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O marco temporal só beneficia os ruralistas

22/09/2017 às 17:37
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Segundo a tese do marco temporal, que refutamos, os direitos territoriais dos povos indígenas só têm validade se eles estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988.

I – O INDIGENATO

O indigenato é tradicional instituição jurídica que deita raízes nos velhos tempos da Colônia quando o Alvará de 1º de abril de 1680, confirmado pela Lei de 6 de junho de 1755, firmara o princípio de que, às terras outorgadas a particulares seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas.

Terras tradicionalmente ocupadas não revelam uma relação temporal. Se formos ao Alvará de 1º de abril de 1680 que reconhecia aos índios as terras onde estão tal qual as terras que ocupavam no sertão, ver-se-á que a expressão ocupadas tradicionalmente não significa ocupação imemorial. Não se trata de posse ou de prescrição imemorial. Não quer dizer terras imemorialmente ocupadas, ou seja, terras que eles estariam ocupando desde épocas remotas que já se perderam na memória. Como bem alertou José Afonso da Silva(Curso de Direito Constitucional Positivo, 5º edição, pág. 716), o tradicionalmente refere-se, não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terra e ao modo tradicional de produção, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra.

O indigenato não se confunde com a ocupação, portanto, com a posse civil. O indigenato é fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. Essa a lição obtida de João Mendes Júnior é observada por José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, RT, 5ª edição, pág. 717). Esse desenvolvimento é feito sobre a tese de que as terras de índios, congenitamente apropriadas, não podem ser consideradas nem como res de ninguém, nem como res derelictae. Não é uma simples posse, mas um reconhecido direito originário e preliminarmente destinado ao indígena.

Sabe-se que o artigo 231 da Constituição Federal reconhece o direito ao usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras que tradicionalmente ocupam. Tal usufruto é intransferível como lembra Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, de 1969, t.IV/456 e 457).

Tal a tradição do direito brasileiro, exposto na Lei nº 601/1850, no Decreto Regulamentar nº 1318, de 1854, que fez respeitar o direito originário dos índios às terras de ocupação tradicional.

Não está em jogo, no tema da posse indígena, como revelou o Ministro Victor Nunes Leal (voto proferido nos autos do recurso extraordinário nº 44.585 – MT, julgado a 28.6.61), um conceito de posse, nem de domínio, no sentido civilista dos vocábulos. Trata-se de um habitat de um povo. Assim, a Constituição Federal determina que num verdadeiro parque indígena, com todas as suas características naturais primitivas, possam permanecer os índios vivendo naquele território.

A posse indígena distingue-se da posse civil. Aquela é mais ampla, mais flexível como conceituado no artigo 23 da Lei nº 6001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio).

Nas terras indígenas, a propriedade é da União (Constituição Federal, artigo 20, inciso XI). Dos índios é o usufruto exclusivo abrangendo o aproveitamento das riquezas do solo, dos rios e lagos neles existentes. Tais terras são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

Mesmo que houver prova do fato do particular portar título de domínio, devidamente registrado em Cartório de Imóveis, prevalece o comando constitucional que declara nulo e sem nenhum efeito jurídico atos que tenham por objetivo o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas por silvícolas.

A lição de Luciano Maia não pode ser esquecida. Nesse sentido, tem-se:

O art. 25 do Estatuto do Índio, por sua vez, dispõe que o reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente das terras por eles habitadas, nos termos do artigo 198 (Constituição anterior) da Constituição Federal independerá de sua demarcação, e será assegurado pelo órgão federal de assistência aos silvícolas , atendendo à situação atual e ao consenso histórico sobre a antigüidade da ocupação. 

A demarcação de terras indígenas é a efetivação do preceito constitucional inserto no art. 231 da Constituição da República. A Constituição vem no sentido de reconhecer as situações fáticas, fixando critérios capazes de possibilitar o reconhecimento jurídicos das terras indígenas. Constitui-se em imposição constitucional dirigida ao Poder Executivo e cujo cumprimento é de obrigatoriedade inafastável.

O trabalho multidisciplinar que embasa o procedimento demarcatório prima pela identificação de uma posse ainda palpitante, que permite enquadramento na compreensão da existência de uma área indígena, num consenso da tradicionalidade histórica com a tradicionalidade de continuidade viva, e que, assim, vem se por sob tutela da norma inscrita no art. 231 da Constituição de 1988

Esse consenso histórico sobre a antigüidade da ocupação (posse imemorial) é o que resulta dos estudos técnicos-científicos que emprestam fundamento à Portaria Ministerial em referência.

