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A constitucionalidade procedimental do inquérito policial e seu controle pelo ministério público

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09/12/2004 às 00:00
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CONCLUSÃO

"É inerente à idéia de Estado de Direito Democrático um sistema de controle das atividades públicas, seja através da sociedade civil organizada, seja através do chamado controle externo, a ser realizado por órgãos estatais que gozem de alguma independência administrativa." [57]

É quase consensual que a crise no inquérito policial passa pela redefinição do papel do Ministério Público conferido pela Constituição de 1988.

Afirma Maurício José Nardini [58], promotor de justiça em Goiás que "lamentavelmente, essa relevante novidade constitucional vem sendo assimilada e digerida de maneira muito lenta."

Desde um ponto de vista técnico, deixando de lado interesses políticos e corporativistas, o controle externo da atividade policial e do próprio inquérito, por parte do Ministério Público, representa uma grande evolução no combate eficaz da criminalidade e também, na proteção dos direitos e garantias individuais. A polícia judiciária deve ser um imprescindível órgão técnico, a serviço da administração da justiça e não o titular absoluto do poder de investigar. Afinal, se é uma "polícia judiciária" é porque está a serviço deste poder.

Muito do que se fala contra o controle externo da atividade policial está contaminado pelo verbo autoritário e interesses puramente corporativistas, revelando um medo por qualquer forma de controle democrático em relação a um órgão que, mais que nenhum outro, deve ser estritamente controlado.

As vantagens da atuação do MP são patentes. A própria natureza da instrução preliminar, como atividade preparatória ao exercício da ação penal deve estar, necessariamente, a cargo do titular da ação penal. Por isso, deve ser uma atividade administrativa dirigida por e para o Ministério Público, sendo ilógico que o juiz (ou a polícia em descompasso com o MP) investigue para o promotor acusar. Em resumo, melhor acusa quem, por si mesmo, investiga ou, ao menos, comanda a investigação. [59]

Um exemplo de que a atuação do Ministério Público no controle da atividade policial torna o ordenamento mais eficaz, foi a realização das investigações do jogo do bicho, realizado pelo MP, em conjunto com a polícia que gerou a posterior prisão dos líderes do jogo do bicho.

Apesar da existência de uma legislação referente ao Controle do Inquérito Policial pelo MP. É preciso definir-se mais claramente como o Ministério Público exercerá tal controle. Faz-se necessário instruções gerais e específicas que regulamentem forma, o modo e a maneira de trabalho do MP em conjunto com a polícia para melhor condução do inquérito.

Caberá ao MP definir instrumentos para um controle periódico das notícias-crimes recebidas, estabelecendo os delitos – que por sua gravidade ou complexidade - devam ser imediatamente levados ao seu conhecimento, para que ab initio controle toda a investigação. Nestes delitos graves, a presença do promotor será imprescindível, e constante será a intervenção e o estrito controle da atividade policial. Nos demais casos, o promotor poderá definir uma espécie de procedimento padrão, estabelecendo que diligências devem ser realizadas e de que forma, assim como, aquelas que não poderão ser realizadas sem a sua presença.

No entanto, além de tudo que foi dito, é importante lembrar que o problema da crise do inquérito policial não será resolvido somente com uma modificação da autoridade encarregada. A construção de um modelo ideal deve partir de uma valoração estrutural da investigação preliminar, em toda a sua extensão. Por isso, tem igual importância a determinação do sujeito ativo, do objeto e da atividade a ser desenvolvida.

No que se refere ao objeto, a investigação preliminar deve ser sumária, limitada qualitativamente e também quantitativamente. O segredo externo deve ser regra geral, pois assegura o êxito da investigação e preserva o sujeito passivo da estigmatização social prévia ao processo penal. [60]

A problemática da modificação do sistema não passa apenas por uma necessidade de regulamentação legislativa. É necessário que a instituição da Polícia Judiciária amadureça e encare de frente a falência do inquérito policial, deixando de se prender à interesses meramente corporativistas e enfrentando as falhas existentes no sistema atual, assumindo que grande parte delas, é gerada pela Instituição da Polícia Judiciária enquanto instituição de prevenção e combate à criminalidade consumida pelo submundo em que está inserida.

