Capa da publicação FUNDEF: concretização da educação pela transferência intergovernamental
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A concretização do direito à educação através de transferência constitucional intergovernamental.

O caso do FUNDEF

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho procura esclarecer como o Direito à Educação, previsto na Carta da República e no Estatuto da Criança e do Adolescente é concretizado através do FUNDEF.

A eficiência do FUNDEF para o Direito à Educação, será aqui analisada em diferentes pontos. O primeiro refere-se à composição do FUNDEF, de onde vêem os recursos e para onde vão. O segundo abrange a questão econômica, a eficácia do fundo como receita vinculada. O terceiro versa sobre como FUNDEF age nas redes estaduais e municipais de ensino. E o quarto, esclarece os efeitos fiscais do FUNDEF no Tesouro Estadual.

Por fim, chega-se a diversas conclusões que convergem para uma conclusão geral, atestando o papel do FUNDEF dentro da Educação.


2. EXPOSIÇÃO

Muito se fala sobre o direito da criança e do adolescente e o acesso às escolas. Pouco se comenta acerca de como são mantidas as escolas e toda a estrutura educacional. É possível explicar a concretização do direito à educação através de números, dados estatísticos e planilhas de investimentos, mostrando que o federalismo fiscal possui mecanismos de apoio a diversos segmentos da administração pública, pois é capaz de convergir recursos e forçar suas aplicações pelos governos locais.

A qualidade do ensino depende de investimentos maciços, pois trata-se de um setor extremamente caro. Apesar de estar elencado como prioridade nacional, parcos são os investimentos na educação, uma vez que, não trazem resultados eleitorais. Por isso, faz-se necessária uma análise do FUNDEF, um programa criado para melhorar a educação fundamental através de fundo financeiro onde o governo federal dita as normas e os governos locais as executam.

Dessa forma é possível traçar um mapa da educação no estado, mostrando onde estão os recursos, como são utilizados e quais os resultados pragmáticos.


3. O QUE É O FUNDEF

Do ponto de vista legal, O FUNDEF é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, criado em 1996 pela Emenda Constitucional nº 14, do mesmo ano e pela lei 9.424 também de 1996, só passando a vigorar a partir de 1º de janeiro de 1998.

Segundo a nova redação do art. 211 da Carta Magna (dada pela Emenda 14), dispõe em seu § 1º: "A União organizará o sistema federal de ensino e dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. ".

A EC14/96 também modificou o art. 60 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, estabelecendo normas sobre o FUNDEF, como composição e aplicação de recursos.

Acontece que, do ponto de vista fiscal, o FUNDEF é uma Transferência Constitucional Intergovernamental – TCI. É constitucional porque é criada por emenda constitucional e é intergovernamental porque se dá entre as esferas de governo. Uma TCI é oriunda de um conjunto de recursos desviados de outras fontes de financiamento.

3.1. A COMPOSIÇÃO DO FUNDEF

O FUNDEF é formado por 15% do:

a) Fundo de Participação dos Estados (FPE);

b) Fundo de Participação dos Municípios (FPM);

c) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, incluindo os recursos relativos à desoneração de exportações, de que trata a Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir);

d) Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPI-exp).

O gráfico abaixo mostra a composição do FUNDEF (BRASIL) através dos recursos das diversas fontes que o compõem.

Gráfico 1

3.2 A EFICÁCIA DO FUNDEF COMO RECEITA VINCULADA

Como receita vinculada, o FUNDEF é eficaz. Trata-se de um acordo cooperativo entre os membros da federação (União, Estados e Municípios), onde cada ente fica obrigado a fazer uma despesa que individualmente não lhe convém, mas que coletivamente beneficia a federação. Não convém porque os gastos com educação são altos e não trazem resultados eleitorais. Além do mais, podem não ajudar muito nas estatísticas de Índice de Condição de Vida – ICV do estado, uma vez que, aqueles alunos beneficiados em um estado, podem se mudar para outro.

Os membros da federação se reúnem e decidem em que vão gastar e como vão gastar, não observando as disparidades regionais e locais. Os mais beneficiados são os municípios mais pobres, já que o FUNDEF tenta equalizar os piores índices com a média nacional. Um dos critérios do FUNDEF é privilegiar os municípios mais pobres e as regiões mais atrasadas.