No § 6º do art. 231 da Lei Fundamental fulmina-se de nulidade, inclusive para o caso de título registrado antes da Constituição de 1934, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Nessa proteção possessória indígena não pode passar despercebido que a posse indígena, em face de suas características peculiares, se faz diferente da concepção da posse civil,O seu sentido é de posse normativa, na concepção assim definida por Ana Valéria Araújo(A destruição como desforra). No tocante às terras indígenas, a Constituição estabeleceu verdadeira posse normativa, isto é, posse por imposição jurídica, pouco importando a efetiva detenção, ou o corpus, na qualificação romana.


II – A TESE DO MARCO TEMPORAL 

A tese do marco temporal é uma das principais bandeiras dos grupos ruralistas para restringir os direitos constitucionais das populações indígenas, e vem sendo sistematicamente rechaçada pelas populações indígenas, bem como por renomados juristas brasileiros. Para a APIB, o marco temporal “legitima e legaliza as violações e violências cometidas contra os povos até o dia 4 de outubro de 1988: uma realidade de confinamento em reservas diminutas, remoções forçadas em massa, tortura, assassinatos e até a criação de prisões. Aprovar o “marco temporal” significa anistiar os crimes cometidos contra esses povos e dizer aos que hoje seguem invadindo suas terras que a grilagem, a expulsão e o extermínio de indígenas é uma prática vantajosa, pois premiada pelo Estado brasileiro”.

Em parecer recente, o constitucionalista José Afonso da Silva adverte que “a Constituição de 1988 é o último elo do reconhecimento jurídico-constitucional dessa continuidade histórica dos direitos originários dos índios sobre suas terras e, assim, não é o marco temporal desses direitos”. José Afonso coloca que um suposto marco temporal só teria legitimidade se colocado em 1611, data da Carta Régia de Felipe III e reconhecimento jurídico inequívoco dos direitos originários indígenas, mas reitera que não há na Constituição Federal sinalização alguma de data a partir da qual se fariam valer os direitos territoriais das populações indígenas.

Explica melhor José Afonso da Silva, a respeito das terras indígenas:

Quando a Constituição declara que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se destinam à sua posse permanente, isso não significa um pressuposto do passado para uma ocupação efetiva, mas, especialmente, uma garantia para o futuro, no sentido de que essas terras inalienáveis e indisponíveis são destinadas, para sempre, ao seu habitat. Se assim se destinam (destinar significa apontar para o futuro) à posse permanente é porque um direito sobre elas preexiste à posse mesma, e é o direito originário já mencionado (Curso de direito constitucional positivo, 5º edição).

É com esse sentido, preso a esse direito congênito (e assim voltada para atos de violação da posse indígena ocorridos no passado), que deve ser compreendido o § 6º do art. 231 da Constituição, ao fulminar de nulidade os atos que tenham por ocupação a posse de terras indígenas.

A linha que não pode ser esquecida, a bem da história do Brasil, que tem toda uma dívida para com a causa indígena é a sua proteção de suas terras e do direito do índio à posse de suas terras, direito inalienável e irrenunciável, de modo que não cabe falar em proteção possessória de particular em terra reconhecida como de ocupação indígena.

O STF, ao julgar a Petição 3388/09, famoso caso Raposa Serra do Sol, estipulou, na condicionante de n. 11, que a Constituição de 1988 era o referencial insubstituível para o dado da ocupação de um espaço geográfico por determinada etnia e que a tradicionalidade dessa mesma ocupação não se perderia onde, ao tempo da promulgação do mesmo texto constitucional, a reocupação não tivesse ocorrido apenas por força de renitente esbulho por parte de não-índios.

Dessa compreensão, como era de se esperar, advieram decisões mais atuais proferidas por turma daquele Tribunal que já trouxeram interpretações levadas a efeito com base nela, v.g., ARE 803462 e RMS 29087 – objeto de recursos do MPF.

Raposa Serra do Sol é uma área de terra indígena (TI) situada no nordeste do estado brasileiro de Roraima, nos municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã, entre os rios Tacutu, Maú, Surumu, Miang e a fronteira com a Venezuela. É destinada à posse permanente dos grupos indígenas ingaricós, macuxis, patamonas, taurepangues e uapixanas.

Mais da metade da área é constituída por vegetação de cerrado, denominada regionalmente de "lavrado". A porção montanhosa culmina com o monte Roraima, em cujo topo se encontra a tríplice fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela. É uma das maiores terras indígenas do país, com 1 743 089 hectares e 1 000 quilômetros de perímetro. O Brasil tem atualmente cerca de 600 terras indígenas, que abrigam 227 povos, com um total de aproximadamente 480 mil pessoas. Essas terras representam 13% do território nacional, ou 109,6 milhões de hectares. A maior parte das áreas indígenas - 108 milhões de hectares - está na chamada Amazônia Legal, que abrange os Estados de Tocantins, Mato Grosso, Maranhão, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Acre e Amazonas. Quase 27% do território amazônico hoje é ocupado por terras indígenas, sendo que 46,37% de Roraima correspondem a estas áreas.

