusmão Carneiro30 e Antonio Carlos Marcato31 afirmavam que o dispositivo legal mencionado classificava como despacho um ato de cunho claramente decisório. Ademais, o mesmo dispositivo utilizava a expressão “indeferir”, quando, na verdade e à luz da melhor técnica legislativa, a expressão adequada seria “negar seguimento” ao agravo.

Outra crítica à redação original do art. 557. do CPC/1973 dizia respeito ao fato de que a expressão “manifestamente improcedente” era excessivamente ampla e imprecisa, o que resultava em insegurança para as partes. No ponto, o advogado Sérgio Bermudes32 entendia que a expressão “manifestamente improcedente” também deveria alcançar os agravos “manifestamente inadmissíveis”. Dizia o autor:

Assim, agravo manifestamente improcedente será aquele cujas condições de admissibilidade não estejam configuradas, mas, também, aquele interposto de decisão que a jurisprudência tenha, reiteradamente, prestigiado, ou que se tenha limitado a aplicar dispositivo de lei.

Por sua vez, a redação original do parágrafo único do art. 557. do CPC/1973 também foi alvo de críticas, uma vez que criou um novo recurso – que a doutrina chamou de “recurso inominado” –, porém não fixou prazo para sua interposição e nem regulava o seu processamento33.

No ano de 1986, os processualistas Athos Gusmão Carneiro, Ovídio Araújo Baptista da Silva e Luiz Melíbio Uiraçaba Machado apresentaram substitutivo ao projeto de reforma do CPC e propuseram a alteração da redação do art. 557. para permitir o indeferimento liminar não só do agravo como também da apelação, nas hipóteses de manifesta inadmissibilidade ou improcedência. Conforme afirmaram referidos juristas à época, a proposta poderia contribuir sobremaneira para desafogar a pauta dos Tribunais. No substitutivo apresentado constava – assim como na redação original do art. 557. – que da decisão do relator caberia recurso para o colegiado, no prazo de 15 (quinze) dias34.

No entanto, esse substitutivo não obteve êxito, de modo que o art. 557. do CPC/1973 somente veio a ser alterado – e de forma substanciosa, diga-se de passagem – por força da Lei n. 9.139/95.

Nesse sentido, ao conferir nova redação ao art. 557. do CPC/1973, o legislador ampliou consideravelmente os poderes do relator, permitindo-lhe negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou de tribunal superior. Assim dispunha a redação do art. 557. do CPC/1973, conferida pela lei n. 9.139/95:

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior.

Parágrafo único. Da decisão denegatória caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso. Interposto o agravo a que se refere este parágrafo, o relator pedirá dia.

Com essa reforma implementada pela lei n. 9.139/95, como bem observado por Fabiano Carvalho, “desapareceu a segunda parte da redação original que autorizava o relator, por despacho, a converter o agravo em diligência se insuficientemente instruído”35.

Em comentário à redação do art. 557. do CPC/1973, conferida pela lei n. 9.139/95, Cândido Rangel Dinamarco fez a seguinte crítica:

Ao conferir ao relator poderes assim tão amplos, a nova lei assumiu o risco de abrir caminho para erros de um juiz singular julgando recursos e sua admissibilidade. Mas é inerente à vida de todo processo um sistema de certezas, probabilidades e riscos – a ser equilibrado mediante a oferta de meios corretivos dos erros que porventura se cometam36.

É interessante observar que o texto original do art. 557. do CPC/1973 era restritivo, uma vez que dizia respeito somente a “agravo” (não alcançava outros recursos, portanto), e somente permitia que o relator negasse provimento ao agravo, de forma unipessoal, se este fosse “manifestamente inadmissível”.

Por sua vez, a lei n. 9.139/95, como já mencionado, ampliou significativamente os poderes que são conferidos ao relator. Dentre esses novos poderes, o relator passou a ter competência para, mediante decisão monocrática, “negar seguimento” a “recurso” que fosse manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou de tribunal superior. Com isso, os poderes do relator foram ampliados aos demais recursos previstos no Código de Processo Civil, não se limitando mais tão somente ao agravo de instrumento, como previa a redação primitiva do art. 557. do CPC/1973.

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Além do mais, ao inserir no texto do art. 557. a expressão “negar seguimento”, o legislador passou a dar ao relator a competência de examinar tanto a admissibilidade quanto o próprio mérito do recurso. Assim, foi atribuído ao relator o poder de, monocraticamente, negar provimento ao recurso manifestamente improcedente ou quando a tese jurídica que ensejou a interposição do recurso estivesse em contrariedade com súmula do tribunal no qual foi interposto o recurso ou de tribunal superior37.

É importante anotar que o que moveu o legislador ordinário a delegar ainda mais poderes ao relator foi a necessidade de coibir recursos infundados, protelatórios, inadmissíveis, improcedentes ou contrários à súmula daquele tribunal ou superior.

