Capa da publicação A valoração econômica do tempo livre como bem jurídico
Capa: Pixabay (@Hilei)
Artigo Destaque dos editores

A valoração econômica do tempo livre como bem jurídico

Exibindo página 2 de 2
Leia nesta página:

6. Conclusão

Na sociedade moderna, em que o número de horas trabalhadas aumenta a cada dia e a tecnologia da informação incrementa a velocidade de praticamente tudo, o tempo torna-se cada vez mais um recurso escasso e finito, apresentando extrema importância e preciosidade para os indivíduos, passando a adquirir um valor que extrapola sua dimensão meramente econômica.

Qualquer fração de tempo perdido de nossas vidas constitui um bem irrecuperável, na medida em que, conforme dizia o grande poeta Cazuza, “o tempo não para”. Sendo assim, a perda ilegítima do tempo, ainda que não gere diretamente prejuízos na esfera material do consumidor, será economicamente aferível, dando ensejo a uma indenização compensatória, já que numa sociedade capitalista em que vivemos, negar que tempo é dinheiro é negar a própria essência do mercado de consumo de massa.

Trata-se da ampliação do conceito de dano moral, englobando situações antes entendidas como meros dissabores cotidianos que seriam apenas decorrência normal de uma sociedade moderna. Contudo, na esteira da legislação protetiva aplicável aos consumidores conforme determina a própria Constituição Federal como direito fundamental em seu art. 5º, XXXII, o tempo do consumidor perdido em função de condutas lesivas praticadas pelos fornecedores não deve ser considerado mero aborrecimento, mas sim um dano, assim como os demais, e da mesma forma, portanto, indenizável.

A perda do tempo do consumidor deve ser, cada vez mais, tutelada pelo direito, visando diminuir as práticas abusivas dos fornecedores de produtos e serviços, servindo como uma forma de punição pedagógica para aqueles que negligenciam ou desrespeitam o consumidor após a assinatura do contrato.

É importante observar que em matéria de direitos patrimoniais, relacionamentos diretamente a interesses econômicos, a perda e o decurso do tempo desempenham um papel fundamental, como se visualiza nos institutos dos juros remuneratórios, moratórios, cláusula penal e dano material na sua vertente dos lucros cessantes.

 Já no plano dos direitos da personalidade, ou seja, direitos não patrimoniais, ainda existe grande resistência de parte da doutrina e dos julgadores em admitir que a perda do tempo em si possa constituir um dano economicamente reparável, tendendo quase sempre a ser considerado mero aborrecimento ou dissabor cotidiano. Tal entendimento deve ser duramente combatido.

O tempo despendido pelo consumidor na reclamação contra má prestação de serviços ou produtos defeituosos poderia ser utilizado para outros fins, como lazer, trabalho, estudo, descanso, amigos, família, entre outras inúmeras possibilidades para sua utilização, não cabendo ao consumidor arcar com o ônus gerado pelos fornecedores por sua própria desídia na resolução dos problemas causados por eles mesmos.

 Aqueles que se locupletam diariamente com os bônus gerados pelo consumo em massa disponibilizados e publicitados como verdadeiras preciosidades necessárias para sobrevivência de qualquer consumidor, devem ser responsabilizados pela perda de tempo que causam nos consumidores que buscam soluções de problemas por eles não causados, a fim de tentar equiparar ou pelo menos minimizar a enorme vantagem dos fornecedores em prol de consumidores, já tão onerados dentro desse odioso modelo capitalista selvagem.


Referências Bibliográficas

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, volume único. São Paulo: Método

BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

DESSAUNE, Marcos. Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São Paulo: RT, 2011.

NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.


Notas

[1] ANDRADE, André Gustavo Corrêa,Dano moral em caso de descumprimento de obrigação contratual. Revista de Direito do Consumidor RT, v. 53, p. 54, jan. 2005.

[2] DESSAUNE, Marcos. Desvio Produtivo do Consumidor. São Paulo: RT, 2011, pp. 47 e 48.


Abstract: The present article aims to contextualize the readers about the recent category of damage created by the doctrine in the consumer sector and analyze its main characteristics under a critical bias, based mainly on the understandings of the Superior and State Courts and on the voices of the main exponents on the subject, including The existing controversies over this new kind of compensable damage (or not).

Key-words: Consumer law; loss of free time, moral damage; new category of damage.

Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Karine Azevedo Egypto Rosa

Graduada em Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ, pós-graduada pela Universidade Candido Mendes em Direito Penal e Processual Penal e aprovada nos concursos para defensor público na Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso e Defensoria Pública do Estado da Bahia.

Ana Luisa Imoleni Miola

Defensora Pública do Estado do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Karine Azevedo Egypto ; MIOLA, Ana Luisa Imoleni. A valoração econômica do tempo livre como bem jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5188, 14 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59374. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

O texto foi elaborado a vim de demonstrar aos leitores a existência dessa nova categoria de dano criada pela doutrina e ainda timidamente aceita pelos tribunais superiores e locais, ressaltando a sua importância nos dias atuais em que a sociedade de consumo em massa e a quantidade de trabalho do indivíduo geram uma maior necessidade do bom uso do tempo que dispõem livre.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos