Adoção por pares homoafetivos no Brasil

26/07/2017 às 02:31
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O presente trabalho tem como objetivo principal analisar a adoção por pares homoafetivos no Brasil.

1 ADOÇÃO POR PARES HOMOAFETIVOS NO BRASIL

A omissão do ordenamento jurídico brasileiro quando à adoção por casais homoafetivos afeta o direito de inúmeras crianças e adolescentes, que aguardam ansiosamente em abrigos pelo momento de serem acolhidos por uma família, com amor, um lar, educação, lazer, entre tantos outros benefícios previstos na nossa legislação que são de prioridade absoluta da nossa sociedade, simultaneamente lesiona o direito de muitos casais do mesmo sexo de formar uma família, para muitos um sonho que não pôde se tornar realidade ao longos dos muitos anos de luta pelos direitos homoafetivos. 

Com base na omissão legislativa, nos princípios do melhor interesse da criança e do adolescente, da socioafetividade, da dignidade da pessoa humana e da não discriminação, e a pluralidade das famílias analisaremos a possibilidade jurídica da adoção por casais homoafetivos.

1.1 Conceitos de família

Urge conceituar o que é família e demonstrar sua evolução, com base nas mudanças que ocorreram e que vêm ocorrendo ao passar do tempo, esclarecendo os novos modelos atualmente existentes, os quais divergem dos convencionais, com uma abordagem jurídica, tendo como alicerce o Código Civil e a Constituição Federal.

Com a evolução histórica da família, observa-se que esse instituto tem sido modificado em decorrência da introdução de novos costumes e também de novos valores, ora registrados na sociedade contemporânea e por isso há a necessidade de reconhecer algumas espécies de família em nosso Direito Pátrio.

A família matrimonial, era o único modelo de família até 1988, que era formada através do casamento entre homem e mulher, sofreu inúmeras transformações ao longo dos anos, é o modelo em que a teoria patriarcal foi substituída, ou seja, o homem perdeu a titularidade do pátrio poder e deixa de ser o “cabeça” do casal, ao mesmo tempo que as funções a que se submetia a mulher, que antes era só de cuidar dos filhos e da casa, foram deixadas de lado e a mulher passa a dividir direitos e obrigações em igualdade com o homem no exercício do poder familiar, bem como todos os membros da família passam a exercer influência dentro dos lares, exibindo sua forma de pensar, a sua participação nas decisões da família, sempre com base no amor, no respeito e na atenção.

A família monoparental é composta de um dos pais e seus descendentes, de acordo com entendimento de Leite (2003), o casamento é fundado em seu aspecto jurídico por considerar a liberdade dos laços de sentimentos e o reconhecimento dos diferenciados modelos de relacionamentos, tais como entidades familiares, que são compostas pela união de qualquer dos pais e sua prole, que recebem a denominação de família monoparental. De acordo com a Constituição, os direitos dos filhos são preservados de forma igualitária, tanto para os filhos biológicos como para os aceitos por adoção. Ainda conforme esse autor (2003), a monoparentalidade sempre existiu, assim como o concubinato, se levada em conta a existência de mães solteiras, mulheres e crianças abandonadas.

Nesse contexto, a Constituição Brasileira refere-se à família monoparental em seu texto:

Art. 226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 4° Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Os modelos alternativos são divididos em famílias anaparentais, que consiste na família sem a presença dos pais, composta por parentes com um comum objetivo e as famílias homoafetivas que são compostas por casais de mesmo sexo que convivem juntos com filhos adotados ou biológicos de um dos cônjuges ou dos dois, aprofundaremos o estudo desse último modelo mais adiante.

O socioafetivo é o novo modelo aceito em nossa Doutrina e Jurisprudência, como um elemento diferencial no direito brasileiro contemporâneo, incluindo e limitando os princípios pela Constituição Federal. O principal vínculo dessa nova família é através da afetividade, que se superpõe à natureza biológica, na declaração da convivência social e familiar, a responsabilidade dos pais com os filhos em relação ao exercício do poder familiar, e sendo reconhecida como entidade familiar, características da chamada e conceituada família socioafetiva. No ordenamento jurídico brasileiro, a ciência jurídica foi invadida pela afetividade, decorrendo os aspectos sociológico e psicológico, de tal modo que o afeto será incorporado aos valores jurídicos no âmbito das relações de família.

