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O abono salarial

25/12/2017 às 11:50
Leia nesta página:

O artigo discute o abono salarial e sua natureza jurídica como direito do trabalhador, em um contexto no qual se discute a sua eliminação.

I - REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO BENEFICIO 

Instituído pela Lei n° 7.998/90, o Abono Salarial equivale ao valor de, no máximo, um salário mínimo a ser pago conforme calendário anual estabelecido pelo CODEFAT aos trabalhadores que satisfaçam os requisitos previstos em lei.

Para ter direito, o trabalhador precisa:

  • Estar cadastrado no PIS há pelo menos cinco anos; 

  • Ter recebido remuneração mensal média de até dois salários mínimos durante o ano-base; 

  • Ter exercido atividade remunerada para Pessoa Jurídica, durante pelo menos 30 dias, consecutivos ou não, no ano-base considerado para apuração;

  • Ter seus dados informados pelo empregador (Pessoa Jurídica) corretamente na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).

 O trabalhador pode retirar os recursos acumulados em sua conta do PIS ou PASEP nas seguintes situações: a) na aposentadoria;

b) na reforma militar ou transferência para reserva remunerada;

c) quando existir invalidez permanente;

d) tiver idade igual ou superior a 70 anos;

e) quando o titular ou algum de seus dependentes forem portadores do vírus HIV;

f) quando o titular ou algum de seus dependentes sofrerem de neoplasia maligna (câncer);

g) devido a morte do participante (neste caso, o saldo é pago a seus dependentes ou sucessores de acordo com a lei);

h) como beneficio assistencial à pessoa portadora de deficiência e ao idoso.

Com a Lei 13.134/15, o Abono Salarial passou a ter valor proporcional ao tempo de serviço do trabalhador no ano-base em questão. O cálculo do valor do benefício corresponde ao número de meses trabalhados no ano-base multiplicado por 1/12 do valor do salário mínimo vigente na data do pagamento.

O trabalhador deverá ter trabalhado no mínimo 30 dias com carteira assinada por empresa no ano-base, requisito para ter o direito ao Abono Salarial, e cada mês trabalhado equivale a 1/12 de salário mínimo no valor do benefício, sendo que o período igual ou superior a 15 dias contará como mês integral.


II - O ANUNCIADO FIM DO ABONO SALARIAL 

Fala-se no fim do abono salarial.

Acentua o jornal O Globo, em sua edição de 27 de julho de 2017:

“O  fim do abono salarial, por sua vez, é uma medida com efeito de prazo mais longo. O governo paga num ano o abono do período anterior. Assim, ele teria que ser extinto em 2018 para deixar de ser pago em 2019. O abono salarial equivale a um salário mínimo e consome mais de R$ 30 bilhões por ano. A avaliação dentro da equipe econômica é que esse benefício, ao contrário do seguro-desemprego, está hoje descolado da realidade e não se justifica mais. Ele foi criado na década de 70 para reforçar o bolso dos trabalhadores num momento em que o salário-mínimo não tinha ganhos reais. Hoje, no entanto, com a política de valorização do mínimo — que garante a reposição da inflação mais o crescimento da economia — há espaço para a redução dessa despesa.”.


III - A NATUREZA JURÍDICA DO ABONO SALARIAL 

Discute-se sobre a natureza jurídica do abono.

O eminente Ministro JOSÉ DELGADO, ao proferir voto sobre a matéria em discussão no REsp. n. 445.2331DF, de que foi o relator, acolhido pelos seus eminentes Pares da Primeira Turma do colendo Superior Tribunal de Justiça, assim se pronunciou a respeito:

‘Quando o abono surgiu entre nós, em 1941, durante a 2a Grande Guerra, muito se debateu se o mesmo integrava ou não o salário. Em princípio, a legislação determinava, expressamente, que o mesmo fosse excluído do salário, como pequeno adiantamento ou auxílio que o empregador prestava ao trabalhador. Atualmente, entretanto, não se pode duvidar que o abono integra o salário, principalmente, em vista do que dispõe o artigo 457, § 1°, da CLT, que tem a seguinte dicção:

'Art. 457. (omissis)

§1°. Integram o salário, não só a importância fixa estipulada, como, também, as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagem e abonos pagos pelo empregador'.

