Diz a Constituição Federal em seu art. 5º. , inciso LXVII que "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel".
A palavra depositário é originária do vocábulo latim "deponere" e designa pessoa a quem se entrega ou a quem se confia alguma coisa, em depósito.
Há três vertentes para a origem de sua figura. a) do contrato, previsto no Código Civil (arts. 1265 e segs); b) da lei, como no caso do depósito necessário previsto nos arts. 1282, I e II da Lei Civil ou mesmo o do Decreto 911/67, em relação à alienação fiduciária, objeto estranho ao presente trabalho e c) de ato judicial, quando o depositário assume um encargo que lhe é deferido pelo Poder Judiciário, responsabilizando-se, como longa manus da Justiça, a guardar o bem até que, por ordem judicial, lhe seja solicitado. Por sua vez essa figura aparecerá ou na ação de depósito, prevista nos arts. 901 e segs do CPC ou prevista no processo de execução.
Pelo contrato, o depositário assume a obrigação de conservar a coisa com a devida diligência, para o que será reembolsado das despesas necessárias tidas, quando lhe exigido. A não observância ao pedido implica em ato de infidelidade.
O depositário judicial é a designação dada ao servidor, a que se atribui o encargo de ter sob custódia todos os valores ou coisas consignadas ou depositadas em juízo, seja em virtude de depósito judicial, penhora, consignação em pagamento ou arrecadação.
A prisão civil, é bom que seja observado, não é pena, como prevista no Direito Penal, mas um meio de coerção para compelir alguém que se colocou na posição de depositário infiel a cumprir o compromisso assumido com o auxiliar da justiça. É por isso que não está sujeito às regras de extinção ou cumprimento de pena, preceituado no Código Penal.
Devido ao tema desse trabalho, só procuraremos discutir a figura do depositário infiel no processo de execução.
Não há para essa figura bem como sua natureza jurídica uniformidade de conceituação na doutrina, pois há os que entende que essa figura é uma longa manus do órgão do judiciário, o qual se encarregaria de relevante serviço público, como "auxiliar da justiça". Não se tratando de vínculo convencional como o do contrato civil de depósito, mas que, as funções do depositário são de direito público. Assim, qualquer que seja o depositário, sua posse será sempre em nome do órgão judicial, pois os bens, passam a sofrer uma gestão pública.; outros como um contrato de direito público entre o Estado e o depositário; e aqueles que é um negócio jurídico entre o Estado e o depositário, sendo que o último obtém, em seguida, a apreensão da coisa de sua posse.
O depositário tem por obrigação legal guardar e conservar o bem penhorado e no desempenho natural desta atividade, deverá empregar o maior dos zelos. Ele não possui disponibilidade jurídica da coisa, pois o domínio pertence ao executado, assim, deve sempre aguardar as determinações do Juízo. Mesmo que ele seja o próprio devedor, a guarda dos bens será feita não mais como proprietário dos mesmos, mas sim com o encargo de depositário.
No direito português o depositário (art. 843 do C.P.C. português) deverá administrar os bens com a diligência e zelo de um bom pai de família e com a obrigação de prestar contas. Se não houver acordo entre executado e exeqüente, o juiz decidirá após a oitiva do depositário.
A penhora se aperfeiçoa mediante apreensão e depósito de bens do devedor (art. 664), pois com seu aperfeiçoamento há a retirada dos bens da posse direta do devedor, de maneira que o depósito se apresenta como elemento essencial do ato executivo. Penhora sem depósito não produz eficácia alguma, ou, como ensina Pontes de Miranda, "se houve a penhora e o depositário não assinou o auto de penhora, penhora não houve"".
Nem sempre a figura do depositário é a mesma do devedor. O código processual permite, que em casos de recusa, possam figurar como depositário, instituições financeiras, até mesmo privadas; depositário judicial (provavelmente um funcionário público) ou mesmo qualquer pessoa particular estranha à dívida.
O depósito judicial não pode ser imposto a determinada pessoa sem que esta aceite livremente o encargo, exatamente, pelos efeitos que poderá produzir, por ser indelegável e personalíssima.Corroborando este entendimento, o Supremo Tribunal Federal, vem se manifestando, que a prisão é possível, desde que o devedor tenha assumido o encargo, assinando o auto de penhora (HC nº. 65.302-SC, decisão de 26.2.88, Rel. Néri da Silveira, RTJ 125/1046, R. Esp. nº. 8.210-MG, 3ª. Turma, dec. 18.9.91, Rel. Min. Cláudio Santos, RJSTJ 4(29)/397).
Concordamos que se não houver concordância expressa do depositário não há legitimamente o depósito judicial, e, por isso, será incabível o decreto de prisão, mesmo que o detentor do bens o tenha dilapidado. Não há relação obrigacional que reflita um efeito tão intenso, quanto à perda da liberdade. Esse é um múnus que não pode ser imposto, nem mesmo por um magistrado. É por isso que o Código prevê que o magistrado pode escolher outras figuras, até mesmo do credor.