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A Raposa foi identificada em 1993 pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Demarcada durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, foi homologada em 2005 pelo seu sucessor, Luís Inácio Lula da Silva. É formada por imensas planícies, semelhantes às das regiões de cerrado, e por cadeias de montanhas, na fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana. Nos limites da TI, encontram-se o monte Roraima, ponto culminante do Estado, origem de seu nome e uma das montanhas mais altas do Brasil, e o Monte Caburaí, onde fica a nascente do rio Ailã, ponto extremo norte do país. Na área, vivem cerca de 20 mil índios, a maioria deles da etnia macuxi. Entre os grupos menores, estão os uapixanas, ingaricós, taurepangues e patamonas.

Foi demarcada pelo Ministério da Justiça, através da Portaria Nº 820/98, posteriormente modificada pela Portaria 534/2005. A demarcação foi homologada por decreto de 15 de abril de 2005, da Presidência da Republica.

Menos de seis meses após as decisões que anularam as portarias das Terras Indígenas Guyra Roka, dos Guarani Kaiowá (MS), e Porquinhos, do povo Canela Apanyekrá (MA), a 2ª Turma do STF voltou a colocar em questão o direito de um povo indígena à terra: os Terena da Terra Indígena Limão Verde. 

Publicado em 12 de fevereiro de 2015, o acórdão da decisão, favorável à anulação da portaria que reconhece a TI Limão Verde como área tradicionalmente ocupada pelos índios, é o primeiro a incidir sobre uma terra que chegou ao último estágio do processo demarcatório – a homologação, ocorrida em 2003 –, mas o terceiro a se valer da tese do “marco temporal” para tanto. 

Essas três recentes deliberações da 2ª Turma contradizem entendimentos do próprio Supremo em outras decisões. Em outubro de 2013, ao julgar os embargos declaratórios do julgamento da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, a maioria do plenário do STF decidiu que as condicionantes impostas a este caso não eram vinculantes para outras demarcações sub judice. A tese do “marco temporal”, uma das condicionantes da Raposa, sustenta que os índios só teriam direito às terras efetivamente ocupadas em 5 outubro de 1988, na data da promulgação da Constituição.


III – O CHAMADO MARCO TEMPORAL NÃO TEM EFEITO VINCULANTE

O "marco temporal da ocupação" é um argumento do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, que surgiu em 2009, ao lado das 19 "condicionantes" inventadas pelo também ex-ministro do STF Menezes, Direito no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Esse argumento é hoje utilizado pelos ruralistas para limitar as demarcações de terras indígenas.

Diz esse argumento que os direitos territoriais dos povos indígenas só têm validade se eles estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988. Queria o ministro Ayres Britto colocar uma "pá de cal nas intermináveis discussões sobre qualquer outra referência temporal de ocupação da área indígena".

José Afonso da Silva, em parecer sobre a matéria, já destacava que a indicação da data da promulgação da Constituição de 88 como uma espécie de termo ad quem para a configuração da posse indígena não está escrita, nem implícita, nem explicitamente, em nenhum dispositivo constitucional.

Toda vez que a Constituição quis se referir a si própria, ela o fez expressamente, tal qual faz exemplo o contido no artigo 60, caput, que trata de seu processo de emenda. Essa autorreferência é conhecida como autológica, i.e., a Constituição dirige a palavra em primeira pessoa, ou, nas palavras de Luhmann, a Constituição diz eu a si mesma.

O próprio STF, por ao menos um voto de seus ministros, aqui o voto do Min. Luiz Fux, no RE 655265, vencido junto a mais dois ministros, quando quer, lança mão desse argumento, ou seja, que a Constituição, no que diz com a exigência de comprovação do tempo de três anos de atividade jurídica para ingressar nos cargos da magistratura e do ministério público, não positiva expressamente o marco a ser considerado – caso jurídico aqui tomado por analogia.

Com relação à comprovação do renitente esbulho, tal como exigida nos julgados antecitados, além de significar uma discutível transferência da observação do intérprete do âmbito do direito constitucional ao direito privado, de vez que demanda, segundo a interpretação ora analisada, a instauração de um conflito fundiário – e aqui pouco importa se se trata de indigenato ou de fato indígena –, quer dizer também que a qualificadora renitente parece valer mais que o próprio esbulho – pois se trata de renitente esbulho e não do seu contrário –, o que foi argutamente observado por José Afonso da Silva em seu parecer supracitado, como que a exigir dos índios que comprovem a situação de renitência do esbulho até a data de promulgação da Constituição de 88 – que os índios foram esbulhados de sua posse não parece haver dúvida, pois tal fato se encontra historicamente provado.