Ademais, observe-se que apesar de conceder ao relator a atribuição de julgar o mérito do recurso para “negar seguimento”, o legislador ainda não havia delegado poder ao julgador para “dar provimento”. Athos Gusmão Carneiro tece crítica pontual à impropriedade da expressão “negar seguimento”:

Apesar da redação do art. 557, não se cuida, a rigor, de negativa de “seguimento” ao recurso, mas de negativa de “provimento”, eis que o relator não apenas deixa de encaminhar o recurso ao órgão colegiado ao qual em princípio é dirigido, mas declara que não procede a própria pretensão recursal, decidindo ele, monocraticamente, com a mesma eficácia e amplitude de que se revestiria a decisão colegiada38.

Por fim, o art. 557. do CPC/1973 passou por sua última reforma em 1998, antes de sua revogação decorrente da entrada em vigor da lei n. 13.105/2015 (novo Código de Processo Civil).

Nesse contexto, em 18 de dezembro de 1998 entrou em vigor a lei n. 9.756/98, que, dentre outras disposições, deu nova roupagem ao art. 557. do CPC/1973 e ampliou ainda mais os poderes do relator.

Assim, o art. 557. do CPC/1973 passou a viger com a seguinte redação:

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

§ 1º-A. Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

§ 1º. Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.

§ 2º. Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.

Foram muitas as alterações feitas no art. 557. do CPC/1973 por força da lei n. 9.756/98.

Nesse sentido, pode-se citar, inicialmente, o fato de que enquanto a redação anterior do art. 557. do CPC/1973 fazia referência apenas a “tribunal superior”, a lei n. 9.756/98 modificou o texto do dispositivo legal supracitado a fim de que dele constasse referência ao Supremo Tribunal Federal.

Ademais, conforme leciona Larissa Verea39, a nova redação do art. 557. do CPC/1973 passou a prever uma nova hipótese para julgamento unipessoal do recurso pelo relator, qual seja, a negativa de seguimento nos casos em que a tese jurídica veiculada no recurso confrontasse a jurisprudência dominante do tribunal no qual o recurso seria julgado, do Supremo Tribunal Federal ou de tribunal superior.

Dessa forma, com o advento da lei n. 9.756/98, para que o recurso fosse julgado monocraticamente, já não era mais necessário que o entendimento da jurisprudência do tribunal, contrário à tese recursal, estivesse sumulado, sendo suficiente que houvesse “jurisprudência dominante” acerca da matéria.

A lei n. 9.756/98 acrescentou ao art. 557. do CPC/1973 o § 1º-A, por meio do qual foi delegado ao relator o poder de, monocraticamente, “dar provimento” ao recurso, especificamente nas hipóteses em que a decisão recorrida estivesse em divergência com súmula ou com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. A propósito, observe-se que o supracitado § 1º-A é silente quanto ao recurso lastreado em orientação dominante do tribunal local.

Noutro aspecto, a lei n. 9.756/98 manteve o prazo de cinco dias para impugnação, por meio de agravo (dito interno/regimental), da decisão monocrática do relator que fosse proferida com fundamento no art. 557. do CPC/1973, sendo permitido ao relator o exercício do juízo de retratação (efeito regressivo dos recursos).

Outra alteração promovida pela aludida lei reformadora, embora sutil, diz respeito à forma como o agravo interposto contra a decisão monocrática do relator irá a julgamento: a redação anterior do art. 557, parágrafo único, do CPC/1973 previa que o relator pediria dia para julgamento do agravo, com a consequente inclusão em pauta; já na nova redação do mesmo dispositivo, constava que “o relator apresentará o processo em mesa”, o que dispensava a inclusão em pauta e conferia celeridade ao julgamento do recurso interno.

Ademais, outra inovação inserida no art. 557. do CPC/1973 por força da lei n. 9.756/98 foi o § 2º, que previa a possibilidade de fixação de multa de 1% (um por cento) a 10% (dez por cento) do valor corrigido dado à causa para a parte que interpusesse agravo interno/regimental manifestamente inadmissível ou infundado, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.

Cumpre ressaltar que a nova redação do art. 557. do CPC/1973, que lhe foi dada pela lei n. 9.756/98, ensejou divergências no tocante ao resultado almejado pelo legislador reformista.

Nesse sentido, quando do julgamento do Recurso Especial (REsp) n. 226.724/RS, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça teceu elogiosas considerações quanto à novel redação do dispositivo supracitado. Veja-se:

[…]

O “novo” art. 557. do CPC tem como escopo desobstruir as pautas dos tribunais, a fim de que as ações e os recursos que realmente precisam ser julgados por órgão colegiado possam ser apreciados o quanto antes possível. Por essa razão, os recursos intempestivos, incabíveis, desertos e contrários a jurisprudência consolidada no tribunal de segundo grau ou nos tribunais superiores deverão ser julgados imediatamente pelo próprio relator, através de decisão singular, acarretando o tão desejado esvaziamento das pautas. Prestigiou-se, portanto, o princípio da economia processual e o princípio da celeridade processual, que norteiam direito processual moderno.

(STJ, REsp 226.724/RS, Rel. Ministro Garcia Vieira, Rel. p/ Acórdão Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 16/11/1999, DJ 21/02/2000, p. 99).