Se o executado for nomeado como depositário, haverá uma relação jurídica autônoma, passando a desempenhar, simultaneamente, os inconfundíveis papéis de sujeito da relação processual executiva e de depositário dos bens sujeitos à técnica expropriatória. Mais que um vínculo exclusivo do processo, o depósito configura negócio jurídico entre o Estado e o depositário, sendo que o último obtém, em seguida à apreensão da res pignorata, posse imediata da coisa". Mas o mesmo não acontece quando um terceiro for nomeado.
O direito à liberdade tem tutela constitucional e, portanto a sua agressão só poderá acontecer por exceção, após um amplo procedimento legal previsto, onde se observou princípios consagrados, como do devido processo legal, juízo natural, princípio da inocência, inafastabilidade do controle jurisdicional, motivação das decisões e tantos outros.
Assim, parece ferir o princípio da igualdade, o legislador permitir que, quando terceiros assumirem o encargo de depositário passem a perceber remuneração por esta atividade e que o mesmo não seja permitido ao depositário-devedor.
Muitas vezes o depositário infiel não é o devedor da obrigação e nada tem a ver com ela . Se o devedor for o próprio depositário e houver o desaparecimento ou danificação da coisa depositada, poderá o devedor-executado ver decretada a sua prisão civil, não pelo motivo de ser devedor, mas sim, pela configuração da situação de depositário infiel. Pode até acontecer de o depositário ser até o credor, que se for inadimplente, poderá ter sua prisão decretada.
A prisão do depositário infiel está previsto no texto constitucional, mas a partir do Decreto Presidencial 592/92, de 6.7.1992, passou a integrar em nosso sistema jurídico o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos que, em seu art. 11, dispõe: Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir uma obrigação contratual. Em 09.11.92, através do Decreto 678/92, também passou a integrar "Pacto de São José da Costa Rica" que, em seu art. 7, § 7º., determina que ninguém deve ser detido por dívidas. Esse princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competentes expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.
Realmente, a única prisão civil ainda existente no ordenamento jurídico brasileiro é a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia, pois a do depositário infiel não pode ser comparada com prisão por dívidas, mas, sim, prisão por descumprimento de obrigação por ele assumida. Portanto, obrigação de fazer.
Não há que se pensar, ainda, que em caso de conflito entre tratados e convenções internacionais e as leis infraconstitucionais, haverá prevalência do tratado, pois, se deve aplicar o princípio de que lei posterior derroga lei anterior, aliado ao fato que os tratados internacionais entram no ordenamento jurídico equiparados à lei ordinária, jamais podendo alterar o texto constitucional.
Surge a pergunta: o depositário infiel aqui tratado é devedor contratual ou é devedor por dívidas. O melhor entendimento é que não é nem um e nem outro, mas sim, que a constituição prevê medidas coercitivas para compelir o depositário (devedor ou não) a restabelecer a garantia do processo de execução, defraudada por ato atentatório à dignidade da justiça.
Tratando-se de uma prisão, não por dívidas (pois esta subsiste, mesmo cumprido todo o prazo máximo da medida coercitiva) a pergunta a ser feita é, deve o depositário ser apenas intimado, e daí instaura-se o contraditório, ou devido a sanção, deve-se citá-lo com possibilidade de um contraditório mais amplo, ou ainda, deve-se interpor ação de depósito, prevista nos arts. 901 e segts do CPC?.
Theodoro Júnior muito embora reconheça que há acórdãos do STF, admitindo a prisão civil do depositário por despacho, não concorda com tal posição, devido ao caráter hierárquico, já que para ele, o depositário se acha no exercício de uma função pública, sujeito, portanto, a cumprir, sempre, as ordens e comandos do primeiro, portanto, só poderá ter sua prisão decretada legalmente após a utilização do instrumento da ação de depósito.
Esse posicionamento não pode ser aceito, bastando a intimação do depositário, desde que lhe seja assegurada o direito à prova, portanto, um contraditório de forma ampliada.
O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula n 619, que diz: "a prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito".
Talvez, para evitar o tumulto processual, fosse de bom alvitre, principalmente onde houvesse outros bens penhorados, que fossem juntados por linha, ou se formasse um incidente em separado, de modo que, se pudesse promover a venda dos bens que foram encontrados e, paralelamente, se abrisse o contraditório para a apuração das provas.
Se houver o decurso do prazo estipulado pelo juiz, prazo esse preclusivo, o juiz decreta a prisão, nunca superior a um ano, mas sempre depois de garantir ao depositário ampla defesa e um amplo contraditório, pois, a liberdade tem tutela constitucional.
O ordenamento jurídico português não permite que, em regra, o devedor-executado seja o depositário do bem. O art. 839 do C.P.C. português é expresso ao afirmar que, só com a anuência expressa do exeqüente pode ser nomeado depositário o executado, o seu cônjuge ou algum seu parente ou afim, na linha reta ou no segundo grau na linha colateral.