Oportuna se faz a citação de trecho de Eduardo Saad a este respeito "in" Consolidação das Leis do Trabalho Comentada, São Paulo, 6ª edição, 1974:

'No decorrer da II Guerra Mundial, nosso Governo pôs em prática medidas rígidas tendentes a impedir o aumento descontrolado dos salários. Nessa época, muitas empresas davam a seus empregados um complemento salarial que, com o tempo, se tornou conhecido com a denominação de abono.

A fim de encorajar as empresas a minorar as dificuldades de seus empregados, o Governo através do Decreto-lei n.° 3.813 de 19 de novembro de 1941, prorrogado pelo Decreto-lei n.º 4.356, de 4 de junho de 1942, estabeleceu que o abono jamais se integraria ao salário para qualquer efeito legal. Muito tempo depois, em 1953, a Lei n.° 1.999, alterou a redação do § 10 do artigo supra para ordenar a incorporação do abono no salário.

Depois dessa explicação preliminar sobre o abono, desejamos frisar que o abono ou prêmio de produção, de freqüência ou de qualquer outra natureza, quando sua concessão fica na dependência do trabalho ou da conduta do empregado, e, que portanto, não é uma decorrência da generosidade do empregador — integram o salário para fins indenizatórios e de férias.'.

A solução trazida pelos economistas e burocratas do governo  para a extinção do abono salarial não está correta. Afinal, o raciocíno sem base científica e sem pavimentação argumentativa está sujeito ao fracasso.

O Programa de Integração Social (PIS) e o PASEP (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público) foram criados em 1970, tendo como objetivos a formação de uma poupança individual para o trabalhador.

Com a unificação dos fundos, que se deu com a edição da Lei Complementar nº 26, de 11 de setembro de 1975, houve a primeira referência ao pagamento do abono salarial, sem que fosse, contudo, adotada essa denominação. Assim, o caput do art. 2º da Lei Complementar manteve os critérios relativos à participação dos trabalhadores na arrecadação da contribuição, com o depósito dos valores nas contas individuais, enquanto o parágrafo único disciplinava o pagamento do “abono”, verbis: “Art. 2º Ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo, são mantidos os critérios de participação dos empregados e servidores estabelecidos nos arts. 7º e 4º, respectivamente, das Leis Complementares nº 7 e 8, referidas, passando a ser considerado, para efeito do cálculo dos depósitos efetuados nas contas individuais, o valor global dos recursos que passarem a integrar o PIS/PASEP. Parágrafo único. Aos participantes cadastrados há pelo menos cinco anos e que percebam salário mensal igual ou inferior a 5 (cinco) vezes o respectivo salário mínimo regional, será assegurado, ao final de cada exercício financeiro, depósito mínimo equivalente ao salário mínimo regional mensal, vigente, respeitada a disponibilidade de recursos.”. As diferenças em relação aos critérios atuais do abono são o salário médio mensal percebido pelo trabalhador para fazer jus ao benefício, que era de 5 salários mínimos regionais e hoje é de dois salários mínimos, e a forma como ele era pago.

Antes, o salário mínimo era depositado na conta individual e, atualmente, é feito o saque pelo beneficiário.

Essa última distinção é facilmente explicada, uma vez que, após 1988, apenas subsistem as contas individuais de quem já integrava o sistema PIS/Pasep, não mais tendo sido criadas novas contas.