Em nossa legislação não existe conceito expresso acerca da família substituta, no entanto o entendimento é a colocação de uma criança ou adolescente no seio familiar diversa da sua família natural, decorrente de abandono ou perda, sendo que a família que o acolher deverá inseri-lo no meio social, proporcionando-lhe seu sustento e uma vida digna.

O acolhimento da criança ou adolescente na família substituta dá-se de três formas: guarda, tutela e adoção. A primeira trata de assegurar e regularizar o direito à convivência social, sem que seja precisa a destituição do poder familiar, contudo ao responsável que esteja com a guarda de uma criança ou adolescente se reservará o dever de representação jurídica, obrigado a prover a assistência moral, material e educacional. Já a tutela é instituto de colocação de uma criança ou adolescente cujos pais faleceram ou tiveram a destituição ou a suspensão do poder familiar, visando a suprir a carência daquela criança ou adolescente em razão da ausência da família natural. Por fim, a adoção é a forma de acolher, e também a forma em sentido amplo da família substituta, constituída mediante um procedimento legal, na qual encontra-se uma criança ou adolescente em desamparo pelos seus pais, estabelecendo o estado de filiação e paternidade, considerando-se o adotado e o adotante, cuja eficácia é o deferimento do pedido da adoção.

1.2 Princípio da socioafetividade e do melhor interesse da criança e do adolescente

Geralmente, a criança passa a estabelecer com os pais adotivos uma relação afetiva originada na confiança, na segurança e no amor, atitude indispensável para o seu desenvolvimento e que, por muitas vezes, não são encontrados na família biológica. Essa conexão afetiva muitas vezes ultrapassa a consanguínea, tendo em vista que é possível ter um traço biológico e não ter um vínculo afetivo com um parente, por exemplo. Sentido em que Dias (2010, p. 361) doutrina:

2 A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente da sua origem, se biológica ou afetiva. A ideia da paternidade está fundada muito mais no amor do que submetida a determinismo biológicos. Também em sede de filiação prestigia-se o princípio da aparência. Assim, na inexistência de registro ou defeito no termo de nascimento, prevalece a posse do estado de filho, que se revela pela convivência familiar.

Com esse mesmo pensamento, Paula (2007, p. 76) exprime sua versão de que os fortes laços afetivos oriundos da convivência e da proximidade num ambiente familiar sadio proporcionam a aplicação dos ditames constitucionais e da lei especial de tutela da criança e do adolescente, uma vez que representa a concreta harmonia e o privilégio na vida social plena. Desse modo, a vida humana começa a demonstrar condições efetivas de viabilidade, desde que convivendo num ambiente familiar que preencha os requisitos exigidos pela legislação.

Notório é que a verdade socioafetiva sempre prevalecerá sobre a biológica, regra indiscutível, sendo que a criança adotada, mesmo que na chamada “adoção à brasileira”, tem seus direitos garantidos como se a filiação se houvesse originado por meio da adoção legal, bem como de maneira igual dos filhos biológicos. Esse entendimento vem sendo firmado pelos tribunais brasileiros, como se constata na manifestação do Superior Tribunal de Justiça:

3 DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. PREPONDERÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DA ESTABILIDADE FAMILIAR. A peculiaridade da lide centra-se no pleito formulado por uma irmã em face da outra, por meio do qual se busca anular o assento de nascimento. Para isso, fundamenta seu pedido em alegação de falsidade ideológica perpetrada pela falecida mãe que, nos termos em que foram descritos os fatos no acórdão recorrido considerada a sua imutabilidade nesta via recursal -, registrou filha recém-nascida de outrem como sua. – A par de eventual sofisma na interpretação conferida pelo TJ/SP acerca do disposto no art. 348 do CC/16, em que tanto a falsidade quanto o erro do registro são suficientes para permitir ao investigante vindicar estado contrário ao que resulta do assento de nascimento, subjaz, do cenário fático descrito no acórdão impugnado, a ausência de qualquer vício de consentimento na livre vontade manifestada pela mãe que, mesmo ciente de que a menor não era a ela ligada por vínculo de sangue, reconheceu-a como filha, em decorrência dos laços de afeto que as uniram. Com o foco nessa premissa – a da existência da socioafetividade -, é que a lide deve ser solucionada. [...] A garantia de busca da verdade biológica deve ser interpretada de forma correlata às circunstâncias inerentes às investigatórias de paternidade; jamais às negatórias, sob o perigo de se subverter a ordem e a segurança que se quis conferir àquele que investiga sua real identidade. Mantém-se o acórdão impugnado, impondo-se a irrevogabilidade do reconhecimento voluntário da maternidade, por força da ausência de vício na manifestação da vontade, ainda que procedida em descompasso com a verdade biológica. Isso porque prevalece, na hipótese, a ligação socioafetiva construída e consolidada entre mãe e filha, que tem proteção indelével conferida à personalidade humana, por meio da cláusula geral que a tutela e encontra respaldo na preservação da estabilidade familiar. Recurso Especial não provido. (STJ – Resp 1.000.356; Proc. 2007/0252697-5; SP; Terceira Turma; Relª Min.ª Fátima Nancy Andrighi; Julg. 25/05/2010; DJE 07/06/2010).

