A inconstitucionalidade da cisão dos julgamentos dos processos penais em crimes dolosos contra a vida cometidos em concursos de agentes

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31/08/2017 às 15:02
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7 CONCLUSÃO

Diante de todo exposto, a partir de uma análise da discussão sob a ótica da ponderação de direitos fundamentais e após uma análise pormenorizada de cada regra de conexão e continência em relação aos fundamentos de suas existências, filiamos a Paulo Rangel, Fernando Capez e a última decisão proferida pelo STF no HC 83.583/PE, pois nos parece que tal entendimento melhor atende aos imperativos constitucionais, especialmente aos princípios da Isonomia e Uniformidade das Decisões Judiciais, entendemos, portanto inconstitucional, por ofensa aos referidos princípios, a cisão do julgamento dos crimes dolosos contra a vida, quando um dos agentes goze de foro privilegiado ao menos no que concerne a conexão intersubjetiva concursal e a continência.

Nos casos da conexão intersubjetiva concursal e da continência existe um comum acordo entre os agentes para a prática da mesma infração penal que é um requisito necessário para configurar o concurso de pessoas, existindo esse liame subjetivo acrescido ainda da adoção, como regra, pelo Código Penal da Teoria Unitária do concurso de pessoas, entendemos a partir de uma ponderação de direitos fundamentais, mais adequada a reunião para o julgamento dos processos penais, ainda que mitigada a garantia do Tribunal do Júri, pois a cisão do julgamento imporia uma ofensa aos princípios da Isonomia e da Uniformidade das Decisões Judiciais que são norteadores do Poder Judiciário.

Acrescente-se ainda que o simples fato de não existir regras de conexão e continência previstas expressamente na Constituição não é fundamento suficiente para a cisão dos julgamentos, quando tal separação ofende a dois princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

Um Estado que almeja ser de direito não pode conviver com decisões conflitantes, sob pena de ofensa a segurança jurídica e perda de credibilidade do poder judiciário. O cidadão ainda vê no judiciário um ideal de justiça em que cada um receberá o que lhe é devido e abrir a possibilidade de decisões conflitantes abriria um perigoso precedente e aniquilaria o respeito pelo poder judiciário.

No caso entendemos que deva prevalecer o tribunal singular em detrimento do Tribunal do Júri, pois os casos de foro por prerrogativa de função envolvem, normalmente, crimes de grandes repercussões sujeitando, portanto, seus julgamentos a maiores pressões externas e, como no Tribunal do Júri vigora o princípio da convicção íntima, tais decisões seriam mais difíceis de um controle de legalidade e constitucionalidade.

Cabe acrescentar, que os membros do tribunal singular não estão imunes as pressões externas, mas como nesse tribunal vigora o princípio do "livre" convencimento motivado, tais decisões seriam mais suscetíveis de um controle de constitucionalidade e legalidade.

Assim sendo, a partir de uma análise sob a ótica do princípio hermenêutico da ponderação de direitos fundamentais do conflito entre o princípio da Uniformidade das Decisões Judiciais e da Isonomia frente à garantia do Tribunal do Júri, com a devida vênia a doutrina e jurisprudência contrária, acreditamos que melhor atende aos imperativos constitucionais a corrente que entende errada a cisão dos julgamentos nos crimes dolosos contra a vida cometidos em concurso de agentes em que um goze de foro por prerrogativa de função, ao menos no que concerne a conexão intersubjetiva concursal e continência, pois está respaldada constitucionalmente em dois princípios basilares do Estado Democrático de Direito: os princípios da Isonomia e Uniformidade das Decisões Judiciais. 


REFERÊNCIAS

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Nota 

_2 No sólo se obtiene una economía, en cuanto las mismas pruebas y las mismas razones sirven para la declaración de certeza de cada delito conexo evitando inútiles repeticiones, sino, lo que importa más, el beneficio se extiende a la certeza en cuanto se evita también el peligro, que de otra manera podría producirse, de juicios contradictorios; perjudiciaría, verdaderamente, a la justicia penal el que sobre los delitos conexos diversos jueces pronunciariam juicios que se encontraran en contraste lógico el uno con el otro” (Lecciones sobre el proceso penal, tradução de Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, Bosch y Cia., 1950, v. II, p. 324).

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Sobre o autor
Sanges Morais

Advogado militante; Graduado em Direito pela PUC MINAS; Pós-graduando em Direito Penal pela Faculdade Internacional Signorelli; Pós-graduando em Direito Processual pela PUC MINAS; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 2º semestre 2012; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 1º semestre 2013; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 1º semestre 2014; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 2º semestre 2014; Estagiário na Turma Recursal dos Juizados Especial Federal.

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