Por outro lado, os processualistas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart40 entenderam que a reforma do art. 557. do CPC/1973, com a ampliação dos poderes do relator, não surtiu o efeito almejado; pelo contrário: referidos autores pontuaram que “essa reforma introduzida no CPC vem sendo compreendida como a introdução de mais um estágio na linha recursal, autorizando um primeiro exame pelo relator da impugnação e um posterior pelo colegiado”. Veja-se a íntegra da crítica:

Indubitavelmente, o sistema recursal atual padece de mal grave e de difícil solução. A busca de decisões mais perfeitas bate-se contra a necessidade de respostas rápidas do processo. Se o primeiro objetivo exige tempo, o segundo escopo impõe a restrição desse elemento. A compatibilização destas duas metas não é fácil, mas o sistema processual, por vários meios, tenta acomodar tais interesses conflitantes.

Por meio da Lei n. º 9.756/98, tentou-se dar mais um passo na busca do ponto perfeito de equilíbrio entre tais objetivos, ampliando-se os poderes conferidos ao relator para o julgamento dos recursos submetidos ao tribunal. Antes mesmo dessa nova lei, já eram amplos os poderes – havendo inúmeros casos em que se admitia o julgamento do recurso por ato exclusivo do relator –, mas o novo tratamento legal amplia substancialmente estes poderes, buscando uma tutela jurisdicional mais célere.

Se, todavia, essa foi, certamente, a primitiva idéia do legislador ao conceber a referida lei, dificilmente se poderá dizer que ela atingiu o resultado esperado. Observando-se a praxe forense, nota-se que essa reforma introduzida no CPC vem sendo compreendida como a introdução de mais um estágio na linha recursal, autorizando um primeiro exame pelo relator da impugnação e um posterior pelo colegiado. Nesse contexto, e considerada a atual visão emprestada ao instituto, conclui-se pela timidez da abrangência da inovação, a colocar em dúvida sua utilidade.

Por fim, o art. 557. do CPC/1973, com a redação que lhe foi dada pela lei n. 9.756/98, vigeu até 17 de março de 2016, quando entrou em vigor a lei n. 13.105/2015, que dispõe sobre o novo Código de Processo Civil.

3.3. Análise do artigo 557 do CPC/1973. Hipóteses de decisão monocrática do relator

3.3.1. Recurso manifestamente inadmissível

O art. 557. do CPC/1973, com a redação que lhe foi conferida pela lei n. 9.756/98, dispunha que “o relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível”.

Isso significa que, à luz do preceituado no dispositivo mencionado, o relator poderia negar seguimento imediato a um recurso que, de forma evidente (“manifesta”) não preenchesse algum ou alguns dos requisitos (intrínsecos ou extrínsecos) de admissibilidade recursal.

Tal possibilidade somente seria cabível quando não houvesse qualquer divergência doutrinária e/ou jurisprudencial quanto ao descumprimento do requisito de admissibilidade que não foi observado pela parte recorrente quando da interposição recursal.

Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero ensinam que “há manifesta inadmissibilidade quando o recurso não preenche os requisitos intrínsecos e/ou extrínsecos que viabilizam o seu conhecimento”41.

Complementando, para Cândido Rangel Dinamarco, “ser manifesta a inadmissibilidade significa que ela é perceptível sem maiores esforços e sem a necessidade de indagações mais profundas ou tomadas de posição em matéria controvertida”.42

Pode-se citar como exemplo de “manifesta inadmissibilidade” do recurso a interposição fora do prazo legal (intempestividade) e de deserção decorrente do não recolhimento do preparo ou de seu recolhimento após a interposição do recurso.

Outro exemplo de recurso manifestamente inadmissível é o da impugnação em que não há o devido enfrentamento dos fundamentos que lastrearam a decisão recorrida (dialeticidade recursal). Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça editou em 17/02/1997 a Súmula n. 182, cujo enunciado dispunha que “é inviável o agravo do art. 545. do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada”. Apesar de ter sido editada ainda na vigência do CPC/1973, essa súmula ainda é aplicável, na medida em que no novo Código de Processo Civil é permitida a negativa de seguimento de recurso “(…) que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida” (art. 932, III, CPC/2015).

Por fim, ressalte-se que, à luz do art. 557. do CPC/1973, a decisão unipessoal por meio da qual o relator já impedia o seguimento do recurso em razão de sua manifesta inadmissibilidade deveria se limitar à análise dos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, de modo que o relator não poderia, portanto, enfrentar o mérito recursal.

3.3.2. Recurso manifestamente prejudicado

Outra hipótese de negativa de seguimento do recurso, por meio de decisão unipessoal do relator, à luz do disposto no art. 557, caput, do CPC/1973, se dava quando a impugnação era ou estava manifestamente prejudicada.

Conforme Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, “recurso prejudicado é recurso no qual a parte já não tem mais interesse processual, haja vista a perda de seu objeto”43.

Por sua vez, para Barbosa Moreira recurso prejudicado é aquele que perde o objeto “(…) e, por conseguinte, cai no vazio o pedido de reforma ou anulação: v.g., se o juiz a quo reforma in totum a decisão agravada, prejudicado fica o agravo”44.

