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Apropriação indébita e distrato nos contratos de aquisição de imóveis na planta

25/08/2017 às 18:19
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Os valores empregados durante a obra de fato estão em posse da construtora, mas não são da construtora até que se conclua a obra e transfira a propriedade do imóvel. Na hipótese de distrato, a construtora deveria de pronto devolver os valores a ela entregues, sendo desnecessária imposição de uma ordem judicial. Não o fazendo, a construtora apropriou-se de coisa alheia móvel, como bem descreve o artigo 168, do CP.

Inicio essa conjectura com a célebre marcha dialética em que visiona de forma latente a necessidade da constante evolução do direito, em modificar, adequar ao meio, deixando a ideia estática da escrita.

Essa indagação se fez necessário para trazer a lume a motivação que impinge a modificação, pois não tratamos aqui de matéria exata, o pensamento de hoje pode ser vivido por certo período na história, passando a não ser mais aceito noutro, isso se dá em razão da interpretação e, nesse sentido segue alicerçando a jurisprudência e doutrina, vez que dum mesmo texto de lei se extrai interpretações diversas e podendo ainda modificar com o tempo uma interpretação pacificada há tempos.

De tal modo, permite-se alterar o curso de um processo, chegando a conclusão diversa daquela anteriormente estabelecida, observando-se o mesmo texto legal, contudo, continuou atingindo sua finalidade de acordo com a atual interpretação, corroborando assim na quebra do entendimento posto, possibilitando o novo.

Nessa mesma linha, venho trazer à baila o crime de apropriação indébita, sem afetar a interpretação restritiva dos tipos penais, objetivando-se a aplicação da norma penal, sem, contudo, ampliar sua abrangência, tão somente,  dando outro ângulo de enfoque à subsunção da norma, por peculiaridades que se revestem de caráter cível, mas em verdade resultam no fato típico.

Notadamente, vem sendo praticado por grandes empresas que se escondem atrás de um contrato, indicando um ilícito civil, quando em verdade incide na prática do crime mencionado; o nosso ordenamento de certo modo é protetivo ao consumidor até certo ponto, mas o ordenamento jurídico também elencam inúmeras possibilidades ao empresariado de se safar, limitando a imputação a personalidade jurídica, como uma couraça, confortando o empresariado mal intencionado, por óbvio, essa regra detém exceções, mas não é o objeto de discussão por ora, mas sim, a tese do cabimento do crime de apropriação indébita no contexto em que se segue:

Trazendo o enfoque para uma questão contemporânea, a compra de imóvel na planta, prática comum na esfera imobiliária com respaldo no ordenamento jurídico e de ampla aceitação, por vez, considerando o lucro no capitalista moeda corrente,  em um país que a honestidade vem em segundo plano, somando-se a voracidade do empresariado, resultando em mecanismos hábeis a extremar o ganho em detrimento das dificuldades criadas aos adquirentes originários, sendo estes aqueles ao iniciar o empreendimento assumiram o risco junto com a cosntrutora.

Embora se tenha a proteção da legislação consumerista (CDC) como já dito, assim como pela civilista (CC), o promitente comprador ao assinar o contrato tem a falsa ideia de beneficiar-se pelo preço tabelado do imóvel novo, comparando ao praticado em mercado e, considerando tal benesse disponibiliza valores durante o prazo de obras, vizando a amortização valor, até a entrega das chaves e após enfrentará um financiamento se necessário, todavia, as correções das tabelas acabam por engolir a iniciativa de amortização, vez que os valores dispendidos não são corrigidos de igual modo, esse período de obras pode durar em média de dois a três anos ou mais a depender do contrato, ressalvando ainda a absurda permissão legal de atraso na obra por mais 180 dias, sem qualquer &o circ;nus à construtora.

Não bastando a imoral condição imposta ao consumidor, ao final da obra se depreende outra realidade, pois em razão dos elevados preços praticados resultante do inflamento do mercado imobiliário, em determinado período, a voracidade capitalista aplica outra tática, o descarte do promitente comprador que mensalmente contribuiu para o desfecho do empreendimento, tendo em vista a possibilidade de um melhor negócio com o empreendimento concluído, pois ao invés de vender pelo preço inicialmente pactuado, após inumeras correções, o imóvel acaba por não interessar ao promitente comprador inicial, vez que seu valor estará igual ao de mercado, permitindo assim, escolher outro mais próximo de onde já mora, ou mesmo não interessará pelos valores que terá que suportar quando do financiam ento bancário, ficando a mercê da construtora para reaver os valores empregados durante a obra, ou seja, por sua vez não tem o apartamento nem o dinheiro que duramente batalhou para acumular.