Assim sendo, não há possibilidade material de se efetivar depósito em relação a quem entrou no mercado formal de trabalho após o advento da atual Constituição. Além do parágrafo único do art. 2º, há uma outra menção ao pagamento de um salário mínimo na Lei Complementar, na forma estabelecida no § 3º do art. 4º. O caput desse artigo considera as importâncias depositadas nas contas individuais inalienáveis, impenhoráveis e, com exceção das hipóteses de saque9 relacionadas no § 1º, indisponíveis. O § 2º, por sua vez, faculta a retirada dos rendimentos correspondentes aos juros e ao Resultado Líquido Adicional (RLA)10 ao final de cada exercício financeiro. Por fim, o § 3º praticamente repete o parágrafo único do art. 2º, para estabelecer o seguinte:

Após a promulgação da Constituição de 1988, a  arrecadação do PIS e do PASEP destina-se ao custeio do Programa do Seguro-desemprego e do Abono Salarial, sob a responsabilidade do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Trata-se de dinheiro do trabalhador que deve ser administrado em prol de seus interesses, de forma a ser bem remunerado, e lhe servir de rendimento.


IV - A NATUREZA JURÍDICA DO PIS E DO PASEP E SUA ADMINISTRAÇÃO E PAGAMENTO AO TRABALHADOR 

Tanto o PIS como o PASEP são contribuições sociais.

Estamos diante de uma verdadeira aquisição de direito do trabalhador e não de uma forma de existência de direito que pode ser revogado a seu tempo.

Como aquisição de direito faz parte do patrimônio do trabalhador e não pode ser objeto de retirada.

No caso do trabalhador ter direito ao abono salarial, os rendimentos de sua respectiva conta individual serão utilizados para o pagamento desse benefício. Caso os rendimentos não sejam suficientes para totalizar o valor, o abono salarial será complementado com recursos do FAT.

Assim, todo o participante do PIS e do PASEP que tenha sido cadastrado até 4 de outubro de 1988 e que ainda apresente saldo de cotas no início de cada exercício contábil (1 de julho de cada ano) tem direito ao saque do rendimento em sua conta individual.

Os fundamentos do benefício de abono salarial são estabelecidos na própria Constituição Federal, cujo § 3º do art. 239 determina que: “§ 3º Aos empregados que percebam de empregadores que contribuem para o Programa de Integração Social ou para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, até dois salários mínimos de remuneração mensal, é assegurado o pagamento de um salário mínimo anual, computado neste valor o rendimento das contas individuais, no caso daqueles que já participavam dos referidos programas, até a data da promulgação desta Constituição.”. Esse parágrafo foi regulamentado, preliminarmente, pela Lei nº 7.859, de 25 de outubro de 1989, cuja ementa estabelecia o seguinte: “regula a concessão e o pagamento do abono previsto no § 3º do art. 239 da Constituição Federal”.

A lei, repetindo os termos da Constituição, enumerou as condições que deveriam ser atendidas pelos trabalhadores, cumulativamente, para percepção do benefício (art. 1º, incisos I e II), a saber: a) estar cadastrado há pelo menos 5 anos no PIS/Pasep; b) ter trabalhado com carteira de trabalho assinada para empregadores contribuintes do PIS/Pasep ou ter sido nomeado efetivamente em cargo público durante pelo menos 30 dias, consecutivos ou não, no ano base considerado para a atribuição do benefício; c) ter recebido remuneração mensal de até 2 salários mínimos médios durante o período trabalhado. Os artigos seguintes da lei (2º e 3º) determinam algumas medidas para tornar operacional o pagamento do abono, que será feito pela Caixa Econômica Federal, quando se tratar de trabalhador da iniciativa privada, e pelo Banco do Brasil, no caso de servidor público. Posteriormente, tivemos a edição da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, que também repetiu as condições elencadas na Constituição Federal e na Lei nº 7.859/89 para o pagamento do benefício (art. 9º). Convém ressaltar que, para a implementação do benefício, será necessário, ainda, que os dados do trabalhador tenham sido corretamente informados na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) no ano base considerado, pois esse é o instrumento que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) tem para identificar os trabalhadores que têm direito ao abono. O § 3º do art. 239 da Carta Magna também determina o valor do abono salarial, que corresponderá a um salário mínimo, vigente na data de pagamento.

