Documentos psicografados no direito processual penal brasileiro

A positivação de conceitos jurídicos abertos e indeterminados e a correta apreciação de novas óticas que a traduzam

01/08/2017 às 17:46
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O Direito é um processo dinâmico que busca disciplinar o modus vivendi da sociedade, acompanhando os progressos científicos e tecnológicos, avaliando situações novas, suscetíveis de gerar relações jurídicas.

 Uma questão que, episodicamente, começou a surgir nas lides jurídicas de direito penal é a que trata da admissão de documentos psicografados como prova, inclusive existindo decisões judiciais que os admitiram como meio probante.

Sabe-se que, no Processo Penal não há hierarquia de provas, e elas valem pelo seu conjunto, ressaltando-se ainda que o elenco das provas admissíveis em Direito é apenas exemplificativo, pois, se não o fosse, ocasionaria um obstáculo para o exercício da ampla defesa.

Diante do interesse de agir do Estado em face do indivíduo infrator, quando observado ato ilícito, o juiz, em sua função judicante buscará a solução do litígio entre o estado e o agente infrator, e o meio utilizado nessa pacificação será o Processo Penal. Nessa fase do processo observamos a existência do princípio da livre investigação de provas, onde se alude que o magistrado não necessariamente se aterá as provas constantes dos autos, devendo e podendo o mesmo buscar a verdade dos fatos ocorridos. Desta forma, sendo a prova o tema mais importante de todo o ordenamento jurídico brasileiro, a correta apreciação de novas óticas que a traduzam é deveras importante na busca da verdade real dos fatos, sendo este um dos princípios fundamentais do direito, denominado por princípio da livre investigação de provas.

Como no processo penal não há hierarquia de provas e o juiz formará sua convicção a partir da apreciação de cada uma deles parece lógico que os mesmos, desde que se harmonizem com o conjunto das demais provas produzidas, possam ser admitidos como prova documental.

A valoração da prova está ligada à adequação das mesmas aos fatos e as leis, logo é importante conceber que o magistrado deve buscar apreciar a prova consoante com os fatos, não havendo que se conformar com a verdade formal constante dos autos apenas, competindo ao mesmo buscar tal verdade real, ultrapassando obstáculos que inquietam a ordem jurídica. Além do mais, ao abordar-se a psicografia como prova judicial, não se pode analisá-las apenas pelo ângulo religioso, mas, principalmente, pelos ângulos científico e jurídico. Paralelamente a isso, a análise das normas e princípios adotados no Brasil.

O assunto é controverso. Diante de todo embate do estado laico, onde a religião não pode interferir nos regramentos do estado, na área jurídica observa-se testemunhas fazerem solenes juramentos sobre a bíblia, livro sagrado cristão. O direito penal, por sua vez recepciona qualquer meio de prova, conquanto lícita, destarte, não havendo impedimento à apresentação de uma prova psicografada aos autos de um processo judicial, isso porque a aplicação do direito não se dará apenas com a pronúncia de uma regra ou fórmula jurídica. À vista, cabe-se analisar ainda, que a constituição da república dispõe sobre o princípio da ampla defesa, conferindo ao réu todos os meios que o possibilitem trazer aos autos todos os elementos que apontem em sentido da verdade dos fatos, não estando o mesmo restrito às provas elencadas pelo legislador, podendo valer-se de todos os meios, em busca da verdade e no auxílio de sua defesa, vedada, obviamente, a prova ilícita.

A sociedade moderna reivindica um sistema mais dinâmico, mais atento ás especificidades de cada caso concreto, retratando a frequente positivação de conceitos jurídicos abertos e indeterminados. No entanto, a aplicação da norma não pode existir de forma aleatória, e por isso, consequentemente, arbitrária.

Grandes doutrinadores jurídicos abordam a possibilidade de recepcionamento das ditas provas inominadas, ou seja, as que não se encontram no rol das provas positivadas, mas que, enquanto lícitas, não há dessa forma, prévio estabelecimento de negativas de recepcionamento das mesmas como meio probatório

A nossa carta magna e o direito penal brasileiro admitem como prova qualquer documento, desde que lícito trazido pelo autor ou réu em sua defesa no decorrer do processo. Diante da amplitude desse conceito, as cartas psicografadas podem ser admitidas, equiparadas a qualquer outro documento com força para revelar a verdade dos fatos. Por outro lado, se o espiritismo for entendido apenas como religião, conflita-se com o laiticismo.

As provas psicografadas são utilizadas desde 1976, corroborando na resolução de casos criminais complexos, no entanto, sua aceitação é entendida por alguns juristas como ominosas. Percebemos que para alguns trata-se de prova irrefutável, enquanto que para outros, apenas mensagens de outro plano, gerando divergência sobre sua admissibilidade. No Brasil, depoimentos psicografados de vítimas desencarnadas, através da mediunidade de pessoas dotadas de faculdades extra-sensoriais, a exemplo do mais famoso entre estes, Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier), colaboraram para a absolvição de réus acusados de homicídio no Brasil.

