Criminalização da liberdade de expressão e partidária: um recorte da impostura parlamentar, do deputado Eduardo Bolsonaro.

25/07/2017 às 02:11
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A inconstitucionalidade do projeto de lei, do deputado Eduardo Bolsonaro, não é compatível com o inciso V, do art. 1°, inciso IV, do art. 5°, § 1º do art. 17, ambos da Constituição Federal, ao tentar criminalizar a liberdade de expressão, da esquerda brasileira.

A Família Bolsonaro, ícone de diversas polêmicas, mais recentemente, mediante projeto de lei de autoria do deputado Federal – Eduardo Bolsonaro, propõe a criminalização do comunismo no Brasil. Tal iniciativa, sob o prisma da Constitucionalidade, seria possível no Brasil?

A jornalista BRETAS (2017, online), em publicação na Revista Exame, nos faz pensar que a referida proposta vai muito além de censurar a liberdade de expressão dos cidadãos que são militantes da esquerda, pois, de acordo com a referida reportagem:

      O texto do parlamentar pune quem distribuir propaganda com o símbolo da foice e do martelo e quem fizer apologia a regimes comunistas.

Na definição do Dicionário Aurélio (2016, online), apologia significa tanto defender, quanto elogiar uma ideia, uma corrente teórica ou ideológica, no caso: o comunismo. Neste diapasão, SOBRINHO (2007, online) nos esclarece que “a história da humanidade tem sido a história da luta de classes”, assim, a proposta bolsonarista de criminalizar, segregar e censurar o pensamento comunista é incompatível com a própria história do povo brasileiro, pois vivemos em um país plural, onde todos, em tese, são iguais perante a lei e livres para exercermos nossas crenças e defendermos nossos ideais. Liberdade esta, que não caiu do céu, pois é fruto de diversas revoluções ocorridas ao longo da história do Brasil, não havendo como apagar os inúmeros registros em nossas bibliotecas da influência exercida por grandes personalidades nacionais e mundiais, na formação do povo brasileiro, a exemplo de pensadores da esquerda: Oscar Niemeyer, Cecília Meireles, Nise da Silveira, Luiz Carlos Prestes, Ferreira Gullar, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela, dentre muitos outros.

Neste liame, SOBRINHO (2007, online) ilumina mais este debate ao melhor definir o comunismo como corrente teórica que sempre foi cercada de diversas concepções, visões, interpretações e releituras, como:

[...] Marx e Engels [...] com a finalidade de esclarecer aos proletários a viabilidade e a necessidade histórica de uma estratégia de superação do modo de produção capitalista. Trata-se de um texto programático, de caráter político, teórico e sobretudo crítico, que aponta para uma civilização do futuro, libertada dos males históricos decorrentes do sistema de propriedade privada e mantida pela produção dos indivíduos livres e associados

[...]

A alternativa apontada pelo Manifesto trata essencialmente da possibilidade da emancipação humana em relação à desumanidade da exploração capitalista

[...] (Grifo Nosso)

A referida proposta de lei do deputado Eduardo Bolsonaro, em face da liberdade de expressão dos militantes de esquerda, é um tanto questionável, com a devida vênia aos apoiadores da família Bolsonaro, tendo-se em vista as inúmeras polêmicas extremamente negativas que aquele grupo parlamentar está relacionado.

Importante frisar que assim como os militantes de direita possuem liberdade de expressão e de manifestação pacífica, garantidos pelos incisos IV e XVI, do art. 5°, da Carta de 1988, os políticos de esquerda gozam dos mesmos direitos, por força do Princípio Constitucional da Isonomia imposto pelo caput, do art. 5°, da Constituição Cidadã de 1988. Ou seja, se a direita, da qual a família Bolsonaro faz parte, quer derrotar as teses da esquerda, que o façam, no campo político, mediante debate, exposição e defesa de ideias e não buscando a criminalização de grupos que pensam diferente, pois caso contrário, nem sequer em tese, o Brasil seria um Estado Democrático de Direito, tão decantado no caput, do art. 1° da Lei Maior.

Ao mesmo tempo em que debatemos a referida proposta bolsonarista, de criminalização da esquerda, não se pode perder de vista que aquele grupo político é declarado opositor à igualdade de direito à família homoafetiva, inclusive o deputado federal – Jair Bolsonaro prega violência em face de homossexuais, conforme elucida LEILA SUWWAN (2002, online):

Na terça-feira, o deputado Jair Bolsonaro (PPB-RJ), capitão da reserva do Exército, colocou a foto de FHC segurando a bandeira gay na porta de seu gabinete, com a frase: "Eu já sabia...".Questionado, Bolsonaro não quis revelar como termina a frase. "O objetivo é tirar sarro", disse, sem conter a risada. Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater. [...] (Grifo Nosso)

Documentário, da rede de televisão inglesa BBC, intitulado "Out There", de Stephen Fry (2013, online), sobre a situação dos homossexuais, a partir do minuto 0:09:50, o deputado Jair Bolsonaro afirma que “[...] Nós, o povo, a sociedade brasileira, não gostamos de homossexual [...]”.