Um exemplo clássico do recurso manifestamente prejudicado ocorre quando, estando pendente de julgamento um agravo de instrumento, há a superveniente prolação da sentença nos autos originários. Assim, diz-se que o agravo de instrumento perdeu seu objeto em razão da superveniência da sentença nos autos principais. Da mesma forma, há a prejudicialidade do agravo de instrumento quando o próprio juiz singular prolator da decisão agravada a revoga. Nesse sentido, Accácio Cambi aduz ser manifestamente prejudicado “(…) o recurso que perdeu o seu objeto, com a retratação do juiz a quo da decisão agravada, ou pelo julgamento, ou, ainda, pela desistência da ação principal”45.

É importante destacar que, para que se possa falar em manifesta prejudicialidade do recurso, a perda do objeto deve ser patente e incontroversa, de tal forma que a desnecessidade da continuidade do recurso revelar-se-á inquestionável.

Dessa forma, conforme a lição de Athos Gusmão Carneiro46, havendo uma mínima controvérsia quanto à prejudicialidade do recurso, a questão deverá ser submetida ao crivo do órgão de julgamento coletivo, em atenção à regra da colegialidade, de modo que, assim, o relator deverá se abster de proferir decisão monocrática.

3.3.3. Recurso manifestamente improcedente

Além das situações ora mencionadas, de acordo com o que era previsto no art. 557, caput, do CPC/1973, ao relator era dado o poder de, mediante decisão unipessoal, negar seguimento ao recurso que considerasse “manifestamente improcedente”.

Nesta hipótese, diferentemente das demais até aqui abordadas (recursos inadmissíveis e prejudicados), o relator ultrapassava a admissibilidade e efetivamente enfrentava o mérito recursal, fazendo juízo de mérito quando a decisão recorrida estivesse em manifesto contraste com súmula do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal superior, ocasião em que negava seguimento ao recurso. Portanto, nesta situação, havia clara mitigação da regra da colegialidade com a permissão de prolação de decisão monocrática em que o relator efetivamente enfrentava o mérito da pretensão recursal.

Melhor explicando essa hipótese de decisão monocrática, Cândido Rangel Dinamarco47 preleciona que:

A improcedência de um recurso é a desconformidade entre a pretensão dirigida pelo recorrente ao tribunal e a ordem jurídica. Ela ocorre quando o recorrente pleitear contra lei expressa, ou contra a interpretação consagrada e pacificada de determinado texto legal, ou contra a prova produzida nos autos etc.

Da mesma forma, para Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero48:

A manifesta improcedência pode ocorrer em face de o relator já antever a probabilíssima improcedência do recurso por conta da existência de jurisprudência pacífica do órgão fracionário em que tem assento e que representa, ou por estar o recurso em confronto com “súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior” (art. 557, caput, CPC).

A doutrina processualista tece enorme crítica ao desprezo da boa técnica legislativa pelo legislador ordinário quando da elaboração da última redação do art. 557. do CPC/1973, por meio da lei n. 9.756/98, especificamente no tocante à impropriedade da expressão “negar seguimento” quando o recurso é “manifestamente improcedente”. Nesse sentido, Athos Gusmão Carneiro49 asseverava que:

Apesar da redação do art. 557, não se cuida, a rigor, de negativa de “seguimento” ao recurso, mas de negativa de “provimento”, eis que o relator não apenas deixa de encaminhar o recurso ao órgão colegiado ao qual em princípio é dirigido, mas declara que não procede a própria pretensão recursal, decidindo ele, monocraticamente, com a mesma eficácia e amplitude de que se revestiria a decisão colegiada.

Teresa Arruda Alvim Wambier afirmava que “pode o relator negar seguimento ao recurso, considerando-o manifestamente improcedente, hipótese em que se está diante de exercício de juízo de mérito negativo”50.

Portanto, caso constatasse, de imediato, a (manifesta) improcedência do recurso, o relator, à luz do que lhe era permitido pelo art. 557, caput, do CPC/1973, podia negar-lhe seguimento (leia-se: “provimento”) à impugnação recursal, por meio de decisão monocrática, o que, obviamente, dispensava a submissão do caso ao crivo do colegiado.

3.3.4. Recurso em manifesto confronto com súmula

O art. 557, caput, do CPC/1973, quando ainda vigente, autorizava o relator a negar seguimento (leia-se: “provimento”) a recurso que estivesse em confronto com súmula ou jurisprudência do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

Por súmula, entende-se como o resumo do entendimento dominante de um determinado tribunal acerca da interpretação e aplicabilidade de normas legais em determinado contexto histórico-social-político51.

Ao longo dos anos, as súmulas tornaram-se cada vez mais relevantes no ordenamento jurídico brasileiro. Antes, serviam como meros parâmetros a serem observados pelo julgador acerca da interpretação adotada pelos tribunais sobre uma determinada tese jurídica, sem qualquer obrigatoriedade de observância ou vinculação. Contudo, com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, a Súmula Vinculante foi inserida no mundo jurídico brasileiro e, desde então, passou a ser norma cogente e de observância obrigatória por todos os órgãos do Poder Judiciário brasileiro, além da própria Administração Pública em geral.