Cabe definir que o Espiritismo, em análise latu sensu, precisa por óbvio ser considerado como ciência, e não apenas como religião, posto que, se desta forma fosse não haveria razão para discussão no meio jurídico, e ainda que existisse ficaria adstrita a convicção religiosa do magistrado, o que, de certa forma, traria insegurança jurídica para o caso concreto, tendo em vista que o Estado é laico. Sob a óptica científica, o Espiritismo estaria hábil a gerar debates interdisciplinares, como a exemplo do presente artigo, porém, sem esquecer que mesmo em reconhecendo o seu caráter eminentemente científico não se afastaria por completo sua essência filosófica e religiosa.

O Direito não é estático, é dotado de interpretações e posicionamentos antagônicos, consequentemente não haveria um entendimento firmado e absoluto acerca da psicografia como prova jurídica lícita. A psicografia deve ser reconhecida em nosso sistema como prova legal, pois que trata-se de prova lícita, devendo ser analisada casuisticamente, seja em juízo comum, no qual o magistrado se utilizará da sua persuasão racional para a aceitação, seja nos tribunais do júri, pela íntima convicção do Conselho de Sentença, que não precisa de motivação para tanto.

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Entende-se, portanto, tratar-se de meio de prova documental, em sentido amplo, uma vez que o legislador processual penal abriu margem para interpretações extensivas ao conceituar o documento no artigo 232 da Lei Adjetiva Penal, sendo, portanto, dotada de licitude, já que a nossa Constituição Suprema, acompanhada pelo Código de Processo Penal vigente, veda as provas ilícitas e suas derivadas, como, por exemplo, as obtidas por violação ao sigilo telefônico, o que não ocorre com a psicografia. Por óbvil, não se pode atribuir a ela um status de prova absoluta, devendo ser valorada pelo magistrado em consonância com todo conjunto probante existente nos autos processuais, e por conseguinte, não havendo falar em ofensa ao contraditório no momento da produção da prova psicográfica, posto que poderá a mesma ser refutada como prova material, no momento de sua apresentação em juízo, sendo o exame grafotécnico utilizado para confrontá-la, analizando sua idoneidade, atestando se a grafia periciada é ou não da pessoa quando em vida, o que foi constatado diversas vezes por renomados peritos e estudiosos da psicografia como o Carlos Augusto Perandréa.

A Grafoscopia, conhecida também pelas denominações de grafística (num passado bem longínquo), grafotécnica ou grafotécnica, é a parte da documentoscopia que estuda o grafismo ou escritas verificando a autenticidade, a falsidade ou a autoria gráfica, através do estudo das características que os individualizam.

Ainda que tenham ocorrido casos emblemáticos de documentos psicografados admitidos nos tribunais, é notório que o Judiciário ainda não está amplamente preparado para recepcionar esse tipo de prova, vez que, apesar das grandes repercussões, foram casos isolados, os quais surgem gerando bastante divergência. Não se pode negar que no caso mais recente de recepcionamento de prova psicografada nos autos procesuais criminais ocorrido em julho de 2003, na cidade de Viamão, fortificou a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a favor da admissibilidade da psicografia, chegando a um patamar de discussão bem elevado, com a interposição do Agravo de Instrumento em Recurso Extraordinário, havendo a necessidade de manifestação perante o Supremo Tribunal Federal, que ainda pende de julgamento. A decisão a ser tomada pelo Excelso Pretório, seja a favor ou contra a aceitação da psicografia como meio de prova judicial, indubitavelmente, traçará novos rumos no mundo jurídico.

Por fim, a psicografia, que representa o ato de escrever exercido por uma pessoa dotada de certa capacidade sensorial (médium), através da influência direta de um espírito comunicante, autor da mensagem, tem sua cientificidade comprovada, podendo, pois, ser admitida no processo como prova atípica, direta, mas subsidiária, consoante com as demais provas carreadas nos autos, acrescenta-se que só poderão ser utilizadas no processo as psicografias que contenham informações bastante úteis, ricas e específicas em relação às versões dos acontecimentos a serem provados, o que reforçaria a convicção do julgador a respeito da sua autenticidade, cabendo, nesse diapasão, a utilização da Grafoscopia para autenticá-la, não deixando de repisar que seriam três os centrais fundamentos a autorizar a admissão deste incomum meio probante: a cientificidade já demonstrada do espiritismo; a possibilidade de fraudes e incorreções virem efetivamente a ocorrer em qualquer meio de prova, atípico ou típico; e o fato de que a utilização da psicografia em nada contraria os dispositivos que regem as fontes de prova no nosso Código Processual.

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Sobre a autora
Kelly C. Lima Martins

Bacharela em Direito; Articulista na sessão Direito & justiça em oblogdowerneck.blogspot.com.br

Informações sobre o texto

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Mais informações

O método gafoscópico empregado por Perandrea é totalmente aberto a investigações, sendo amplamente utilizado pela Justiça, em casos de âmbito geral em todo o mundo. A metodologia utilizada por este perito é a padrão em Grafoscopia Judiciária, que é uma área que tem sólido respaldo Científico já há muitas décadas, sendo importante assinalar que a atuação pericial grafotécnica objetiva validar provas que venham a incriminar ou inocentar alguém.

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