Sumário: 1. Princípio Jurídico. 2. Princípios da Dignidade Humana e Segurança Jurídica. 3. Nome da Pessoa Natural. 4. Registro Público e Fé Pública. 5. Princípio da Imutabilidade do Nome. 6. Princípio da Mutabilidade Controlada do Nome. 7. Remédios Jurídicos. 8. Jurisprudência. 9. Conclusões. 10. Bibliografia.
1. Princípio Jurídico.
A Ciência Jurídica ou simplesmente Direito é um dos vários processos de adaptação social, como os são a Religião/Moral, a Arte, a Política, a Economia, as Ciências e os Esportes.
O constitucionalista Sérgio Sérvulo da Cunha listou onze acepções para a expressão “princípio”: 1. começo, início, aquilo que está no começo ou no início; 2. termo final de toda regressão; 3. Proposição que basta para suportar a verdade do juízo; 4. causa natural, em razão das quais os corpos se movem, agem, vivem;. 5. elemento ativo de uma fórmula, substância ou composto; 6. aquilo que constitui, compõe as coisas materiais; 7. aquilo que pertencendo à própria coisa, contém suas determinações como fenômeno; 8.matriz dos fenômenos pertencentes a um determinado campo da realidade; 9. fator de existência, organização e funcionamento do sistema, que se irradia da sua estrutura para seus elementos, relações e funções; 10. fonte ou finalidade de uma instituição, aquilo que corresponde à sua natureza, essência ou espírito; 11. os primeiros preceitos de uma arte ou ciência[1].
Segundo Humberto Ávila, os princípios “estabelecem um estado ideal de coisas a ser atingido (state of affairs, Idealzustand), em virtude do qual deve o aplicador verificar a adequação do comportamento a ser escolhido ou já escolhido para resguardar tal estado de coisas”.[2]
O ordenamento jurídico é recheado de princípios jurídicos: dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade, legitimidade, economicidade, melhor interesse da criança, proteção ao vulnerável, segurança jurídica, boa-fé (objetiva e subjetiva), reciprocidade, solidariedade, dentre tantos outros tão caros ao pensamento jurídico.
2. Princípios da Dignidade Humana e Segurança Jurídica.
Consagra a Constituição Federal a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Estatui a Constituição Federal, também, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Nesse contexto, não se pode perder de vista que o princípio da dignidade da pessoa humana é considerado uma norma central do ordenamento jurídico, o que assegura que o ser humano não é e nem pode ser um instrumento para busca de interesses diversos, geralmente de viés econômico, mas, sempre, um fim de toda e qualquer ação privada ou política pública.
Na esteira de propiciar uma maior amplitude ao princípio da dignidade da pessoa humana foi apresentada Proposta de Emenda Constitucional 19/2010, de autoria do Senador Cristovão Buarque, que busca alterar a redação do artigo 6º da Constituição Federal para incluir o direito à busca da Felicidade – como similarmente estabelecido na Constituição Norte-Americana - por cada individuo e pela sociedade, mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade das adequadas condições de exercício do aludido direito.
De outro lado, a segurança jurídica mostra-se imprescindível para a manutenção da ordem social, da seriedade no trato das relações jurídicas. Por tal razão protege igualmente a Constituição Federal o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, expressões e desdobramentos do princípio da segurança jurídica. Ingo Wolfgang Sarlet arremata: “Sem que se vá aqui colacionar e analisar toda a gama de documentos internacionais e constitucionais que, ao longo dos tempos, agasalharam um direito fundamental à segurança, o que se percebe, desde logo e mesmo a partir de uma análise superficial, é que de modo geral as Constituições e a normativa internacional, em sua expressiva maioria, não especificaram os contornos do direito à segurança, no sentido de não terem precisado o seu âmbito de aplicação. Com efeito, a utilização da expressão genérica segurança faz com que o direito à segurança (também) possa ser encarado como uma espécie de cláusula geral, que abrange uma série de manifestações específicas, como é o caso da segurança jurídica, da segurança social, da segurança pública, da segurança pessoal, apenas para referir as mais conhecidas”.[3]
Assevera-se que tanto a dignidade da pessoa humana quanto o princípio da segurança jurídica são princípios caros à sociedade, o que não afasta a possibilidade de eventual confronto entre eles, devendo tal discordância ser resolvida com a aplicação dos postulados normativos da razoabilidade/proporcionalidade.