A conscientização urge não só no âmbito da Instituição da Polícia Judiciária como também no âmbito da Instituição do Ministério Público, que muito tem criticado o inquérito policial e a sua eficácia, e muito tem falado e reivindicado sobre o seu efetivo controle da polícia judiciária em termos normativos, mas pouco tem realizado em termos práticos de utilização do que já tem conquistado em termos de espaço normativo, tendo em vista toda a autonomia legislativa, tanto pela dispensa do inquérito policial quanto pela atribuição que lhe é conferida de executar diligências necessárias à ação penal.

Frente às atribuições que são conferidas ao órgão do Ministério Público, não há necessidade do promotor continuar requerendo ao juiz que requisite diligências, podendo atuar diretamente, pois o mesmo poder de requisição que o juiz tem, o promotor também tem. Inclusive, no Rio de Janeiro há posicionamento de juizes que já se manifestaram indeferindo diligências requeridas pelo MP, tendo em vista a sua possibilidade de ação direta na colheita de provas, exceto, é claro, quanto as hipóteses acobertadas pelo sigilo. [61]

Certo que a atuação de tais juizes atingem o exagero quanto ao indeferimento de tais diligências, mas a essência da fundamentação é excelente no sentido de impulsionar a necessária mudança, tirando o Ministério Público da inércia em que se encontra; até porque se a contra-argumentação do MP se baseia no excesso de serviço que isso acarretaria para instituição, então inviável será o efetivo controle da polícia judiciária com base na mesma argumentação. Argumento por demais leviano capaz de entravar as mudanças necessárias. De qualquer forma tem-se valido o MP da reclamação ao tribunal para impugnar este ato do juiz, e o tribunal tem favorecido o MP, sob a argumentação de que a diligência somente poderá ser indeferida quando impertinente.

Assim, é que a alternativa de saída da crise do inquérito tem início primeiramente com a conscientização das instituições ora em debate, e do sistema jurídico como um todo, de que o Brasil está inserido num modelo de democracia, no qual faz parte o sistema acusatório, o sistema garantista.

Partindo-se desses princípios vislumbra-se a necessidade de haver um controle externo das instituições. O que defende-se, é o controle externo da atividade da polícia judiciária, pelo Ministério Público, no âmbito das investigações,.

Vale lembrar que o órgão julgador não se confunde com o órgão acusador. De modo que cabe ao MP, executar e interferir na investigação preliminar, devendo o juiz somente se manifestar quando da necessidade de alguma diligência de sua alçada.

As atividades de prevenção e controle da criminalidade e investigação devem ser realizados por organizações separadas ainda que pertencentes à uma mesma instituição. Bem como controle dessas atividades deve ser exercido pelo MP, mas por setores diversos, no sentido que o promotor que investiga e atua na fase de inquérito não pode ser o mesmo que participa da ação penal como seu titular.

Quanto à procedibilidade abrem-se dois caminhos que poderiam ser adotados: um prioriza a celeridade, o inquérito curto, rápido, contendo apenas o mínimo do mínimo necessário para a propositura da ação penal, onde a polícia realiza a colheita de provas indo ao local o mais rápido que puder para lá mesmo colher depoimentos, sem audiência na delegacia para oitiva das testemunhas que comparecem mediante requisição, tudo sem a formalidade que existe atualmente.

Outro caminho seria tornar o inquérito mais complexo, com um tempo maior para colheita de provas, permitindo-se na medida do possível o contraditório, visando aproveitá-lo para a fase processual.

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O projeto que prevê a alteração do CPP no âmbito da investigação preliminar, no que tange a procedibilidade ficou indefinido: o desejo é de um inquérito célere, mas a forma como previsto valoriza a complexidade.

A substituição do atual modelo por um outro, simplificado, desburocratizado e ágil, capaz de recolher, com celeridade e eficácia, os elementos necessários para a instauração do processo criminal, é uma imposição do momento histórico. Infelizmente, parece que isto está longe de acontecer.

De qualquer forma, não deve mais prevalecer o termo – inquérito policial – devendo ser adotada a denominação INVESTIGAÇÃO CRIMINAL porque a titularidade da atribuição investigatória não é exclusiva da polícia.


NOTAS

1 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 1 v. 17 p.

2 GOMES, Luiz Flávio. RT Mini Códigos: Código Penal Código de Processo Penal Constituição Federal. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 73 p.

3 ibid., p. 68.

4 ibid., p. 342.

5 Cf. Comunicação pessoal ao autor em 4 fev. 2003, no Curso Ênfase. Rio de Janeiro.

6 GOMES, op. cit., p. 348.

7 ibid., p. 344.

