O PROCEDIMENTO DE SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA INVERSA E A USUCAPIÃO

Estratégia Processual e Instrumentalização do Direito

22/08/2017 às 16:28
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A utilização do procedimento de jurisdição voluntária previso no art. 198 da Lei 6.015/73 para registrar demanda de usucapião que restou improcedente pela via ordinária.

O PROCEDIMENTO DE SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA INVERSA E A USUCAPIÃO

A Suscitação de Dúvida é instrumento subutilizado e pouco conhecido, eficaz para efetivação registral de direito de propriedade com pendências de outorga mas documentação complementar suficiente.

Compartilho o resultado de uma demanda que tomou mais de doze anos de trabalho até a efetiva entrega do direito pretendido, que era o registro de propriedade de um imóvel adquirido através de contrato verbal de compra e venda entre pai e filho.

A análise jurídica exige conheçamos detalhes fáticos para contextualizar a demanda e avaliar o mecanismo jurídico posto ao exame.

Fui procurado no início dos anos 2000 por uma senhora já idosa, que pretendia registrar a casa em que morava há mais de quarenta anos. Esta casa estava registrada em nome do antigo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários, de Porto Alegre. Havia também a averbação de uma promessa de compra e venda do IAPI ao falecido sogro da minha cliente. Ainda na década de 1960 o sogro vendeu ao filho o imóvel. O filho era o esposo, já falecido, da minha cliente. Nada disso restou pactuado de forma escrita, mas era do conhecimento de toda a família.

Inicialmente buscamos a via da Usucapião para que fosse declarada a propriedade da minha cliente, seguindo procedimento já exitoso em demandas similares contra o mesmo IAPI. Paralelamente encontrava-se em andamento o Inventário do sogro, cujo imóvel da minha cliente era parte integrante. Na Usucapião, passados vários anos, já com parecer do parquet de procedência da demanda, retornou ofício do INSS dizendo-se interessado na causa (a título de curiosidade, o Juízo aguardou por vários anos o retorno deste ofício). Diante do interesse do órgão federal, o processo foi remetido à Justiça Federal. Neste interim fizemos acordo nos autos do Inventário para retirar da herança o imóvel em questão.

Pois a Usucapião restou improcedente, com sentença confirmada em segundo grau, em razão da norma constitucional de impossibilidade da usucapião de bens públicos. Há diversos outros complicadores aqui omitidos pois, embora com certa relevância fática, não alteram o debate jurídico proposto.

Diante disso, frustrada a via comum de regularização, passamos a estudar todas as possibilidade jurídicas restantes e pouco se vislumbrava. Estando o Inventário do sogro (promitente comprador) ainda em curso, requeremos ao Juízo expedisse alvará de transferência do imóvel para o nome da minha cliente, o que foi aceito e efetivado. Com este alvará providenciamos uma Escritura Pública que foi aceita pelo INSS e lavrada. Ocorre que o Registro de Imóveis em questão não aceitou registrá-la exarando Impugnação Devolutiva sob o seguinte fundamento: “Tendo em vista a documentação apresentada (alvará de autorização) constata-se que a outorgada compradora foi autorizada a receber a escritura pública definitiva de imóvel pertencente ao espólio. Todavia a escritura pública nº ... traz como outorgante vendedor o INSS e não o espólio, conforme alvará. Note-se que o objeto do negócio jurídico entre o espólio e a requerente deve ser a cessão de direitos e ações relativos à promessa de compra e venda inscrita sob o nº..., para posteriormente a requerente receber do INSS a propriedade plena do imóvel através de escritura pública. Com isso, nos termos do princípio da continuidade registral (arts. 237 da Lei 6.015/73 e 315, V, da CNNR do RGS) deverá ser apresentada escritura pública onde o espólio cedem à requerente os direitos e ações do respectivo imóvel”.

É inegável que o instrumento adequado para a produção de efeito jurídico pretendido haveria de ser a Cessão de Direitos do espólio a minha cliente. Acontece que o imóvel já havia sido excluído do inventário por força de acordo firmado nos autos, que repercutiu em renúncias e num novo desenho de plano de partilha, já homologado e registrado. Seria muito difícil incluir-se novamente na partilha um imóvel expressamente excluído por ser (declaradamente) exclusivo da minha cliente.

Posto o problema, surge a Suscitação de Dúvida Registral como instrumento de resolução.

O art. 198 da Lei 6.015/73 confere ao interessado o direito de insurgir-se contra negativa do Oficial de registro ou averbação. Esta insurgência é a Suscitação de Dúvida (Inversa), um procedimento administrativo de jurisdição voluntária, normalmente subordinado à Vara de Registro Público, que dá ao Juízo ampla competência declaratória. Contudo, o procedimento não autoriza a dilação probatória (conforme Luiz Antônio Scavone Junior, in Direito Imobiliário – Teoria e Prática, Ed. Forense, 7ª ed., pag. 26), sendo indispensável que o objeto da demanda esteja plenamente demonstrado com a prova documental acostada aos autos.

No caso em tela, fora plenamente demonstrada a posse vintenária, a desistência dos demais herdeiros, a existência de escritura pública de compra e venda em favor da requerente baseada em alvará e a concordância de todos os envolvidos, não restado ao Juízo dúvidas em deferir o pedido de registro. Houve um planejamento estratégico que resultou na outorga da Escritura Pública, o que poderia ser feito (em tese) com a averbação de um Instrumento Particular, passou pela elaboração do acordo judicial e da expedição do alvará. Essas construções instrumentais levaram mais de cinco anos para se formarem.

Saindo deste caso específico, verifica-se que o procedimento de Suscitação de Dúvida é instrumento útil para a resolução de demandas registrais com prova documental suficiente, que disponham de instrumento público ou privado capaz de ser levado ao registro. Não se trata de substituto da via ordinária, mas de instrumento excepcional e pouco tratado, que pode resolver parte das demandas que travam diante outorgas pendentes.

Alexander Soares Luvizetto, advogado.

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Sobre o autor
Alexander Soares Luvizetto

Advogado formado em 1996 pela UniRitter, pós-graduado em Direito Tributário pela FGV e em Direito Civil e Processo Civil pelo IDC. Especialista em Direito do Seguro.

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