Alfredo Buzaid52 faz interessante ponderação acerca da importância da súmula no direito brasileiro como um esteio da segurança jurídica:

A súmula é estabelecida não para impor cega obediência ao primado da exegese, estancando, desvanecendo ou estiolando o espírito criador dos juristas em busca de fórmulas novas que atendam ao objetivo da Justiça. A sua finalidade é por um clima de segurança na ordem jurídica, sem a qual fenecessem as esperanças na administração da Justiça.

[…]

Seguir uma orientação uniforme é um bem para a estabilidade da ordem jurídica. Inspira confiança, guarda acatamento aos órgãos superiores da Justiça e mantém a autoridade.

A ex-ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie Northfleet53, citada pelo ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Sálvio de Figueiredo Teixeira, também perfilha do mesmo entendimento e faz importante ponderação quanto à necessidade de observância das súmulas e da jurisprudência dominante dos tribunais superiores:

Não se pode deixar de referir que, inobstante todas as objeções fundadamente apresentadas por ilustres doutrinadores, representantes da magistratura e da classe dos advogados, as decisões dos tribunais superiores (e, não apenas do Supremo Tribunal Federal) tradicionalmente têm, em nosso sistema judiciário, força persuasiva prevalecente sobre a formação de convencimento dos magistrados das instâncias inferiores. Isso porque, ao apreciar demanda nova, uma das atitudes mais comuns aos magistrados consiste no saudável estudo da jurisprudência já assentada sobre o tema. Tal exercício, conjugado com a análise detalhada dos fatos da causa, da legislação aplicável e dos subsídios oferecidos pela produção doutrinária, conduz à prolação de sentenças densas de conteúdo, em que a decisão do litígio encontra embasamento seguro e as probabilidades de reformas se reduzem consideravelmente.

Cumpre destacar que a súmula, assim como o direito em si, é dinâmica – não, estática –, porquanto comporta revisão ou até mesmo seu cancelamento, conforme o disposto no art. 103-A, § 2º, da Constituição Federal. Nesse prisma, assim discorre o ex-ministro do STF Victor Nunes Leal54:

A Súmula não é nem estática, nem estratificada, porque está previsto no Regimento do Supremo Tribunal, não só o seu acréscimo continuado, como também o mecanismo de sua modificação. Portanto, o que nela mais importa, como solução duradoura, não é propriamente o conteúdo de seu enunciado (contra os quais é que se rebela boa parte de seus críticos); o que mais importa na Súmula é ser um método de trabalho, um instrumento de auto disciplina do Supremo Tribunal, um elemento de racionalização da atividade judiciária, que simplifica a citação de precedentes, elimina afanosas pesquisas e dispensa referência especial, tanto aos julgados que lhe servem de base, como aos posteriores que se limitarem a aplicar a Súmula.

[…]

Importante ressaltar a difusão que teve a Súmula, como método de trabalho, pois este parece ser o seu aspecto de maior eficácia, suplantando mesmo a sua condição de repertório oficial da Alta Corte. Em certo sentido, pode-se dizer que o conteúdo da súmula passa para segundo plano, quando o comparamos com a sua função de método de trabalho, revestido de alguns efeitos processuais, que contribuem para o melhor funcionamento da justiça.

Portanto, é evidente que a súmula assumiu posição de destaque no ordenamento jurídico brasileiro como um relevante instrumento de estabilização da jurisprudência, de modo que a tese veiculada em impugnação recursal que esteja em contrariedade com tese jurídica já sumulada autoriza o relator a, valendo-se de decisão monocrática, negar seguimento (“provimento”) a recurso.

3.3.5. Recurso em manifesto confronto com “jurisprudência dominante”

Outra hipótese de decisão a ser proferida pelo relator monocraticamente, prevista no art. 557, caput, do CPC/1973 (redação dada pela lei n. 9.756/98) era a de negativa de seguimento (leia-se: “provimento”) quando o recurso (ou melhor, a tese jurídica nele veiculada) estivesse em manifesto confronto com a “jurisprudência dominante” do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

A adoção desse critério converge para a importância que a jurisprudência alcançou nos últimos anos no ordenamento jurídico mundial, e, particularmente, no brasileiro. Tanto é assim que a jurisprudência já é considerada uma fonte do direito.

René Ariel Dotti destaca que “a jurisprudência é um valioso instrumento para o profissional do Direito, porque sintetiza o pensamento do juiz ou do Tribunal sobre uma questão discutida pelas partes interessadas. Ela é o primeiro passo para indicar a solução do caso concreto”55.

Para a civilista Maria Helena Diniz, a jurisprudência atua como um norte para o julgador e tornou-se uma “fonte de direito, uma vez que repercute na produção de normas individuais e participa na produção do fenômeno normativo, apesar de sua maleabilidade”56.

O fato é que a doutrina processualista tece duras críticas a essa hipótese de prolação de decisão monocrática prevista no art. 557, caput, do CPC/1973, notadamente em razão da vagueza semântica da expressão “jurisprudência dominante”. A propósito, conforme leciona Fabiano Carvalho, “dentre os fundamentos que autorizam o relator a negar seguimento a recurso, a classe da jurisprudência dominante é a que registra maior dificuldade de aplicação”57.

