Capa da publicação O novo modelo da reforma da previdência e os fundos de previdência privada
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O novo modelo previdenciário

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18/08/2017 às 13:15
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V - A PREVIDÊNCIA PRIVADA 

O modelo de previdência privada tem por objetivo acumular recursos para utilização futura, com incentivo para quem faz a declaração do imposto de renda pelo modelo completo e optou pelo plano PGBL.

A expressão previdência privada, no sentido usado no Brasil, objetivou identificar o espaço não coberto pela previdência social, de forma a proporcionar ao participante um beneficio adicional ao oferecido pela previdência social pública, visando manter sua renda nos mesmos níveis de quando estava em plena capacidade laborativa.

Na década de 1970 foi criada a lei nº 6.435/77, de 15/07/1977, que previa a classificação das entidades de previdência privada em fechada e aberta. A diferença está no fato de que a primeira está voltada para planos acessíveis exclusivamente a empregados de uma empresa ou grupo de empresas, e a segunda é acessível a qualquer pessoa que esteja disposta a investir no plano. Outra diferença reside no fato de que a fechada não possui fins lucrativos, enquanto a aberta só pode ser comercializada por bancos e seguradoras.

A Previdência Privada está dividida em duas categorias: fechada e aberta.

A primeira, também conhecida como “fundo de pensão”, é patrocinada por uma empresa – que pode ser estatal ou privada – ou entidade para ser disponibilizada aos seus respectivos empregados. Cerca de 300 fundos de pensão operam no país, administrando ao todo 1.100 planos de previdência, com mais de 3 milhões de participantes. Os maiores são os dos Correios, da Petrobras, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil.

A previdência complementar fechada é considerada uma importante ferramenta de recursos humanos porque melhora a relação entre empresa e empregado, aumenta a fidelização do funcionário e também atrai mão de obra qualificada. Ela não visa ao lucro e possibilita uma melhor qualidade de vida ao beneficiário e seus dependentes, numa lógica que dialoga com a da previdência social.

Já o modelo aberto é operado por bancos ou seguradoras para ser adquirido por particulares (pessoas físicas), objetivando lucro para a entidade, que impõe altas taxas. 

Abordam-se aqui algumas nuances desse sistema de previdência complementar.

O sistema de previdência aberta é um plano em que qualquer pessoa (mediante subscrição do risco pelo segurador) pode ingressar, individualmente. As empresas de previdência aberta são empresas com fins lucrativos fiscalizadas pela Susep. No Brasil não é mais possível que um empresa de previdência privada aberta seja sem fins lucrativos. É oferecida por seguradoras ou por bancos. Normalmente cobra-se taxas de carregamento, incidentes sobre os aportes de recursos, e taxas de administração, voltadas para a gestão dos fundos de investimento nos quais o valor será aplicado durante a fase de acumulação.

Nesta modalidade, os aportes são feitos exclusivamente pelo titular. Algumas empresas possuem contratos para planos empresariais, com melhores condições e taxas. Um dos principais diferenciais dos planos abertos é a sua liquidez, já que os depósitos podem ser resgatados durante a fase de acumulação a cada dois meses.

Os fundos de previdência têm dois custos principais. O primeiro é a taxa de administração, que incide sobre o patrimônio do fundo, e por isso tem um impacto maior na formação da poupança do investidor. O outro custo é a chamada taxa de carregamento, que é descontada de cada aplicação a título de cobrir os custos da empresa que administra a aplicação. Assim, se o fundo tiver uma taxa de carregamento alta, de 5%, por exemplo, a cada R$ 100 aplicados, serão depositados no fundo apenas R$ 95,00. No exterior e em alguns fundos no Brasil, em lugar da taxa de carregamento, há uma taxa de saída, que é um percentual sobre o valor sacado antes de determinado prazo, o qual costuma variar de dois a cinco anos.

Há dois tipos de fundos de previdência: os Plano Gerador de Benefício Definido (PGBL), que permitem abater as aplicações na declaração anual completa do imposto de renda, e os Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), que não permitem e são indicados para quem não é assalariado ou faz a declaração simples do imposto de renda.

Para estimular o investimento de longo prazo, os fundos de previdência privada têm algumas vantagens fiscais. A primeira é a possibilidade de o assalariado deduzir os valores aplicados até 12% da renda anual na declaração completa do Imposto de Renda. Na verdade, o imposto é adiado (ou diferido, na linguagem da Receita) e será pago quando o investidor for sacar o dinheiro do fundo, que tem de ser um PGBL. Assim, o imposto no resgate será cobrado não só sobre o rendimento, como ocorre nas demais aplicações, mas sobre o principal também. O VGBL não permite deduzir as contribuições.

Confira uma simulação do funcionamento do benefício fiscal no artigo Previdência privada: quando vale a pena?

Outra vantagem fiscal dos fundos de previdência é a tributação no resgate. Na hora que inicia o plano de previdência, o investidor pode optar por duas formas de tributação para quando for receber o valor.