O canal Pragmatismo Político (2014, online), a partir do minuto 0:00:18 registra declaração do deputado Jair Bolsonaro, ao fazer apologia à violência, por parte dos pais, em face dos filhos homossexuais: “ [...] se o filho fica assim, meio gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele [...]”.

O programa Super Pop, da Rede TV (2015, online), a partir do minuto 0:04:22, mostra declaração do deputado Jair Bolsonaro, ao questionar a doação de sangue, por parte de homossexuais:

[...] Entre o sangue meu, por exemplo, e de um homossexual [...] se perguntar pra quem precisa doar sangue [...] você vai ver que a resposta [....]

 Enfim, os parlamentares bolsonaristas causam um grande desserviço ao país ao se posicionarem com tamanha ferocidade em face da liberdade de expressão dos pares homoafetivos, e dos militantes de esquerda, pois tais cidadãos, como quaisquer outros, contribuem para o desenvolvimento nacional, destacando ainda que o Princípio da Igualdade escancarado no caput, do art. 5°, da Lei Maior de 1988 não permite tal segregação entre direita e esquerda, heterossexuais e homossexuais etc., como se o Brasil fosse regido por um sistema de castas.

Cumpre destacar que a família Bolsonaro está supostamente envolvida em crime ambiental devido possível pesca predatória, de acordo com o editorial de O Globo (2013, online). Por sua vez, o editorial da Revista Veja (1998, p.39) registra Jair Bolsonaro congratulando as atrocidades de um ditador chileno: "Pinochet devia ter matado mais gente". Neste liame, é incompreensível os bolsonaristas buscarem a criminalização do comunismo, ao mesmo tempo em que pregam a violência contra homossexuais e aplaudem a truculência de Pinochet.

A proposta bolsonarista é, acima de tudo, preconceituosa, pois, se por exemplo, os deputados brasileiros começassem debater a criação de tipos penais para criminalizar todo tipo de conduta que não é aceita por certos blocos parlamentares sobre o argumento de que tal corrente ideológica / instituição, em algum tempo da história da humanidade provocou guerras e mortes, nesta aloprada linha de raciocínio o próprio cristianismo, por exemplo, poderia ser objeto de um projeto de lei inconstitucional, de tal envergadura, uma vez que protestantes e católicos travaram diversas guerras entre si, sem falar nas vidas ceifadas pela inquisição; os próprios círculos monárquicos brasileiros, da atualidade, seriam criminalizados, pois todas as monarquias absolutistas perseguiram, duramente, seus opositores; sem falar nas diversas vidas ceifadas durante a Ditadura Militar, no Brasil. Se os adeptos, na atualidade, do cristianismo, da monarquia etc., pelo simples fato de expressarem sua opinião pacífica e totalmente desvinculada dos erros do passado não são aviltados com projeto de lei que vise criminalizar seu direito de expressão, por qual motivo o Estado brasileiro deveria permitir que comunistas brasileiros sofram tão escárnio? Há dois pesos e duas medidas, para se tratar do mesmo direito de livre expressão do pensamento, de cristãos, comunistas, direitistas, etc.?

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Apesar de termos elucidado o quanto é descabido, do ponto de vista histórico, a “iniciativa” de criminalizar a liberdade de expressão da esquerda, ainda é possível salutar destacar a inconstitucionalidade de tal proposta.

Infelizmente, o posicionamento do Pretório Excelsior é no sentido de o Poder Judiciário não poder exercer o controle jurisdicional de constitucionalidade sobre projetos de leis, mesmo sendo totalmente desconexos de nosso contexto histórico e incompatível com a Magna Carta de 1988, conforme elucida HAIDAR (2013, online). Caso tal aberração jurídica seja aprovada pelas Comissões e plenário da Câmara e Senado Federal, e posterior sanção presidencial, somente a partir de então que o Poder Judiciário poderá atuar, no sentido de garantir a liberdade de expressão, atacada por aquele projeto de lei.