3. Nome da Pessoa Natural
O nome da pessoa natural é um dos mais importantes atributos da personalidade, pareado com a capacidade e o estado civil. Segundo Washington de Barros Monteiro: “O homem recebe-o ao nascer e conserva-o até a morte. Um e outro se encontram eterna e indissoluvelmente ligados. Em todos os acontecimentos da vida individual, familiar e social, em todos os atos jurídicos, em todos os momentos, o homem tem de apresentar-se com o nome que lhe foi atribuído e com que foi registrado. Não pode entrar numa escola, fazer contrato, casar, exercer um emprego ou votar sem declinar o próprio nome. No sugestivo dizer de Josserand, o nome é como uma etiqueta colocada sobre cada um de nós; ele dá a chave da pessoa toda, inteira”.[4]
O nome da pessoa natural é indiscutivelmente um dos diversos direitos da personalidade e porta as seguintes características: indisponibilidade, irrenunciabilidade, intransmissibilidade, impenhorabilidade, ilimitabilidade, imprescritibilidade, vitaliciedade e incondicionalidade. O nome é formado conforme previsão legal – nome, prenome e apelidos de família. Do ponto de vista histórico, do fim do “século XI e começo do XII”, os nomes de Santos passaram a ser fortemente utilizados e nos países da Reforma, os nomes do Velho Testamento espalharam-se.[5]
Ainda sobre o nome da pessoa natural, convém esclarecer: (a) é uma das formas pelas quais a felicidade pode ser atingida, pois é por intermédio do nome - instituto jurídico plurissecular - que a pessoa se identifica e é identificada na sociedade; (b) é um importantíssimo instituto de direito privado, que possui indiscutível importância jurídica e social. Segundo Pontes de Miranda, desde tempos primitivos o homem carrega consigo seu nome, que o faz distinto dos demais componentes sociais e raríssimas vezes o nome entra como elemento de suporte fático de regras jurídicas e a nomeação para a posse e exercício de um cargo público[6] ou a individuação em uma denúncia ou queixa são exemplos que podemos utilizar para demonstrar a importância do nome; (c) sobrenome é todo nome que se ajunta ao prenome e forma, com ele, o nome;[7] (d) o nome somente pode compor-se conforme a lei prevê; (e) não há usucapião de nome, porque usucapião é instituição de direito das coisas; (f) não há prescrição da ação declarativa ou da ação específica de condenação quanto ao uso indevido do nome;[8] (g) toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome; desta forma, cada ser humano que nasce há de ter, na vida social, um nome. Assim porque “exige o tráfico dos atos humanos”;[9] (h) o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória; (i) sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial; (j) o pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome; (k) a mulher não perde o sobrenome do marido ou ex-companheiro em caso de dissolução da sociedade conjugal, salvo a existência de uma forte justificativa em sentido contrário; tal direito, como decorrência do princípio da igualdade, é extensível ao homem.
Decidiu o Superior Tribunal de Justiça sobre o direito personalíssimo atinente ao nome: “Sem dúvida alguma, o nome é direito personalíssimo que encontra seus primórdios no próprio direito natural da pessoa ser individualizada e distinguida dentro da comunidade em que vive, tendo em vista, inclusive, o grupo familiar a que pertence. Nesse sentido, a doutrina o Ministro Jesus Costa Lima (Repositório de Jurisprudência autorizado do Superior Tribunal de Justiça, n. 18, junho de 2000, p. 52), quando diz ser "o nome o único direito realmente de personalidade, pois inerente à pessoa, à identificação pessoal e à cidadania".[10] Por tais razões é que a jurisprudência vem admitindo a condenação pela inclusão de nomes de consumidores em cadastros negativos de crédito, por representar mácula ao nome civil e restringir o tráfego econômico-jurídico.
Segundo ensina Luciano Cardoso Silveira em artigo contido no Repertório de Jurisprudência IOB, n. 21; nov/2004: “É bem de ver que, sendo o nome familiar transmissível hereditariamente, qualquer alteração deste repercute efeito nos apelidos de família, os quais não podem ser prejudicados (art. 56 da Lei n.º 6.015/73) [...] Hoje, com o casamento, homem e mulher podem acrescer ao seu sobrenome o do outro consorte (art. 1.565, § 1º do CC). Logo o descasamento igualmente possui aptidão para modificar o nome de ambos os ex-consortes. Ressalvado o direito de averbar alteração do patronímico materno (ou paterno), em decorrência do casamento, no termo de nascimento do filho (art. 3º da Lei n.º 8.560/92), ilógico seria não permitir a averbação caso haja alteração do patronímico materno ou paterno no descasamento. Por evidente, a alteração do nome dos ascendentes (no casamento ou descasamento, ou por outras circunstâncias que tenham influência no registro das pessoas nele interessadas) faz incidir uma nova verdade que pode ser averbada no assento dos respectivos descendentes, por quanto se alterou aquela outra verdade. Não se pode perder de vista que esta é uma situação de certa forma corriqueira nos dias de hoje, e muitos operadores do direito - incluindo aí grande parcela dos registradores - assim, como os próprios interessados, às vezes não se dão conta de sua utilidade prática. A questão não é de mero capricho. Além de espelhar a verdade real no registro, evita inúmeros transtornos. Sempre que