Segundo Marcos José Mendes1, são utilizados dados municipais, apurados pelo Censo Escolar do MEC, onde aplicam-se duas estratégias de identificação nas estimações econométricas. A primeira delas é o método de diferenças em diferenças, tomando as escolas particulares (não afetadas pelo FUNDEF) com grupo de controle. A segunda estratégia é a equação linear, para um painel de todos os municípios no país, no período 1996-2000, tendo como variável dependente indicadores educacionais e como variável explicativa de interesse o montante de recursos do FUNDEF recebidos pelo Município.

Mendes também diz que, os estados que teimam em ingressar na guerra fiscal, há uma regressividade tributária e do perfil de gastos pois, tais estados, geralmente mais abastados, procuram atrair cidadãos ricos, que têm maiores incentivos e melhores condições de mobilidade, podendo fugir de impostos. Logo, poucos impostos para atrair empresas e cidadãos ricos (que não se beneficiam diretamente com os gastos sociais), acarretam num desestímulo a gastos dos governos subnacionais em assistência social, saúde e educação públicas.

Por isso a vinculação de recursos tende a minorar esses problemas, eis que, não leva em consideração os interesses locais. Educação é prioridade nacional e, como tal, merece uma atenção maior, devendo o governo federal obrigar os estados e municípios a terem gastos perenes com educação, obedecendo determinações da União que convergem para o que acham que seja de extrema importância. Basta estabelecer regras básicas do pacto federativo para que se estabeleça um sistema de receitas vinculadas capaz de gerar um fundo através de outras fontes de recursos, vinculá-lo a gastos e torná-lo exeqüível do ponto de vista de transferências constitucionais.

Logo, o FUNDEF é um mecanismo de vinculação de recursos capaz de gerar resultados concretos do ponto de vista fiscal, pois há o armazenamento dos recursos das outras fontes (FPM, FPE, ICMS etc), há a destinação própria (gastos com o ensino fundamental e salário dos professores) através de uma conta específica. É importante dizer que, o FUNDEF não é um fundo novo, com recursos extra e sim uma vinculação do que o estado já possuía.


4. O FUNDEF NAS REDES DE ENSINO

Em Pernambuco, o FUNDEF ajuda muito mais as redes municipais os municípios do interior do estado. Acontece que, constitucionalmente, os municípios são obrigados a assegurar o ensino fundamental enquanto que, aos estados compete a educação de ensino médio. Acontece que, os estados também têm competência concorrente no que pertine ao ensino fundamental.

Sendo assim, os recursos do FUNDEF tendem a melhorar a qualidade de ensino no interior. Na capital não se vê melhoras, pois o objetivo do FUNDEF é equalizar as disparidades na qualidade do ensino. Já a rede estadual de ensino sai perdendo pois, como a União não entra com complementação e o FUNDEF não tem recursos extras, por se tratar de uma vinculação das fontes já existentes, o Estado (no caso de Pernambuco) acaba transferindo mais do que recebe, ocasionando em perdas para o Tesouro (vide seção 5). Estudo realizado mostrou que, mesmo após o FUNDEF, não houve uma melhora no rendimento escolar. Em 1995 a taxa de aprovação no ensino médio era de 60,9%, atingindo seu ponto máximo em 1998 (ano do início da vigência do FUNDEF), decrescendo em seguida. Aconteceu o mesmo no ensino fundamental. Já na rede privada de ensino, a Tabela abaixo mostra que a melhoria no rendimento é crescente a cada ano.

Tabela 1

Rendimento Escolar no Estado de Pernambuco (em %)

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

Rede Estadual

Ensino Fundamental

   

Aprovação

59,3

65,0

68,3

72,0

69,7

66,7

66,56

65,47

Reprovação

22,3

15,5

14,9

10,0

12,3

14,2

14,97

14,99

Abandono

18,4

19,6

16,7

18,0

18,0

19,1

18,47

19,54

Ensino Médio

  

Aprovação

60,9

67,5

71,2

75,5

74,5

71,7

72,4

71,87

Reprovação

13,0

6,4

6,5

2,9

4,6

5,8

6,14

6,44

Abandono

26,2

26,2

22,2

21,7

20,9

22,5

21,45

21,69

Rede Particular

Ensino Fundamental

  