Exigir esse manejo dos institutos e das ações jurídicas dos índios é, com o máximo respeito, criar uma nova categoria na já triste e sofrida história desses povos, qual seja, a da crueldade interpretativo-constitucional, como já aduziram renomados juristas. 

Os direitos indígenas são fundamentais porque carregam consigo as marcas da universalidade, da preferencialidade, da moralidade, da fundamentalidade e da abstração.

As condicionantes mostram-se extremamente danosas ao exercício dos direitos territoriais dos povos indígenas, estabelecendo uma primazia incondicional dos interesses da União sobre os direitos indígenas e menosprezando o direito das comunidades à consulta prévia. Além de as próprias condicionantes terem sua validade constitucional questionada oficialmente, o próprio STF reconheceu em 2013 que a decisão proferida no caso não possuía efeito vinculante, não se estendendo seus efeitos a outros processos de caráter similar.

Em 2010, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil apresentou ao STF a Proposta de Súmula Vinculante nº 49. Nela, propunha-se a adoção da data de promulgação da Constituição de 1988 como marco temporal para comprovação de ocupação indígena e reconhecimento de seus direitos originários.

Apesar de a Comissão de Jurisprudência do STF ter se manifestado pelo seu imediato arquivamento, a tese do marco temporal reapareceu na página 7 relatório do acórdão da PET Raposa Serra do Sol.


IV – A INCONSTITUCIONALIDADE DO PARECER N. 001/201/GAB/CGU/AGU

A Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu um parecer que o presidente Michel Temer logo aprovou, publicado no dia 20 de julho. Trata-se de ressuscitar, pela terceira vez, a portaria 303 de 2012 da AGU, tão controvertida que por duas vezes teve de ser suspensa.

O parecer obriga toda a administração pública federal a cumprir as "condicionantes" que constaram do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a célebre demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em 2009.

Para fundamentá-lo, a AGU atribuiu ao STF o propósito de, naquele julgamento, ter tido a "deliberada intenção" de definir a interpretação dos artigos da Constituição Federal que tratam da demarcação das terras indígenas.

Dessa forma, tal entendimento deveria ser aplicado "para todo e qualquer processo de demarcação de terras indígenas no Brasil".

Para José Afonso da Silva e Manuela Carneiro da Cunha(STF poderá sustar o “marco temporal”?, in Folha de São Paulo, 13 de agosto de 2017), “isso é um engano: em várias ocasiões, ministros do Supremo que haviam participado do julgamento de 2009 afirmaram que as condicionantes da terra indígena de Raposa Serra do Sol eram específicas daquele caso e não vinculantes.

Em fevereiro deste ano, o ministro Marco Aurélio reiterou esse mesmo entendimento e foi seguido pela primeira turma do STF. A "deliberada intenção" de generalizar as condicionantes da Raposa Serra do Sol, apregoada pela AGU, não pode, portanto, ser sustentada.

O que ocorre é que a segunda turma do STF, sob a liderança do ministro Gilmar Mendes, tem dado grande publicidade a decisões que tomou, baseadas em uma interpretação a que se convencionou chamar de "marco temporal".

Trata-se de interpretar abusivamente que os direitos territoriais dos índios assegurados pela Constituição de 1988 só se aplicam aos que estavam em suas terras no dia da promulgação de nossa lei maior, 5 de outubro de 1988.

Em parecer circunstanciado, um de nós, José Afonso da Silva, refutou por inconstitucionais esse "marco temporal", a proibição de revisar terras demarcadas para corrigir erros, e uma outra tese que se acrescentou às demais: a exigência imposta àqueles índios. 

A "tese" do marco temporal não deve sequer ser considerada uma "tese jurídica", tal é a incongruência de sua formulação ea ausência total de verossimilhança. Trata-se, mais corretamente, de um argumento racista para tirar de indígenas e quilombolas a posse de seus territórios. Uma argumentação que visa atingir populações racializadas justamente na sua relação histórica e coletiva com os territórios que vivem e onde existem. 

A tese é neocolonialista e favorece aos grandes produtores rurais que são os seus maiores beneficiados. Além disso, tem evidente conteúdo racista. 

Ademais, pelos termos do parecer temos que ele é tendencioso, pois protege, de forma cabal, interesse de ruralistas na região em detrimento dos interesses indígenas.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O marco temporal só beneficia os ruralistas . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5196, 22 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59816. Acesso em: 16 abr. 2024.

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