Cumpre também observar que há autonomia patrimonial entre os diversos planos de benefícios - ainda quando vinculados à mesma entidade de previdência privada - e que, "mesmo nos planos de Benefício Definido, em que existe uma conta coletiva, não ocorre 'distribuição de renda', mas mutualismo, ou seja, todos os participantes encontram-se nas mesmas condições, repartindo os riscos envolvidos na operação" (Ivy Cassa,  Contrato de previdência privada . São Paulo: MP, 2009, p. 62-83).

No ponto, cabe mencionar precedente do Colegiado, julgado nos moldes do rito estabelecido pela Lei n. 11.672/2008, referente ao REsp 1.207.071-RJ, da relatoria da eminente Ministra Maria Isabel Gallotti, em que Sua Excelência dispôs que o patrimônio decorrente da participação dos filiados e patrocinador, acumulado sob o regime de capitalização, destina-se não à livre gestão das entidades de previdência complementar, mas aos compromissos estabelecidos no plano de benefícios, o que se traduz na sua independência patrimonial atribuída pela LC 109/2001 (art. 34, I, "b"), com a precisa finalidade de conferir maior proteção ao patrimônio destinado a custear benefícios de longo prazo.

"É impositiva a manutenção da liquidez, solvência e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial dos planos de benefícios, resguardando-se o interesse da universalidade dos participantes e assistidos, dado o mutualismo inerente ao regime fechado, que se traduz na solidariedade na distribuição dos resultados positivos ou negativos do plano. Precedentes da Segunda Seção, inclusive no âmbito de recursos repetitivos". (REsp 1.245.683/SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em27/10/2015, DJe 5/11/2015).

Nessa  linha de pensar, como se extrai de todos os precedentes que deram origem ao enunciado, a Súmula 289/STJ, ao prescrever que a restituição das parcelas pagas a plano de previdência privada deve ser objeto de correção plena, por índice que recomponha a efetiva desvalorização da moeda, é nítido que se cuida de hipótese em que há o rompimento do vínculo contratual com a entidade de previdência privada.

Parece claro, pois não se confunde com a situação em que, por acordo de vontades, envolvendo concessões recíprocas, haja migração de participante em gozo do benefício de previdência privada para outro plano, auferindo, em contrapartida, vantagem. Acerca do resgate, o art. 42, V, da Lei n. 6.435/1977 dispunha: Art. 42. Deverão constar dos regulamentos dos planos de benefícios, das propostas de inscrição e dos certificados dos participantes das entidades fechadas, dispositivos que indiquem: [...] V - existência ou não, nos planos de benefícios de valor de resgate das contribuições saldadas dos participantes e, em caso afirmativo, a norma de cálculo quando estes se retirem dos planos, depois de cumpridas condições previamente fixadas e antes da aquisição do direito pleno aos benefícios; Na vigência da Lei Complementar n. 109/2001, dispõe, o seu art. 14, III, a possibilidade de resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo ex-participante.

Essa é também a lição da doutrina: O resgate somente poderá ser requerido pelo participante que se desligar da patrocinadora e da entidade. Assim, o simples pedido do participante para se desligar da entidade, enquanto mantiver vínculo empregatício com a patrocinadora, não implica no direito ao resgate. Sob este aspecto está diferenciada a hipótese de plano de benefícios estipulado por instituidor.

Na primeira hipótese, o regulamento do plano de benefícios deverá conter condicionante para o resgate que é a cessação do vínculo empregatício. Na segunda hipótese, no regulamento deverá estar previsto prazo de carência para o pagamento do resgate, de seis meses a dois anos, contado este prazo da data de inscrição no plano de benefícios (artigos 22 e 23 da Resolução CGPC nº 06, de 2003). (Wagner Balera (Coord.). Comentários à lei de previdência privada: LC 109/2001. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 115) .

O instituto da previdência complementar, que faculta ao ex-participante receber o valor decorrente do seu desligamento do plano de benefícios, é o resgate, nitidamente distinto da migração, que é facultada até mesmo aos assistidos. O montante a ser restituído corresponde à totalidade das contribuições por ele vertidas ao fundo (reserva de poupança), devidamente atualizadas.

O exercício do resgate implica a cessação dos compromissos do plano administrado pela entidade fechada de previdência complementar (EFPC) em relação ao participante e seus beneficiários, não podendo se dar quando ele estiver em gozo de benefício ou se já tiver preenchido os requisitos de elegibilidade ao benefício pleno, inclusive sob a forma antecipada. (REsp 1.518.525/SE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/5/2015, DJe 29/5/2015). 

De fato, conforme iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça , como a correção monetária não é um plus, e o participante nem sequer chegou a auferir os benefícios do plano de previdência privada, cabe a devolução integral das contribuições efetuadas por aquele que se desligou do regime de previdência complementar.

Em observância ao disposto no art. 7º da Lei Complementar n. 109/2001, as entidades de previdência complementar não podem alterar a forma de cálculo do benefício concedido, para fins de fazer incidir expurgos sobre a reserva de poupança transferida, pois houve aprovação da operação para migração pela autarquia Previc, e os planos de benefícios devem atender aos padrões mínimos fixados pelo órgão regular e fiscalizador.