Por todos os alertas supramencionados, é importante destacar que o próprio Texto Constitucional vigente elenca a impossibilidade jurídica de tal proposta, uma vez que o inciso V, do art. 1° da Lei Maior de 1988 positiva o pluralismo político, ou seja, os parlamentares, ao bel prazer, não podem simplesmente criminalizar o posicionamento de agremiações que possuem entendimento diferente.

Por sua vez, o inciso IV, do art. 5°, da Carta de 1988 é absolutamente claro ao declarar a liberdade de manifestação do pensamento, ou seja, se militantes comunistas não se esconderem debaixo do anonimato, e nem tão pouco desrespeitarem a legislação vigente, nada obsta que a esquerda milite.

Por fim, os incisos e parágrafos do art. 17, da Constituição Federal são muito claros ao prezar pela liberdade dos partidos políticos, e isto inclui os partidos de esquerda, de se auto organizarem, em torno de suas ideologias, desde que não afrontem a legislação vigente. Portanto, tendo-se em vista a hierarquia das leis, proposta por Hans Kelsen, é bem possível crer, que caso esta equivocada proposta, algum dia, se transforme em lei, o Supremo Tribunal Federal poderá consertar este equívoco ao garantir a liberdade de expressão e a diversidade partidária.

Portanto, pode-se perfeitamente concluir que este projeto de lei, que visa criminalizar a liberdade de expressão da esquerda brasileira, não elenca, em si, a justa aplicação do Direito, pois afronta a liberdade de expressão e de organização partidária conquistadas mediante tantas lutas e revoluções, até serem, finalmente, positivadas na Magna Carta de 1988.


REFERENCIA

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 2ª ed., São Paulo, Atlas, 2000

BOLSONARO: "Ter filho gay é falta de porrada!". 2014. 02min16s. Son. Color, Formato: 16 mm, Pragmatismo Político. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=QJNy08VoLZs&t=56s >. Acessado em Julho de 2017

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acessado em Julho. 2017

BUARQUE, Aurélio. Define-se apologia como “Elogio, Defesa laudatória”. Publicado em: 2016-09-24, revisado em: 2017-02-27. Disponível em: ‹ https://dicionariodoaurelio.com/apologia ›. Acesso em: 24 Jul. 2017

HAIDAR, Rodrigo. STF não pode fazer controle prévio de projetos de lei. 2013. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-jun-13/supremo-nao-controle-previo-projetos-lei >. Acessado em Julho de 2017.

JORNAL DO BRASIL. Projeto de Bolsonaro criminaliza apologia ao comunismo e prevê prisão e multa. 2017. Disponível em: < http://www.jb.com.br/pais/noticias/2017/07/24/projeto-de-bolsonaro-criminaliza-apologia-ao-comunismo-e-preve-prisao-e-multa/ > Acessado Julho 2017.

O GLOBO. STF decide se Bolsonaro vai ser réu de ação por crime ambiental. 2013. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/rio/stf-decide-se-bolsonaro-vai-ser-reu-de-acao-por-crime-ambiental-10904848 >. Acessado em Julho de 2017.

Out There. Direção: Stephen Fry, Londres, 2013. 12min52s. Son. Color, Formato: 16 mm, disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=9TiqyO5JQZs >. Acessado em Julho de 2017.

Revista Veja, edição 1575, de 2 de Dezembro de 1998 – p. 39

SOBRINHO, Zéu Palmeira. O Manifesto Comunista, um referencial da construção teórico-prática da crítica social. 2007. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/9518/o-manifesto-comunista >. Acessado Julho 2017.

SUPER POP. Rede TV. Bolsonaro fala sobre o sangue dos homossexuais. 2015. 05min49s Son. Color, Formato: 16 mm, disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=Z1oGuNkGV2g&t=172s >. Acessado em Julho de 2017

SUWWAN, Leila. Apoio de FHC à união gay causa protestos. 2002. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1905200210.htm > Acessado em Julho 2017

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Sobre o autor
José Alves Capanema Júnior

Advogado, professor designado de Língua Inglesa, da rede Pública de MG.Pós-graduando em Direito Administrativo, pela Faculdade Pedro II, formado em Direito, pela Universidade de Itaúna - Estado de Minas Gerais.ELEITO MELHOR ESTAGIÁRIO DE DIREITO 2015 - UNIVERSIDADE DE ITAÚNA - MG

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A proposta de lei, do Deputado Eduardo Bolsonaro, de criminalizar o comunismo, é uma afronta à liberdade de expressão e de manifestação pacífica, dos militantes da esquerda brasileira, de modo, que se faz necessário debater este importante tema, principalmente ao ser elucidado, o arcabouço jurídico que aponta a inconstitucionalidade de tal proposta.

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