Diante da vagueza e da imprecisão da expressão “jurisprudência dominante”, alguns doutrinadores ousaram conceituá-la, a fim de diminuir a insegurança jurídica que se formou em torno do assunto. Nesse sentido, imbuídos dessa tormentosa tarefa, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero58 assim conceituam “jurisprudência dominante”:

Jurisprudência pacífica é aquela que não encontra oposição séria dentro do Tribunal em que formada. Normalmente acaba enunciada sob a forma de súmula. Jurisprudência dominante é aquela que predomina na orientação da Corte, ainda que exista outra orientação igualmente ponderável em contrário. A jurisprudência dominante pode ser surpreendida no incidente de uniformização de jurisprudência em que não se logrou quórum para edição de súmula (arts. 476. e 479, CPC) e no incidente de deslocamento de competência (art. 555, § 1°, CPC).

Por sua vez, José Carlos Barbosa Moreira59 afirma que, nessa hipótese de aplicação do art. 557, caput, do CPC/1973, havia o risco concreto de cometimento de injustiça, de modo que era dever do relator agir com a máxima prudência em tal situação. Veja-se:

Mais que nas outras, pode causar graves injustiças a eventual afoiteza do relator em negar seguimento ao recurso: nem sempre constitui sinal seguro de inconsistência a mera discrepância entre a tese defendida pelo recorrente e a de proposição constante de súmula; a fortiori o simples dissenso entre aquela tese e a jurisprudência predominante no tribunal, mas não incluída em súmula […]. Deve o relator examinar com cuidado especial as razões do recurso: é sempre possível que haja aí argumentos novos, até então não considerados. Preferível suportar algum peso a mais na carga de trabalho nos tribunais a contribuir para a fossilização da jurisprudência. A lei do menor esforço não é necessariamente, sob quaisquer condições, boa conselheira.

Para Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier, o ideal é que o conceito de jurisprudência dominante fosse determinado no tempo e no espaço, tendo como norte, no campo do direito federal infraconstitucional, apenas e exclusivamente os pronunciamentos do Superior Tribunal de Justiça acerca de determinada tese jurídica. Nesse sentido, referidos processualistas destacam que não compete aos tribunais estaduais e distrital, assim como aos Tribunais Regionais Federais (TRF’s), definir, pela reiteração de seus julgados, o entendimento do direito infraconstitucional federal, cuja competência exclusiva, reitere-se, é do STJ.

Por fim, buscando definir com maior precisão e objetividade a expressão “jurisprudência dominante”, o supracitado processualista se vale de critérios numéricos, os quais seriam delimitados no tempo. Veja-se:

O entendimento da Corte Superior do STJ, a respeito da interpretação do direito federal, poderia considerar-se dominante se houvesse a reiteração de decisões majoritárias daquela Corte, no mesmo sentido, na proporção de 70% a 30%, durante o período de cinco anos (ou três, ou dois anos, por exemplo, contados retroativamente)60.

Em dissertação de mestrado sobre o tema, Wanessa Françolin61 entende que o conceito de “jurisprudência dominante” é equivalente ao de “jurisprudência majoritária”. Ainda, reconhece que há enorme dificuldade para se definir a quantidade de decisões sobre determinada matéria a ponto de se chegar a uma “jurisprudência dominante”. Assim, para referida autora, poder-se-ia utilizar, como parâmetro para definição de “jurisprudência dominante”, sempre que houvesse uma maioria simples de julgados (50% mais 1) sobre determinada tese jurídica.

Já Cândido Rangel Dinamarco62 discorda da adoção de critérios numéricos para definição de “jurisprudência dominante” e afirma que tal mister ficará ao alvedrio do relator. Veja-se:

Os relatores e os tribunais devem ter consciência de que inexiste um critério quantitativo de que suficiente para sua especificação.

[…]

Jurisprudência dominante será não somente aquela decidida em incidentes de uniformização de jurisprudência, mas também a que estiver presente em número significativo de julgados, a critério do relator.

Dessa forma, não há um consenso quanto ao conceito e ao alcance da expressão “jurisprudência dominante”, de modo que, à luz do disposto no art. 557, caput, do CPC/1973 (já revogado), era dever do relator agir com a máxima prudência ao proferir decisão monocrática nesta hipótese. Para tanto, era dever do relator empreender extensa pesquisa no repertório jurisprudencial do Tribunal no qual toma assento, a fim de se assegurar de que, efetivamente, havia uma jurisprudência sólida e cristalizada sobre determinada tese jurídica.

Evidentemente, a mera menção a julgados esparsos e que não representam a predominância do entendimento da Corte sobre determinado assunto, para o fim de negar seguimento a recurso, atenta contra a segurança jurídica e contra o próprio princípio da legalidade, uma vez que ao conferir nova redação ao art. 557, caput, do CPC/1973, o legislador ordinário objetivou permitir que o relator pudesse negar seguimento ao recurso que veiculasse tese jurídica contrária à jurisprudência que fosse efetiva e maciçamente dominante sobre a matéria.