houvesse a necessidade de assistência ou representação, ter-se-ia que apresentar uma longa documentação retratativa do histórico pessoal afetivo dessas pessoas, ofendendo a esfera íntima do individuo (art. 5º, X, CF/88). Caso o ato fosse feito pelo antigo nome do ascendente, não se tem dúvida que estaria havendo falsidade ideológica. [...] Se a vida hoje é mais dinâmica, deve o registro ir ao encontro da realidade que se apresenta porquanto "é mister imprimamos ao nosso movimento, ritmo compatível com a história de nossa época' (José Carlos Barbosa Moreira). Vale a pena notar que a averbação no assentamento do filho "do apelido da genitora não importa em alteração (modificativa) do nome, segundo a proibição da Lei dos Registros Públicos. Por isso é que "o aditamento dos apelidos tem sido deferido com liberalidade quando haja possibilidade de prevenir confusões e mal entendidos" (W. Ceneviva). Serve aí a averbação para informar aquilo que mudou, para uma real segurança jurídica, que não convive com o falso e com a confusão causadora de desestabilidade social e possíveis contratempos. Deve-se, pois, buscar atender a verdadeira necessidade do mundo sensível (p. 631)”.[11]
O nome da pessoa natural é assunto de natureza pública e por tal motivo, necessária se mostra a atuação do Ministério Público como fiscal do ordenamento jurídico e de sua execução. Nesse sentido: “O Ministério Público tem interesse na interposição de recurso de apelação em face de sentença que, nos autos de ação de retificação de registro civil, julga procedente o pedido para determinar que seja acrescido ao final do nome do filho o sobrenome de seu genitor. Ainda que se trate de procedimento de jurisdição voluntária, os arts. 57 e 109 da Lei n. 6.015/1973, de forma expressa, dispõem sobre a necessidade de intervenção do MP nas ações que visem, respectivamente, à alteração do nome e à retificação do registro civil. A imposição legal referida, por sua vez, decorre do evidente interesse público envolvido, justificando a intervenção do MP no processo e o seu interesse recursal”.[12]
A Lei de Registros Públicos traz regramento detalhado sobre o nome civil, asseverando que o assento de nascimento deve conter, dentre outros dados importantíssimos para a segurança jurídica o nome e o prenome, que forem postos à criança, bem como os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e cartório onde se casaram, a idade da genitora, do registrando em anos completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do casal, os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos e os nomes e prenomes, a profissão e a residência das duas testemunhas do assento, quando se tratar de parto ocorrido sem assistência médica em residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde.
Com redação conferida pela Lei 13484/2017, a Lei de Registros Públicos recentemente sofreu alteração, para prever que: (a) as certidões de nascimento deverão mencionar a data em que foi feito o assento, a data, por extenso, do nascimento e, ainda, expressamente, a naturalidade; (b) os ofícios do registro civil das pessoas naturais são considerados ofícios da cidadania e estão autorizados a prestar outros serviços remunerados, na forma prevista em convênio, em credenciamento ou em matrícula com órgãos públicos e entidades interessadas; (c) o mencionado convênio independe de homologação e será firmado pela entidade de classe dos registradores civis de pessoas naturais de mesma abrangência territorial do órgão ou da entidade interessada; (d) o assento de nascimento deve indicar os nomes e prenomes, a profissão e a residência das duas testemunhas do assento, quando se tratar de parto ocorrido sem assistência médica em residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde; (e) o assento de nascimento deve indicar o número de identificação da Declaração de Nascido Vivo, com controle do dígito verificador, exceto na hipótese de registro tardio; e (f) o assento de nascimento deve indicar a naturalidade do registrando.
4. Registro Público e Fé Pública.
O registro público pode ser conceituado como um conjunto de serviços estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. O registro civil deve gerar segurança jurídica e, pois, retratar com fidedignidade a verdade dos fatos juridicamente relevantes. Consoante Vicente de Abreu Amadei, a “Fé pública notarial é "a qualidade própria que a intervenção notarial confere aos instrumentos expedidos no exercício regular dessa função" (Couture, 1954, p. 36). Fé pública notarial é, nas palavras de Bartolomé Fiorini, "fé legitimada", regrada pelo direito e distinta das outras que chamam públicas, porque enquanto essas outras são para documentação de atos públicos, aquela é para a documentação dos atos privados (Gattari, 1966, p. 303)”.[13]
Acertadamente decidiu o Superior Tribunal de Justiça que o “registro público é de extrema importância para as relações sociais. Aliás, o que motiva a existência de registros públicos é exatamente a necessidade de conferir aos terceiros a segurança jurídica quanto às relações neles refletidas” e que ainda que “a ação de retificação de registro civil se trate de um procedimento de jurisdição voluntária, em que não há lide, partes e formação da coisa julgada material, permitir sucessivas alterações nos registros públicos, de acordo com a conveniência das partes implica grave insegurança”.[14]