Não resta dúvida de que os laços afetivos existem independentes de laços de sangue, pois é no convívio familiar que nasce a conexão afetiva entre pais e filhos sejam esses adotados ou biológicos.

4 Os novos valores que inspiram a sociedade contemporânea sobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família. A arquitetura da sociedade moderna impõe um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora (FARIAS, 2007, p.04).

O atual ordenamento jurídico brasileiro passou a valorizar a concepção socioafetiva, e diversos autores, dentre os quais se destaca Dias (2010), sustentam que o afeto, nos dias de hoje, pode ser considerado um direito fundamental e, por via de consequência, o Estado tem o dever e é o primeiro obrigado a garantir o direito ao afeto para seus cidadãos.

Em sendo a socioafetividade um direito fundamental, há que se ligar com o macro-princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que, de conformidade com o que foi exposto anteriormente, a dignidade da pessoa humana constitui o núcleo para qualquer direito fundamental e só a este compete a sua aplicação.

Farias (2007, p. 14) conceitua a família como “um lócus privilegiado, um ambiente propício para o desenvolvimento da personalidade humana em busca da felicidade pessoal”. Dessa forma, a família é um instituto que visa a proteção dos seus filhos e dos seres humanos que a integram e não como entidade patrimonialista, tendo a socioafetividade como direito fundamental e princípio do direito de família.

Qualquer vínculo que tenha como estrutura a afetividade não deveria deixar de ser conferido àquele, status de família, com proteção integral do Estado. É preciso ter esse pensamento para deixar de lado a discriminação e o preconceito acerca da adoção homoafetiva, tornando-a possível juridicamente, para que sejam transmitidos valores humanos às novas gerações, para construir uma sociedade mais justa e menos desigual, fundada em princípios da dignidade e da solidariedade, no amor e na constante busca da felicidade.

A relação homoafetiva está embasada nos mesmos objetivos das relações heterossexuais e dos demais modelos de união reconhecidos pelo estado, além da felicidade, a construção de uma família, de forma saudável, amparada pelo estado, suprindo o desejo da maternidade ou paternidade dos membros da família e o mais importante: a formação de cidadãos de bem, de homens e mulheres com valores de honestidade, de solidariedade, de respeito ao próximo, sejam eles filhos biológicos ou adotados,  independente da orientação sexual própria ou de seus pais.

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4.1 Decisão do STF que reconhece união estável homoafetiva como entidade familiar

5 A evolução dos direitos homoafetivos se deram em grande parte através dos tribunais superiores e sua jurisprudência, mesmo não havendo a legislação específica surgiram novos posicionamentos conferindo direitos e identificando as uniões homoafetivas perduráveis e públicas como a união estável homoafetiva, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132 no ano de 2011, tornando-se um marco na luta pelos direitos dos casais homoafetivos.

A família homoafetiva é a união entre duas pessoas de mesmo sexo, casados ou em união estável, em uma relação duradoura, que se unem por vínculo afetivo, com o objetivo de formarem uma família, devendo ser protegida e tutelada pelo Estado, podendo gozar de todos os direitos e deveres ligados a esta entidade familiar.

A união homoafetiva é baseada na afetividade e no respeito de seus membros, buscando sempre a felicidade e o bem-estar do outro. Os homossexuais sempre lutaram por seus direitos, buscando uma igualdade, quando comparada, por exemplo, com as relações heterossexuais, seja a união estável ou o casamento civil entre as pessoas de sexos diferentes, para que ocorresse o reconhecimento dos deveres e garantias de seus direitos.

O dever do Estado é criar dispositivos para assegurar a dignidade da pessoa humana, uma vez que se trata de um princípio constitucional introduzido no art. 1º inciso III da nossa Constituição Federal de 1988, no sentido de respeitar não só o gênero ou orientação sexual, mas o cidadão em todos os seus aspectos, independentemente de sua preferência sexual.