Não bastasse a vagueza e a imprecisão da expressão “jurisprudência dominante”, é importante ressaltar que, mais uma vez, o legislador ordinário descuidou-se da boa técnica legislativa ao redigir o art. 557, caput, do CPC/1973 (redação da lei n. 9.756/98), no qual constava que o relator poderia negar “seguimento” (e não “provimento”, que seria o certo) quando o recurso contrariasse súmula ou jurisprudência do respectivo tribunal, do STF ou de Tribunal Superior. Isso porque, numa interpretação a contrario sensu, se a decisão recorrida contrariasse o entendimento dominante do respectivo tribunal, do STF ou de Tribunal Superior, o relator poderia dar “provimento” ao recurso, na forma que lhe era autorizado pelo art. 557, § 1º-A, do CPC/1973.

Ressalte-se ainda que, segundo parcela da doutrina processualista, para que o relator pudesse proferir decisão unipessoal na hipótese estudada, era importante que a jurisprudência dominante do tribunal local fosse compatível com a jurisprudência também dominante do Supremo Tribunal Federal e/ou dos tribunais superiores. Acerca do tema, Luiz Rodrigues Wambier63 bem expõe a situação:

Está absolutamente equivocada a posição que vem sendo adotada por setores minoritários da jurisprudência, no sentido de se negar seguimento a recurso que confronte com a posição do Tribunal local ou, pior ainda, de órgão fracionário do tribunal local! Se prevalecer este entendimento, visível e evidentemente equivocado, haverá quebra de ordem constitucional, justamente em razão da usurpação de competência do Superior Tribunal de Justiça. Nem se diga que o texto da lei confere poderes aos tribunais locais. Ao prever que possa o relator negar seguimento a recurso que confronte com a jurisprudência dominante do respectivo tribunal, a lei somente pode ter querido referir-se à hipótese de existir jurisprudência local que não colida com aquilo que também no Superior Tribunal de Justiça se tiver entendido como tal.

Por fim, como bem salientado pelo jurista português Domingues de Andrade no antológico discurso denominado “Oração de Sapiência”, pronunciado em 1953 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, “a jurisprudência está ao serviço da lei, mas num sentido de obediência pensante, que atende menos à letra que mata do que ao espírito que vivifica; e para além da lei, mas através dela, ao serviço do ideal jurídico – do nosso sentido do Direito que em cada momento deve ser”64.

3.3.6. Decisão recorrida em manifesto confronto com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e/ou de Tribunais Superiores. Hipótese de se “dar provimento” ao recurso

A última hipótese de decisão monocrática que o legislador ordinário inseriu no art. 557. do CPC/1973, por meio da lei n. 9.756/98, era aquela em que a decisão recorrida (e não o “recurso” em si, observe-se) estava em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e/ou de Tribunal Superior.

Nesse sentido, o art. 557, § 1º-A, do CPC/1973 (incluído pela lei n. 9.756/98) rezava que “se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso”. Tal dispositivo, assim como todo o CPC/1973, foi revogado pelo art. 1.046. da Lei n. 13.105/2015 (novo CPC).

A primeira observação quanto ao art. 557, § 1º-A, do CPC/1973 que se faz é a de que, nesta hipótese, o juízo de valor que era adotado pelo relator, por meio de decisão monocrática, era positivo, uma vez que o § 1º-A afirmava que o relator estava autorizado a “dar provimento” ao recurso.

Ademais, nesta hipótese, não era possível dar provimento ao recurso quando a “decisão recorrida” (e não o recurso em si) estivesse em manifesto confronto com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, diferentemente do que ocorria na hipótese prevista no art. 557, caput, do CPC/1973, em que o confronto do recurso interposto com a jurisprudência dominante do respectivo tribunal autorizava o relator a negar seguimento à impugnação recursal.

A propósito, Sérgio Bermudes discorre que não é possível saber se essa exclusão legislativa foi feita “por descuido ou por ter reputado mais importante a situação de provimento do recurso do que a de desprovimento, previsto no caput”65.

Ademais, questão tormentosa e que gerou muitas controvérsias no âmbito doutrinário e jurisprudencial é a relativa à necessidade de prévia intimação da parte contrária para apresentar contrarrazões ao agravo de instrumento contra si interposto, nas hipóteses em que o relator entendesse que o caso comportava julgamento monocrático com amparo no art. 557, § 1º-A, do CPC/1973.

Nesse prisma, é cediço que, à luz do disposto no art. 557, caput, do CPC/1973, na hipótese em que o relator proferia decisão monocrática negando seguimento (“provimento”) ao agravo de instrumento, era desnecessária a intimação da parte agravada para contrarrazoar, uma vez que a rejeição liminar do agravo de instrumento contra si interposto não lhe prejudicaria, senão ao próprio agravante.

Entretanto, situação totalmente diversa era aquela prevista no art. 557, § 1º-A, do CPC/1973, em que o provimento do agravo de instrumento evidentemente prejudicaria a parte agravada.

Nesta situação específica, em que o relator já vislumbrasse de imediato a possibilidade de provimento monocrático do agravo de instrumento, a doutrina processualista já pendia para a necessidade de estabelecimento do contraditório, com a prévia intimação da parte agravada para contrarrazoar o recurso contra si interposto.