8 ibid., p. 342.

9 ibid.

10 ibid., p. 344.

11 Cf. Comunicação pessoal ao autor em 4 fev. 2003, no Curso Ênfase. Rio de Janeiro.

12 GOMES, op. cit., P. 344

13 MONTEIRO, Mariana. A Problemática da Remessa de Inquéritos Policiais às Centrais de inquérito do Ministério Público. Disponível em: http://www.amperj.org.br/port/remebody.htm. Acesso em: 10 abril 2003.

14 Comunicação pessoal ao autor em 4 abril 2003, no Curso Master. Rio de Janeiro.

15 ibid.

16 GOMES, op.cit., p. 345.

17 MASTER, op. cit.

18 GOMES, op.cit., p. 345.

19 MASTER, op. cit.

20 ibid., p. 343.

21 ibid.

22 ÊNFASE, op. cit.

23 GOMES, op. cit., p. 344.

24 ibid., p. 348.

25 ibid., p. 346.

26 ÊNFASE, op. cit.

27 GOMES, op. cit., p. 798.

28 RIO DE JANEIRO. Lei Complementar nº 28, de 21 de maio de 1982. Dispõe sobre a organização do Ministério Público Estadual junto ao poder judiciário,[...]. Diário Oficial [do] Estado do Rio de Janeiro, Niterói, v.17, n.140, p.1, 24 maio 1981. pt.1.

29 MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2000. 44 p.

30 ibid., p. 47.

31 ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Anotado. 5ª ed. Rio de Janeiro: 8 Tomos, 1976.

32 LIMA, Roberto Kant de. Cultura Jurídica e Práticas Sociais: a tradição inquisitorial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 4, n. 10, p.65-84, jun. 1989.

33 ibid.

34 ibid.

*

Para uma análise comparativa do inquérito policial ver: LOPES JUNIOR, Aury Lopes. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.

35 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 23.

36 ROMEO, Christiane Itabaiana Martins. Qual o Papel do Promotor? ministério público e as centrais de inquérito no rio de janeiro. Rio de Janeiro, 1998. 120 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.

37 PROJETO DE SEGURANÇA PÚBLICA. São Paulo: Instituto de Cidadania, 2001. 110 p. Número especial.

38 CPP, Exposição de Motivos. In: RT Código de Processo Penal. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002.

39 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 253.

40 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2001. 30 p.

41 GOMES, op. cit. p. 68.

42 JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 325.

43 ibid., p.329.

44 ROMEO, op. cit.

45 ibid.

46 GOMES, op. cit., p. 687.

47 DECOMAIN, Pedro Roberto. Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. Santa Catarina: Obra jurídica, 1995. p. 204.

48 ibid., p. 687.

49 RIO DE JANEIRO. Lei Complementar nº 28, de 21 de maio de 1982. Dispõe sobre a organização do Ministério Público Estadual junto ao poder judiciário,[...]. Diário Oficial [do] Estado do Rio de Janeiro, Niterói, v.17, n.140, p.1, 24 maio 1981. pt.1.

50 MOREIRA, Rômulo de Andrade. Ministério Público e poder investigatório criminal. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 42, jun. 2000. Disponível em: jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=1055>. Acesso em: 28 mar. 2003.

51 ibid.

52

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Anotado. 1 v. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 16.

53

DJU, 08/06/92, p. 8.594.

54

STF, Habeas Corpus, 70.991-5, Rel. Min. Moreira Alves.

55 RT, 651/313.

56 ibid.

57 JARDIM, op. cit., p. 333.

58 NARDINI, Maurício José. Investigação Criminal Presidida por Promotor de Justiça: admissível, possível e legal. Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 20, out. 1997. Disponível em: http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=1053. Acesso em: 28 mar. 2003.

59 LOPES JÚNIOR, Aury Celso Lima. A crise do inquérito policial e a investigação controlada pelo Ministério Público. In: Âmbito Jurídico, ago/2000 [Internet] http://www.ambito-juridico.com.br/aj/cron0054.htm Acesso em 28 mar. 2003.

60 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. 333 p.

61 Aula de processo penal em 01 abril 2003, no Curso Ênfase. Rio de Janeiro.

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Sobre a autora
Inessa Franco Ferreira

Advogada em Niterói/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Inessa Franco. A constitucionalidade procedimental do inquérito policial e seu controle pelo ministério público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 520, 9 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5995. Acesso em: 26 dez. 2024.

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