Tendo em vista que o mercado imobiliário estava superaquecido, a valorização daquela unidade por si só não precisava de grandes esforços, a construtora que não mantinha a seriedade de praxe, criava entraves objetivando a quebra de contrato pelo pretendente, tais como o atraso na entrega do imóvel de forma propositada para uma maior valorisação, de modo que imprimia esse rítimo negocial, substituindo-se o comprador por um novo, que pagará o preço cheio após devolução da unidade pelo distrato e, a devolução dos valores empregados durante a obra, com abatimento pelas sanções contratuais, quando em verdade não passou de uma manobra comercial desonrosa.

Nessa esteira, o “modus operandi” é evidente, em poucas palavras , a construtora posterga o término da obra de forma propositada, acarretando correções de tabela mesmo quando indevida, supervalorizando o imóvel e com isso tornando inviável a compra por quem enveredou nessa empreitada desde o início, pois os valores dispendidos para essel fim, com a correção da tabela e eventual financiamento, praticamente como se nada tivesse antecipado, de tal modo, que a correção de tabela permite uma venda mais robusta, com maior ganho, possibilitando a devolução dos valores com os encargos contratuais em desfavor do promitente comprador, um excelente negócio para a vendedora.

Por fim, havendo discordância dos valores e forma de pagamento propostos pela construtora, nada é pago, os valores são retidos sem justificativas aparentes, obrigando ao promitente comprador socorrer-se no judiciário para reaver o montante que é seu por direito, ou seja, a construtora sem pudor retém os valores que estão sob sua guarda de modo intencional, mantendo-se inerte, possivelmente utilizando-se de tais valores em proveito próprio, quando deveria consignar em mora o promitente comprador, depositando o valor que entendia por correto.

Mas se a construtora não honrar tal tratativa, simplesmente não devolve os valores, em desobediência a previsão contratual ou regra legal, muito rapidamente, tenderão pelo ilícito civil!

 “Segundo Maria Helena Diniz, A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.”

É uma verdade, mas como dito inicialmente, ouso acrescentar que além da quebra contratual, em alguns casos ocorrem apropriação indébita, pois como regra, a jurisprudência paulista tem se firmado pela devolução do valor parcial quando por quebra contratual com culpa do promitente comprador ou integral quando por culpa da construtora, mas em ambos os casos, determina-se a devolução em parcela única e de imediato.

Pois bem, o crime de apropriação indébita tem previsão no artigo 168, do Código Penal, “in verbis”:

 “Apropriação indébita

Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Aumento de pena

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:

I - em depósito necessário;

II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;

III - em razão de ofício, emprego ou profissão.”

Sendo assim, como regra quem compra um imóvel tem por finalidade sua aquisição com o exercício da propriedade, mas como bem sabemos a propriedade de bem imóvel se dá com o registro no respectivo órgão responsável (art. 1.245, do CC), ou seja, o material que trabalhamos durante a construção do empreendimento se traduz em promessa e expectativa, amparados pelo direito contratural, todavia, acrescentando-se os valores que a meu ver são dados à construtora com o fito de amortizar o montante do débito vindouro no cumprimento da promessa contratual.

Deste modo, considerando o disposto no artigo penal acima, considerando a pecúnia como fungível ao observar o artigo 85, do CC/02, verbis:

 “Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.”

Ainda nesta linha, segue a citação do ilustre professor Flávio Tartuce, no site Jusbrasil, descreve sobre o que é bem e coisa:

“Caio Mário da Silva Pereira, por exemplo, dizia que: "Bem é tudo que nos agrada" e diferenciava: "Os bens, especifi-camente considerados, distinguem-se das coisas, em razão da materialidade destas: as coi-sas são materiais e concretas, en-quanto que se reserva para designar imateriais ou abstratos o nome bens em sentido estrito". Para esse doutrinador, os bens seriam gênero e as coisas espécies.

Para Silvio Rodrigues, coisa seria gênero, e bem seria espécie. Para ele, "coisa é tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem". “Os bens são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico.”

(Flávio Tartuce – Direito Civil).