Nesse sentido, Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha66 assim ponderam:

No caso de lhe dar provimento (ao agravo), parece necessário instaura-se, previamente, o contraditório, a fim de que o agravado possa ter a oportunidade de demonstrar que o caso não se enquadra na hipótese de manifesto contraste com súmula de tribunal superior ou de jurisprudência do Plenário do STF.

Da mesma forma, assim leciona Teresa Arruda Alvim Wambier67:

Rigorosamente, pois, o correto seria o relator provocar o contraditório até mesmo antes, quando fosse decidir o agravo, dando-lhe provimento, com base no art. 557, em constatando a existência manifesta das situações descritas pela lei, podendo o contraditório ser dispensado só no caso de inadmissibilidade ou de improvimento do recurso.

Por fim, Araken de Assis percorre a mesma linha de raciocínio68:

Apesar da ausência de nulidade, a visão liberal recomenda, em homenagem contrita ao contraditório, a intimação pessoal do próprio agravado, constando seu endereço nos traslados, justamente para constituir advogado e, mostrando-se oportuno, responder ao agravo.

A controvérsia ora exposta somente veio a ser pacificada depois que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.148.296/SP (afetado sob a sistemática de recurso repetitivo), assentou que, na sistemática do art. 557, § 1º-A, do CPC/1973, era obrigatória a intimação prévia da parte agravada para responder o agravo de instrumento contra si interposto quando o relator vislumbrasse a possibilidade de provimento monocrático do recurso. Veja-se a íntegra da ementa do acórdão:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 527, V, DO CPC. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO AGRAVADO PARA RESPOSTA. OBRIGATORIEDADE. NULIDADE. O PRINCÍPIO DO PREJUÍZO IMPEDE A APLICAÇÃO DA REGRA MATER DA INSTRUMENTALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535. DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.

1. A intimação da parte agravada para resposta é procedimento natural de preservação do princípio do contraditório, nos termos do art. 527, V, do CPC, in verbis: “Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído ‘incontinenti’, o Relator: (…) V - mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de dez (10) dias (art. 525, § 2º), facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente, sendo que, nas comarcas sede de tribunal e naquelas em que o expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante publicação no órgão oficial.”

2. A dispensa do referido ato processual ocorre tão-somente quando o relator nega seguimento ao agravo (art. 527, I), uma vez que essa decisão beneficia o agravado, razão pela qual conclui-se que a intimação para a apresentação de contra-razões é condição de validade da decisão que causa prejuízo ao recorrente. (Precedentes: REsp 1187639/MS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/05/2010, DJe 31/05/2010; AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 1101336/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/02/2010, DJe 02/03/2010; REsp 1158154/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/11/2009, DJe 27/11/2009; EREsp 882.119/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009; EREsp 1038844/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2008, DJe 20/10/2008)

3. Doutrina abalizada perfilha o mesmo entendimento, verbis: “Concluso o instrumento ao relator, nas 48 horas seguintes à distribuição (art. 549, caput), cabe-lhe, de ofício, se configurada qualquer das hipóteses do art. 557. caput, indeferir liminarmente o agravo (inciso I). Não sendo esse o caso, compete-lhe tomar as providências arroladas nos outros incisos do art. 527. (…) A subsequente providência - cuja omissão acarreta nulidade - consiste na intimação do agravado.” (José Carlos Barbosa Moreira, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, 15ª ed., Ed. Forense, p. 514)

4. In casu, o acórdão recorrido deu provimento ao agravo de instrumento do Município de São Paulo, causando evidente prejuízo aos agravados, ora recorrentes, por isso que merece ser reformado.

5. O art. 535. do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

6. Recurso especial provido, determinando-se o retorno dos autos à instância de origem, para que proceda à intimação do recorrente para apresentação de contra-razões ao agravo de instrumento. Prejudicadas as demais questões suscitadas. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/200869.

Portanto, em atenção ao princípio constitucional do contraditório, era obrigatória a prévia intimação da parte agravada na situação em que o relator já vislumbrasse de plano a possibilidade de dar provimento ao agravo de instrumento interposto, na forma autorizada pelo art. 557, § 1º-A, do CPC/1973.

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Sobre o autor
Alexs Gonçalves Coelho

Mestre em prestação jurisdicional e direitos humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), em parceria com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense - ESMAT (2020). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas (2018). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (2017). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Criminologia pela Escola Superior da Magistratura Tocantinense - ESMAT (2014). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Público pela Uniderp/Anhanguera (2011). Graduado em Direito pelo Centro Universitário UnirG, Gurupi/TO (2008). Escrivão Judicial - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2010-atualidade). Assessor Jurídico de Desembargador - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2013-atualidade). Membro da Equipe Especial Disciplinar da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Tocantins - EED/CGJUS/TO (2014/2015). Assistente de Gabinete de Desembargador - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2012/2013). Assessor Jurídico de 1ª Instância - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2009/2010). Assistente de Gabinete de Promotor - Ministério Público do Estado do Tocantins (2006/2007).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Alexs Gonçalves. Poderes do relator no novo Código de Processo Civil.: Generalidades, aspectos polêmicos e análise crítica dos artigos 932 e 933 do CPC/2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5143, 31 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59327. Acesso em: 22 dez. 2024.

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