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A doutrina especializada anota: Além disso, a universalidade de cobertura também deve ser vista com ressalva, na medida em que a entidade está adstrita a prestar garantia apenas para as contingências previstas no Regulamento.

Assim, se não for estipulada cobertura para invalidez, por exemplo, a entidade não se obriga, pois só se compromete com o que está estabelecido contratualmente. [...] Na previdência privada, porém, não há que falar em distinção entre benefícios. Seu valor, condições de elegibilidade e regras dependem unicamente do que estiver disposto no Regulamento [...]. [...] A seletividade não se aplica à previdência privada, pois o participante terá direito ao benefício nos termos contratados, não havendo escolha (seleção) por parte da entidade quanto a quem deverá ou não receber o benefício. Ela não goza dessa discricionariedade. Da mesma forma acontece com a distributividade, eis que a previdência privada é baseada no regime de capitalização, pelo qual cada participante possui sua conta individualizada. Até mesmo nos planos de Benefício Definido, em que existe uma conta coletiva, não ocorre "distribuição de renda", mas mutualismo, ou seja, todos os participantes encontram-se nas mesmas condições, repartindo os riscos envolvidos na operação. [...] Cada participante é responsável pela sua própria conta, não é permitida a utilização de recursos de um participante pelo outro, ressalvadas as hipóteses de mutualismo e fundo comum dos planos de benefício definido e coberturas de risco. (CASSA, Ivy. Contrato de previdência privada . São Paulo: MP, 2009, p. 62-65, 81 e 83).

Trago, ainda, à colação, jurisprudência do STJ na matéria;

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDÊNCIA PRIVADA. MIGRAÇÃO DE PLANO DE BENEFÍCIOS. CORREÇÃO DA RESERVA DE POUPANÇA POR ÍNDICES INFLACIONÁRIOS EXPURGADOS. INAPLICABILIDADE. NÃO ROMPIMENTO DO VÍNCULO CONTRATUAL COM A ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA POR DECISÃO DA SEGUNDA SEÇÃO. DIVERGÊNCIA SUPERADA. SÚMULA N. 168/STJ. 1. A Súmula n. 289/STJ aplica-se apenas às hipóteses em que houve o rompimento definitivo do vínculo contratual estabelecido entre a entidade de previdência complementar e o participante, não incidindo nos casos em que, por meio de transação, houve transferência de reservas de um plano de benefícios para outro no interior da mesma entidade. 2. Superado o dissenso em relação ao tema objeto do recurso, hipótese em que a jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido do aresto impugnado, tornam-se incabíveis os embargos de divergência. Incidência da Súmula n. 168/STJ. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EAREsp 647.040/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/03/2016, DJe 11/03/2016).

Em caso de migração de plano de benefícios de previdência complementar, não é cabível o pleito de revisão da reserva de poupança ou de benefício, com aplicação do índice de correção monetária. Em havendo transação para migração de plano de benefícios, em observância à regra da indivisibilidade da pactuação e proteção ao equilíbrio contratual, a anulação de cláusula que preveja concessão de vantagem contamina todo o negócio jurídico, conduzindo ao retorno ao statu quo ante.

Entre as diversas aplicações financeiras disponíveis para o consumidor brasileiro, os planos  de previdência privada aberta foram os que mais cresceram no período pós-Plano Real. Diversas são as razões para esse extraordinário avanço, as quais são divididas em dois principais grupos: macroeconômicos e mercadológicos. Os macroeconômicos referem-se ao fim da indexação, estabilidade da moeda, controle da inflação, maior horizonte de investimentos e os mercadológicos referem-se à entrada de novas empresas, mudanças na regulamentação, introdução de novos produtos, maior exposição dos planos de previdência privada nos meios de comunicação ASSOCIAÇAO NACIONAL DA PREVIDÊNCIA PRIVADA. Previdência Privada no Brasil.Disponível em: <http://www.anapp.com.br).

A premissa “Idade de Aposentadoria” é importante para o cálculo das reservas matemáticas. Quando os planos estabelecem as condições de elegibilidade firmadas em regulamento ou contrato, fixam normalmente uma idade de aposentadoria combinada com tempo de contribuição ao plano, inclusive com possibilidade de aposentadoria antecipada. O tamanho do período no qual se distribui a reserva matemática dos benefícios depende da idade de ingresso, ou seja, quanto menor a idade dos novos ingressantes, menor será o tempo de financiamento do valor atual dos benefícios futuros, podendo resultar em menores alíquotas de contribuição (J. A. Rodrigues, Gestão do risco atuarial, 2008).

O número total de participantes de planos abertos é estimado em 5 milhões de pessoas.

Com as limitações que irão surgir para a Previdência Pública, no modelo do Estado mínimo neoliberal, essas entidades serão as grandes ganhadoras no futuro com a reforma do modelo previdenciário. 

Em tudo isso, leve-se em conta o princípio impositivo da Constituição na proteção à dignidade da pessoa humana. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O novo modelo previdenciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5161, 18 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59789. Acesso em: 4 mai. 2024.

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