A adoção de crianças e adolescentes hoje no Brasil trata-se de um processo longo e cansativo, seja pela adequação dos casais aos requisitos, seja pela preferência de cada casal por uma criança com características específicas. Diante de um procedimento específico para a adoção e da omissão legislativa não deveria haver essa impossibilidade para a adoção por um casal homoafetivo, ambos necessitariam preencher os mesmos requisitos para que pudessem adotar, pois qualquer distinção baseada, unicamente, em orientação ou condição sexual se revestiria de uma afronta ao princípio da igualdade previsto na Constituição Federal de 1988 que preconiza que todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção.

Preenchidos os requisitos para que possam adotar uma criança ou um adolescente, casais heteroafetivos ou homoafetivos deveriam concorrer com as mesmas chances, como descreve Vecchiatti (2008, p.563):

6 A homossexualidade do casal que pretende adotar uma criança ou adolescente, jamais deverá ser utilizada como fundamento para dar preferência à adoção a um casal que seja constituído por um homem e uma mulher, configurando puro preconceito entendimento em sentido diverso.

Na adoção de crianças e adolescentes, assim, seria irrelevante a orientação sexual daqueles que se propõem a adotar, devendo ser consideradas as reais vantagens para a criança ou adolescente no caso concreto. Segue um trecho do voto do Ministro Carlos Ayres Brito, relator no julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132 pelo STF, a respeito da omissão legislativa a favor da possibilidade jurídica independente de preferência sexual:

7 III – cuida-se, em rigor, de um salto normativo da proibição de preconceito para a proclamação do próprio direito a uma concreta liberdade do mais largo espectro, decorrendo tal liberdade de um intencional mutismo da Constituição em tema de empírico emprego da sexualidade humana. É que a total ausência de previsão normativo constitucional sobre esse concreto desfrute da preferência sexual das pessoas faz entrar em ignição, primeiramente, a regra universalmente válida de que “tudo aquilo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido” (esse o conteúdo do inciso II do art. 5º da nossa Constituição.)

O ordenamento jurídico brasileiro não poderia se manter parado diante da união homoafetiva, fato social que só cresce com números expressivos, e mesmo com pessoas tendo opiniões contrárias, não se pode deixar de reconhecer seus direitos e deveres de forma igualitária, haja vista que são pessoas, do mesmo sexo ou não, que se unem e vivem juntas formando uma autêntica entidade familiar.

Os pares homoafetivos não buscam um direito novo, eles buscam que o reconhecimento do direito de adoção a casais heterossexuais se estenda a todos, com a finalidade de proporcionar às milhares de crianças e adolescentes em abrigos, uma família e um lar, para que possam gozar dos direitos que lhes são conferidos no ordenamento jurídico. A sociedade atual vem sofrendo inúmeras mudanças e é imprescindível que o Estado não seja omisso, se adequando à evolução social.

O reconhecimento da união estável homoafetiva se tornou diretriz para a mudança realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 15 de maio de 2013, determinando a todos os cartórios do país, a obrigatoriedade da conversão da união estável homoafetiva em casamento civil, tornando-se também obrigatória a realização de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, bem como o direito sucessório para o cônjuge sobrevivente. O Ministro Carlos Ayres Brito, relator no julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132 pelo STF em seu voto disse:

8 O Supremo Tribunal Federal (STF), ao reconhecer a união homoafetiva, através de uma interpretação extensiva do artigo 226, §3º da Constituição Federal de 1988, garante ao par homoafetivo, os mesmos direitos assegurados ao casal heterofaetivo, qualquer entendimento em sentido diverso fica demonstrado como apenas puro preconceito, segue conclusão do voto do Ministro relator do referido julgamento> No mérito, julgo procedentes as duas ações em causa. Pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva.

Por fim, importante salientar que os homossexuais são detentores de direitos assegurados constitucionalmente, como sendo qualquer cidadão que realiza seu dever de contribuintes de impostos e titulares de direitos políticos, não sendo vistos como pessoas inferiores, tendo direito a uma proteção legal perante suas relações de afeto, como assim é garantido aos demais brasileiros.