Concluindo assim, que os valores empregados na obra da construtora é bem “móvel e fungível”, podendo também interpretar-se por coisa móvel e, deste modo atendendo a literalidade do tipo penal.

Se considerarmos que os valores empregados durante a obra de fato estão em posse da construtora, mas não são da construtora até que se conclua a obra e transfira a propriedade do imóvel, de modo que, os valores não integrando seu patrimônio e, na hipótese de distrato, a construtora deveria de pronto devolver os valores a ela entregues, com ou sem imposição de penalidades, sendo desnecessária imposição de uma ordem judicial.

Na ocorrência de discordância dos valores, a construtora deveria depositar em conta própria e consignar o promitente comprador em mora, não o fazendo, permanecem sob sua guarda tais valores, subsistindo sua responsabilidade sobre eles até a devolução e, uma vez que não houve o adimplemento contratual, os valores que foram entregues a construtora no meu entender, não integram seu patrimônio, mas estão sob sua guarda e responsabilidade. E não sendo um contrato de empréstimo bancário, cujo objeto é pecúnia, no caso em tela, tem-se por objeto a contratação de uma compra futura, perfazendo uma promessa de entrega do bem mediante o pagamento do valor estipulado, mas se há quebra nessa relação contratual, aquela unidade não integra o patrimônio do promitente comprador e em igual racio cínio, os valores empregados também não integram o patrimônio da construtora.

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A contrário senso, os valores não garantem ao promitente comprador uma fração ideal da unidade pretendida, vez que a obra pode nem chegar a concluir-se e se chegar, o promitente comprador não teria mecanismo hábil para registrar em matrícula tal constrição, talvez, ressalvando-se a hipótese de uma ordem judicial para retenção, sem passar de mera conjectura e isso é, se na unidade a construtora não lograr nova venda em curto prazo, acrescendo-se a figura do terceiro de boa fé.

Diante dessa realidade, convencidos da retenção dos valores pela construtora, possibilitando antever preenchidos os requisitos do tipo penal, ou seja, a construtora apropriou-se de coisa alheia móvel, como bem descreve o artigo 168, do CP.

O ponto crucial será identificar o dolo na conduta, diante das restrições interpretativas da legislação penal e, no que tange ao assenhoramento daqueles valores, pela ausência de depósito ou meio que demonstre a intenção de devolução dos valores (teoria do risco - Roxin), pois verifica-se a ação, como se dono fosse, saindo da esfera de posse justa.

Neste caso, qual será o momento consumativo, no meu entender, dentro daquilo que é razoável, 5 (cinco) dias após o distrato, teria o dever de devolver os valores, total ou parcial, dando azo à boa fé, neste diapasão segue a Súmula 543 do STJ, determina a imediata restituição.

Súmula 543 - Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. (Súmula 543, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015)

 Ainda, ao meu entender, teríamos o exaurimento do crime se por ventura a construtora entrasse em regime de recuperação judicial ou tivesse sua falência decretada, colocando uma pá de cal no tema, demonstrando que não fora diligente com o dinheiro alheio, consumando a não devolução dos valores, vez que por regra, serão indevidamente preteridos aos créditos que antecedem ao quirografários, por falta de previsão legal, esses valores serão empregados no pagamento de outros créditos, pois estranhamente teremos a figura de um terceiro pagando os créditos de outro terceiro, figurando como intermediária a construtora.  

Por fim, em se tratando de Pessoa Jurídica, pessoa fictícia, na qual pessoas físicas imprimem suas atividades, ressaltando as hipóteses ambientais, os seus dirigentes devem responder criminalmente pelos atos praticados, rasgando-se a couraça da personalidade jurídica para imputar diretamente aos seus representantes legais o dissabor da norma penal.

Conclui-se pela prática do crime de apropriação indébita pelos dirigentes da Pessoa Jurídica que na hipótese de distrato, não devolver ou não depositar os valores integrais ou parciais que receberam durante a obra, pois estes valores não integram o patrimônio da empresa, tendo em vista a quebra do contrato.

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Sobre o autor
Edson Rufino

Sou formado pela USF/SP, pós pela Salesiana em direito público, também cursei LFG, FMB, Damásio dentre outros cursos. Gosto do direito, gosto dos desafios que proporciona, sobretudo gosto de questionar o que está posto, buscar e antever aquilo que as demais pessoas ainda não enxergaram.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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