Aprovação

85,2

87,0

90,1

92,2

93,0

93,8

94,31

94,7

Reprovação

11,1

9,6

7,4

5,6

5,1

4,7

4,49

4,19

Abandono

3,7

3,3

2,5

2,2

1,9

1,5

1,19

1,11

Ensino Médio

   

Aprovação

83,3

85,8

87,7

90,3

90,0

90,09

90,19

92,87

Reprovação

7,6

6,9

6,5

4,6

5,9

5,2

5,01

5,04

Abandono

9,1

7,3

5,7

5,1

4,1

3,9

4,8

2,09

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Elaboração própria do autor

Fonte: Secretaria de Educação de Pernambuco

Já na Tabela 2, há uma forte queda no número de escolas públicas, se contrapondo ao crescente número de escolas particulares. Um ponto positivo é a qualificação dos docentes. A maior parte encontra-se na rede pública, onde há mais de 30 mil docentes com nível superior completo. Nota-se que o estado vem investindo na capacitação de profissional. Mas, vale ressaltar que, o Governo, vinculando receitas concernentes apenas ao ensino fundamental e, considerando as perdas na arrecadação estadual com o FUNDEF, o ensino médio fica praticamente à deriva. É importantíssima a observação de Verônica Eguren2 de que, se apenas o ensino fundamental é privilegiado, e o ensino médio ficando à deriva, com o passar dos tempos, de acordo com a pirâmide demográfica (queda da taxa de natalidade) haverá vagas ociosas dentro das escolas de ensino fundamental e uma explosão pela procura de escolas de ensino médio (não amparadas pelo FUNDEF) ocasionando escassez de vagas de um serviço que já é precário. Portanto, o adolescente ao sair do ensino fundamental e não encontrando meios de ingressar no ensino médio, sua tendência será delinqüir e/ou mendigar, pois está fora do quadro de empregabilidade, onde se faz necessário ter no mínimo o ensino médio.

Tabela 2

Evolução Estatística por Ano e por nível de Dependência Administrativa

Estadual

Municipal

Federal

Privada

1996

Número de Escolas

1.222

8.561

19

1.817

Docentes com Nível Superior(*)

24.528

11.915

888

10.214

1997

Número de Escolas

1.195

8.627

22

1.939

Docentes com Nível Superior

---

---

---

---

1998

Número de Escolas

1.077

8.403

21

1.990

Docentes com Nível Superior

25.929

11.901

951

19.931

1999

Número de Escolas

1.052

8.424

18

2.084

Docentes com Nível Superior

29.029

13.232

990

12.941

2000

Número de Escolas

994

8.428

16

2.157

Docentes com Nível Superior

29.098

14.296

956

13.920

2001

Número de Escolas

989

8.425

18

2.538

Docentes com Nível Superior

30.952

15.879

1.538

15.275

2002

Número de Escolas

987

8.223

14

2.549

Docentes com Nível Superior

31.803

18.450

1.018

16.220

2003

Número de Escolas

1.093

7.972

13

2.530

Docentes com Nível Superior

34.849

22.755

1.007

17.037

Elaboração própria do autor

Fonte: Secretaria de Educação de Pernambuco

(*) O mesmo docente pode atuar em mais de um estabelecimento

Outrossim, é importante lembrar que, como dito anteriormente, o FUNDEF não leva em conta interesses regionais, devido à sua forma política de aplicação dos recursos, onde sua destinação é definida pelo Governo Federal. Acontece que, o custo de vida no interior é diferente do custo de vida da região metropolitana. Quando o Governo limita um número "x" a ser gasto por aluno e não atenta para as disparidades regionais, ele acaba tratando igualmente os desiguais, contrariando os dizeres de Ruy Barbosa sobre o princípio da igualdade: "Deve-se dar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais".

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Sobre o autor
Leon Victor de Queiroz Barbosa

Mestre e Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, Pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais e Pesquisador do PRAETOR – Grupo de Estudos sobre Poder Judiciário, Política e Sociedade da Universidade Federal de Pernambuco, Supervisor Parlamentar na Câmara Municipal do Recife e Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Leon Victor Queiroz. A concretização do direito à educação através de transferência constitucional intergovernamental.: O caso do FUNDEF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 536, 25 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6012. Acesso em: 4 nov. 2024.

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