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O que significa licitação inexigível?

08/08/2017 às 13:15
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Neste artigo esclarecemos os conceitos de inexigibilidade de licitação, inviabilidade de competição, serviço de natureza singular, notória especialização e fornecedor exclusivo.

A inexigibilidade pressupõe inviabilidade de competição, por constituir questão de ordem fática, que independe da vontade do legislador. No caso da dispensa, a competição é viável, porém, realizar a disputa traz prejuízos ou inconvenientes para a Administração.

Para sabermos se há ou não viabilidade de competição, devemos analisar a presença de dois pressupostos.

O primeiro pressuposto é de natureza objetiva, que vem a ser a natureza singular do serviço a ser desenvolvido, posto que uma simples pintura de parede ou manutenção de um aparelho condicionador de ar (ou seja, serviços rotineiros e que podem ser prestados por um número razoavelmente grande de pessoas) não requerem a contratação de um especialista, sendo bastante a contratação de profissional minimamente qualificado e capacitado. Serviços passíveis de julgamento por critérios objetivos são sujeitos a licitação pública.

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

(...)

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

(...)

§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

Veja-se que a singularidade recai sobre o objeto (serviço técnico singular), não sobre o prestador. Dispõe o TCU, na Súmula nº 264:

A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de con­fiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de quali­ficação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/93.

O que é, então, serviço singular, segundo o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93?

Serviços técnicos profissionais especializados, que não podem ser licitados e devem ser contratados, necessariamente, por inexigibilidade, são aqueles em que: a) o grau de subjetividade em relação à sua avaliação, em virtude de suas peculiaridades especiais, impede a adoção de critérios objetivos para adequadas mensuração e avaliação; b) não possibilitam a definição de critérios objetivos para a seleção da melhor proposta. O objeto, em face das suas peculiaridades especiais, não permite fixar um critério objetivo de julgamento para a escolha do futuro contratado.

A licitação de técnica e preço não seria aplicável à contratação de tal tipo de serviço (de natureza singular), pois este tipo de licitação tem como pressuposto necessário a existência de critérios objetivos de julgamento, e os serviços singulares não podem ser reduzidos a um padrão objetivo de julgamento; se isso fosse possível, eles deixariam de ser singulares.

Seja qual for o tipo de licitação, é preciso mensurar objetivamente o serviço a ser executado, bem como os critérios de julgamento para a escolha do futuro contratado. O pressuposto básico da licitação é a possibilidade de dispensar tratamento igualitário aos competidores, e este somente pode ser assegurado se o critério de julgamento for objetivo. Foi exatamente em razão de tal impossibilidade que o legislador determinou que os serviços singulares fossem contratados por inexigibilidade.

Serviço singular é, pois, aquele que, para ser realizado, exige que o prestador reúna muito mais do que apenas conhecimento técnico. É necessário deter um conjunto de recursos técnicos especiais, tais como:

  • conhecimento teórico e prático;
  • experiência com situações de idêntico grau de complexidade;
  • capacidade de compreender e dimensionar o problema a ser resolvido;
  • potencial para idealizar e construir a solução para o problema;
  • aptidão para excepcionar situações não compreendidas na solução a ser proposta ou apresentada;
  • capacidade didática para comunicar a solução idealizada;
  • raciocínio sistêmico;
  • facilidade de manipular valores diversos e, por vezes, contraditórios;
  • aptidão para articular ideias e estratégias numa concatenação lógica;
  • capacidade de produzir convencimento e estimar riscos envolvidos;
  • criatividade e talento para contornar problemas difíceis e para produzir uma solução plenamente satisfatória.

Todos esses atributos indicados não podem ser mensurados objetivamente, o que torna impossível a realização da licitação para a seleção de profissional ou empresa para executar serviço considerado singular, justamente porque a licitação pressupõe critério objetivo de julgamento.

O segundo pressuposto é de ordem subjetiva, atinente à qualidade do profissional apto a realizar o serviço.

Deve o contratado ser notório especialista, como afirma o dispositivo legal. Note-se que a notoriedade recai sobre a especialização do profissional, não sendo necessário seja este famoso ou amplamente conhecido. A avaliação acerca da notoriedade da expertise do profissional conduzirá à avaliação do grau de confiabilidade deste.

A confiança traduz a segurança que tem o administrador em obter o melhor serviço, ante sua complexidade e natureza especial, em razão da notória especialidade que caracteriza o prestador. É a notória especialização que confere con­fiabilidade à sua contratação.

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

(...)

§ 2º Considera-se de notória especialização o profissional ou a empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

A inviabilidade de competição que decorre do parágrafo 2º se fundamenta na impossibilidade de definição objetiva para viabilizar a solução (serviço) que atenderá plenamente à necessidade da Administração. Ou seja, ainda que existam várias pessoas notoriamente especializadas (isto é, possibilidade real de disputa), não se pode ­ fixar critério objetivo de escolha para de­finir entre uma e outra. Só há um tipo de escolha, a subjetiva.

De fato, a existência de mais de um profissional ou empresa de notória especialização não desmente a inviabilidade de competição, pois esta resulta da impossibilidade fática de assegurar um dos pressupostos da licitação (o critério objetivo de julgamento), posto que este está relacionado ao objeto, e não à quantidade de pessoas que atuam no mercado. A inviabilidade de competição signi­fica a impossibilidade de assegurar os pressupostos da licitação, sendo o principal deles a igualdade de tratamento aos licitantes no julgamento de suas propostas.