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V - O ABONO SALARIAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL E DIREITO ADQUIRIDO 

A Constituição, portanto, prevê um direito fundamental de cunho social; o direito ao abono salarial.

Trata-se de um direito que se agrega ao patrimônio do trabalhador, tal como férias, salário, décimo terceiro, de cunho eminentemente salarial, não ressarcitório.

Como tal não pode ser modificado por lei ordinária. Como cláusula pétrea não pode ser modificado por emenda constitucional, pois o constituinte derivado deve respeitar essa vontade do constituinte derivado.

Não se trata, pois, de mero regime jurídico (leis relativas a sua existência), mas de direito adquirido do trabalhador.

Para Savigny (Traité de droit romain, Paris, tomo VIII, 1851, pág. 363 e seguintes), leis relativas à aquisição e à perda dos direitos eram consideradas as regras concernentes ao vínculo que liga um direito a um indivíduo, ou a transformação de uma instituição de direito abstrata em uma relação de direito concreto.

Por sua vez, as leis relativas à existência, ou modo de existência dos direitos eram definidas por Savigny como aquelas leis que têm por objeto o reconhecimento de uma instituição em geral ou seu reconhecimento sob determinada forma.

Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 1971, volume V, pág. 51), na mesma linha de Reynaldo Porchat (Da retroatividade das leis civis, 1909, pág. 59 e seguintes), assim disse:

“Partiu ele da afirmação da equivalência das  duas fórmulas, a que corresponde ao critério objetivo(as leis novas não têm efeito retroativo) e a que corresponde ao critério subjetivo(as leis novas não devem atingir os direitos adquiridos) e assentar que somente a certas categorias de regras – as relativas a aquisição de direitos, à vida deles, escapam à duas expressões da mesma norma de direito intertemporal. E.g, a lei que decide se a tradição é necessária para a transferência da propriedade, ou se o não é, pertence àquela espécie; bem assim, a que exige às doações entre vivos certas formalidades, ou que as dispensa. De ordinário, na regra de aquisição está implícita a de perda. A não retroatividade é de mister em tais casos, quer as consequências sejam anteriores, quer posteriores ao novo estatuto.”.

É sabido que Carlo Gabba (Teoria della retroattivitá della legge, 3ª edição, volume I, pág. 191) fundamenta o princípio da irretroatividade das leis no respeito aos direitos adquiridos. Define-o como sendo todo o direito que é consequência de um fato apto a produzi-lo em virtude da lei do tempo em que foi o fato realizado, embora a ocasião de o  fazer valer não se tenha apresentado antes da vigência de uma lei nova sobre o assunto e que, nos termos da lei sob a qual ocorreu o fato de que se originou, passou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.

Reynaldo Porchat (obra citada, pág. 11 e seguintes) lembra definições: direito adquirido é o que entrou em nosso domínio e não pode ser retirado por aquele de quem o adquirimos.

Para Bergman, citado por Reynaldo Porchat, é o direito adquirido de modo irrevogável, segundo a lei do tempo, em virtude de fatos concretos.

É certo que Paulo de Lacerda (Manual do Código Civil Brasileiro, vol. I, 1ª parte, pág. 115 a 214) obtemperou, ao aduzir que na definição de Gabba se encontra apenas defeito de redação, uma vez que, segundo ele, o patrimônio individual, mencionado na definição geral de direito adquirido, não há razão para ser entendido unicamente em sentido econômico, sendo a condição jurídica do indivíduo composta não só de direitos econômicos, mas de atributos e qualidades úteis pessoais de estado e de capacidade.

Na lição de Limongi França (A irretroatividade das leis e o direito adquirido, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982, pág. 204), o direito adquirido é a consequência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo; consequência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência da lei nova sobre o mesmo objeto.

Assim é o abono salarial: um direito adquirido do trabalhador que não deve ser retirado por norma jurídica.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O abono salarial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5290, 25 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59404. Acesso em: 21 nov. 2024.

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