8.1 Da possibilidade jurídica da adoção de crianças e adolescentes por pares homoafetivos

No Brasil, com o objetivo de acompanhar os fatos sociais, em uma aplicação extensiva da norma, possibilidade prevista no ordenamento jurídico, aplicou-se às relações homoafetivas, por uma interpretação extensiva da norma jurídica, o que se aplica às relações heteroafetivas. Tal entendimento visa efetivar direitos a estes que, por muito tempo, conviviam em relacionamentos não recepcionados ou aceitos pelo Estado. Nos ensinamentos de Torres (2009, p.83):

9 Com efeito, um estado democrático de direito não pode deixar ao desabrigo qualquer tipo de entidade familiar, notadamente quando tenha como fonte geradora o afeto entre duas pessoas, pelo simples fato de ter nascido este afeto entre pessoas do mesmo sexo. Uma outra categoria de família apresenta-se diante do reconhecimento da pluralidade dos arranjos familiares.

Importante lembrar que, as relações homoafetivas são marcadas com enorme preconceito por incapacidade de aceitação do diferente, além de ser um objeto de grande exploração pela mídia, que busca despertar uma reflexão para a discriminação, pois o que realmente importa é a formação de uma família e o melhor interesse do adotado, e não do adotante. Não podemos deixar que os nossos preconceitos impeçam crianças e adolescentes de serem adotados e de receberem toda assistência necessária para o seu desenvolvimento saudável.

O assunto ainda é complexo, mas não existe norma contrária à adoção por casais homoafetivos e no nosso ordenamento jurídico se não é proibido, é permitido. A omissão legislativa confere à adoção homoafetiva a legalidade necessária para ser juridicamente possível. Uma das principais exigências para a adoção é o que dispõe o art. 43 do ECA/90, que os adotantes apresentem reais vantagens para o adotado fundamentada em motivos legais.

Anteriormente, os homossexuais se habilitavam individualmente para que lhes fossem concedidos o direito de adoção. Assim, não tinha relevância se o adotante estava em um relacionamento, fazendo com que, por muitas vezes, a adoção se tornasse ineficiente, pois esta não atenderia os principais interesses do adotando e o prejudicando, haja vista que o adotado só teria vínculo com um do par, que seria o pai ou a mãe, o que gerava a obrigação absoluta de responsabilidade desse genitor para com o filho adotado e nenhum parentesco com a outra parte.

Após inúmeros pedidos de adoção por dupla parentalidade homoafetiva, foi concedido à adoção por casais do mesmo sexo. Com ênfase ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que foi pioneiro nos deferimentos de tais pedidos. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, tem se tornado favorável as decisões, principalmente após a união estável homoafetiva ser reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. Com isso a relevância jurídica, apesar da omissão das leis, vem deixando de lado o preconceito e dando aos casais homoafetivos o direito de procriar através da adoção. (DIAS, 2010)

Conforme o Art. 42, §§ 2° e 3° da Lei 8.069/90, que dispõe os requisitos necessários para a adoção, o adotante deve ser maior de 18 anos, comprovação de estabilidade familiar, o estado civil independe, e caso o pedido seja feito em conjunto é necessário que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável. Também é importante salientar, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconhece adoção por casal homoafetivo sem limitação de idade do adotado, através da decisão da Ministra Cármen Lúcia, que argumentou o conceito de família e a importância do afeto na adoção, afastando limitações de idade ou sexo da criança:

10 “APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO. SENTENÇA TERMINATIVA. QUESTÃO DE MÉRITO E NÃO DE CONDIÇÃO DA AÇÃO. HABILITAÇÃO DEFERIDA. LIMITAÇÃO QUANTO AO SEXO E À IDADE DOS ADOTANDOS EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DOS ADOTANTES. INADMISSÍVEL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. APELO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Se as uniões homoafetivas já são reconhecidas como entidade familiar, com origem em um vínculo afetivo, a merecer tutela legal, não há razão para limitar a adoção, criando obstáculos onde a lei não prevê. 2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculos biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento” (doc. 6).

A adoção de crianças e a adolescentes por casais homoafetivos, como exposto, divide opiniões, apesar de todos os avanços referentes ao reconhecimento das relações constituídas por pessoas de mesmo sexo, mesmo inexistindo embasamento jurídico para tais opiniões. Contudo, no senso comum, infelizmente, continua perdurando a suposição de que o convívio com pessoas que mantém relacionamento homossexual, necessariamente, poderia ser prejudicial ao desenvolvimento de uma criança ou de um adolescente, pois se desenvolveriam sem a referência paterna/materna.

É necessário aceitarmos a união homoafetiva como entidade familiar, que unidos almejam um objetivo em comum, que é dedicar amor e proteção para a criança ou adolescente que pretendem adotar, como qualquer outro grupo familiar heteroafetivo.

Vejamos que, após o reconhecimento da união estável e do casamento homoafetivo, que é um requisito exigido por lei para o deferimento da adoção, não existe mais razão para que não seja deferida a adoção conjunta homoafetiva.

No processo de adoção por casais homoafetivos, verificado o interesse do menor perante a adoção, é importante assegurar o benefício ao adotando, por ter seu direito de constituir uma família garantida constitucionalmente, pois não pode ser excluída com fundamento em uma apreciação valorativa preconceituosa. Assim, uma decisão que indeferir o pedido de adoção baseando-se na opção sexual dos adotantes, estará diante de um conflito com o princípio da igualdade, o qual é constitucionalmente assegurado, sem distinção de sexo e de orientação sexual. A respeito da proteção dos direitos da criança, deve ficar comprovado que o deferimento da adoção para o casal homoafetivo não irá trazer prejuízos ao adotado, independente da preferência sexual do casal, é necessário analisar cada caso concretamente.

Se forem preenchidos os elementos do art. 42 da Lei 8.069, que são necessários para o procedimento da adoção por casais homoafetivos, pois o adotante deve ter condições de dar uma família à criança, ou seja, essa família deverá ser uma alavanca de desenvolvimento humano saudável para o adotado. Em virtude do procedimento utilizado, um dos requisitos analisados pelo juiz no deferimento do pedido é a conduta social do requerente, como se porta no meio social pela preferência sexual, pois o que poderá impedir o acolhimento do pedido da adoção não será a orientação sexual, mas um comportamento desajustado ou inadequado.

Sobre a possível discriminação ou abalos psicológicos que poderá sofrer a criança por ser adotado por um par homoafetivo, percebe-se que não poderá ser negado o direito a parentalidade a casais homoafetivos ou a crianças e adolescentes institucionalizadas sob o prisma do preconceito alheio. Muito mais danoso seria restringir o direito fundamental à convivência familiar a crianças e adolescentes levando em consideração, apenas, o preconceito daqueles que, muitas vezes por simples falta de conhecimento ou valores religiosos enxergam ser a homossexualidade como algo errado ou algo que trará danos para a formação psicológica ou sexual de uma criança ou adolescente.

Na visão de Vecchiatti (2008, p. 554):

11 Tentar justificar uma inexistente vedação ao direito de adoção por casais homoafetivos com a possível discriminação que dito menor poderá sofrer na escola importa em uma inaceitável inversão de valores, no sentido de que se estará punindo o casal homoafetivo, por causa do preconceito alheio, o que é absurdo e inadmissível.

11

Por todo o exposto, o que se verifica é que a tese criada por aqueles contrários a adoção por pares homoafetivos não traz nenhum elemento concreto para alicerçar tal posicionamento, tornando-se uma frágil tentativa de proibir a adoção por casais homoafetivos pautada em uma precognição de seus defensores.

Não é razoável deixar crianças e adolescentes institucionalizadas durante toda sua vida, se existem casais homoafetivos aptos a adotar, que desejam se dedicar à educação, proporcionando afeto e dispondo de melhores oportunidades a uma criança ou um adolescente. Deferir tal adoção é garantir a proteção integral do menor. Deve-se considerar o melhor interesse de crianças e adolescentes na sua inserção em um novo núcleo familiar, independente da orientação sexual daqueles que se propõe adotar, ao passo que não se pode deixar crianças e adolescentes em total abandono afetivo nas instituições.

Não podemos deixar que os nossos preconceitos impeçam a adoção e que nossas crianças e adolescentes recebam toda assistência necessária para se tornarem adultos saudáveis e bem estruturados. Vale salientar, que a adoção em geral é lamentavelmente também discriminatória, por conta que as estatísticas apontam que os adotantes preferem crianças com poucos anos de vida, de cor branca, loira dos olhos claros e do sexo feminino. Diferentemente, do que poderia acontecer com os casais homossexuais, que já são vítimas do preconceito eles poderiam buscar na adoção, crianças com perfis diferentes dos anteriormente já mencionados, a adoção antes de um procedimento formal precisa se dar por um envolvimento afetivo, pois o que é realmente importante é a formação da família e o bem estar da criança e do adolescente.

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