Afirma com muito acerto Joel de Menezes Niebuhr que não se faz necessário que somente uma pessoa disponha da técnica pretendida pela Administração, outros também podem dominá-la; no entanto, todos eles a realizam com traço eminentemente subjetivo, em razão do que, repita-se, a inexigibilidade tem lugar pela falta de critérios objetivos para cotejá-los.

Na mesma esteira, Eros Roberto Grau: ser singular o serviço, isso não significa seja ele necessariamente o único. Outros podem realizá-lo, embora não o possam realizar do mesmo modo e com o mesmo estilo de um determinado profissional ou de uma determinada empresa.

Celso Antônio Bandeira de Mello, comungando do mesmo entendimento, ensina que a singularidade mencionada não significa que outros não possam realizar o mesmo serviço. Isto é, são singulares, embora não sejam necessariamente únicos.

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes diverge desse entendimento, em posicionamento minoritário, defendendo só haver inexigibilidade diante da exclusividade de fornecedor ou prestador do serviço.

Acerca dos critérios para caracterização dos serviços técnicos especializados, e a consequente definição de inviabilidade de competição, o TCU editou a Súmula nº 252:

A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado.

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O elenco de causas de inexigibilidade contido na lei tem cunho meramente exemplificativo, enquanto os casos de dispensa são taxativos, como assevera Marçal Justen Filho. Para o doutrinador, a ausência de pressupostos necessários à licitação se manifesta de diversas formas:

  1. ausência de pluralidade de alternativas de contratação para a Administração – quando há apenas uma única solução viável (em razão da peculiaridade da necessidade a ser satisfeita) e um único particular em condições de executar a prestação;
  2. ausência de “mercado concorrencial”, ou seja, não há disponibilidade de oferta de contratação a qualquer tempo, para aquisição imediata;
  3. ausência de objetividade na seleção do objeto;
  4. ausência de definição objetiva da prestação a ser executada.

De outra forma, teríamos que admitir que a inexigibilidade de licitação decorre da lei, quando na verdade resulta de uma situação fática, natural, uma imposição da realidade extranormativa (MARÇAL). Portanto, não apenas os serviços elencados expressamente nesse rol constituem-se em serviços técnicos profissionais especializados, de natureza singular, mas também outros podem ser contratados por inexigibilidade, a depender de sua natureza e características. Ademais, acaso não pudessem ser contratados com base no inciso II do art. 25, o seriam com base no caput do mesmo artigo, posto que é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição.

Nesse sentido a jurisprudência do TCU:

As hipóteses de inexigibilidade relacionadas na Lei n. 8.666/93 não são exaustivas, sendo possível a contratação com base no caput do art. 25 sempre que houver comprovada inviabilidade de competição. (Acórdão nº 2.418/2006, Plenário, rel. Min. Marcos Bemquerer Costa)

A inexigibilidade prevista no art. 25, II, portanto, depende da subjetividade dos critérios para a aferição da escolha do contratado, ou seja, depende em boa medida da discricionariedade do administrador. Nessa perspectiva discricionária, surge um elemento de extrema relevância para a demonstração da inviabilidade de competição: o juízo de confiança que o agente público deposita em determinado especialista.

De forma bastante clara nos ensina Niebuhr que é evidente que a confiança ou desconfiança revelam avaliações impregnadas pela discricionariedade, de subjetivismo. Mas tal discricionariedade não será absoluta, mas sempre limitada. O grau de confiabilidade, conquanto determinado subjetivamente, depende de certos critérios objetivos, como, por exemplo, a experiência do especialista, sua boa reputação, o grau de satisfação obtido noutros contratos etc. Sob esse enfoque, é flagrante que um profissional punido por órgão de classe em virtude de cometimento de atos de imprudência, de imperícia ou de negligência não agrega confiabilidade, apesar de qualquer apreciação subjetiva do agente público.

Taxativamente assevera Eros Grau: a decisão quanto à escolha desse profissional ou daquela empresa para a prestação do serviço não pode, repito, ser demonstrada, ainda que se possa justificá-la. É escolha discricionária do agente público ou dos agentes públicos competentes para contratá-lo. Portanto, não há que se negar que, na hipótese do inciso II do art. 25, o grau de confiabilidade do agente administrativo no especialista é o fator determinante da contratação.


REFERÊNCIAS:

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação direta sem licitação, 2001, p. 585

GRAU, Eros Roberto. Licitação e Contrato Administrativo – estudos sobre a interpretação da lei. p. 74-75.

GRAU, Eros Roberto. Inexigibilidade de licitação – serviços técnicos profissionais especializados – notória especialização. In. RDP 99/70.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 2012, p. 406

MENDES, Renato Geraldo. Lei de Licitações e Contratos anotada, 2011, p. 548

MENDES, Renato Geraldo. A inexigibilidade de licitação na visão do TCU – Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC Ano XVIII, nº 209, Julho 2011, p. 629-638

NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e inexigibilidade de licitação pública, 2008, p.293, 298

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, p. 482

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Sobre a autora
Fabriza Carvalho Barbosa

Graduada em Direito, Pós Graduada em Direito Processual Civil, Especialista em Licitações e Contratos. Assessoria e instrutoria na área de Contratações Públicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Fabriza Carvalho. O que significa licitação inexigível?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5151, 8 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59607. Acesso em: 28 mar. 2024.

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