Em 01 de julho de 2016, foi publicada no Diário Oficial da União[1] a Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conhecida como Lei (de Responsabilidade) das Estatais.
A referida Lei, grosso modo, está dividida em duas grandes partes:
- governança; e
- licitações e contratos.
Para as estatais[2] constituídas anteriormente à vigência da Lei, propõe o novel diploma legal a substituição da legislação anterior sobre procedimentos licitatórios e contratos iniciados ou celebrados até o final do prazo previsto no caput do art. 91 da Lei,[3] ou seja, até o final do prazo de até 24 meses, a contar do início da vigência, para promover as adaptações necessárias à adequação necessária ao disposto na nova legislação.[4]
Nesse sentido, propõe a Lei nº 13.303/2016 a substituição integral da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, atualmente aplicada as estatais constituídas anteriormente a 1º de julho de 2016,[5] pelo novo regime de licitações e contratos por ela instituído.[6]
Não é por demais dizer que as estatais que forem constituídas após 1º de julho de 2016 submeter-se-ão, integralmente, ao novo regime.[7]
A Lei nº 8.666/1993, alterada pela Lei nº 8.883/1994, trouxe a seguinte exigência normativa:
Art. 38. (omissis)
Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. (grifo nosso)
A referida Lei Geral de Licitações e Contratos, como se pode observar, criou a obrigatoriedade – e não a faculdade – de que os instrumentos convocatórios e os contratuais, sob as diversas formas de que se revestem,[8] fossem previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.
Registre-se que a Lei nº 8.666/1993 nada dispôs se tal assessoria jurídica deveria ser, necessariamente, integrante dos quadros próprios do Poder Público, haja vista que, em grande medida, municípios menores – abrangidos pelo caráter nacional da mencionada Lei – não conseguem sequer manter estruturas próprias de assessoria e/ou consultoria jurídica.[9]
Ocorre que a Lei nº 13.303/2016 não tocou no assunto. Não há menção à assessoria jurídica, consultoria jurídica, órgão de assessoramento ou variantes normativas sobre a questão. Nem sequer se remeteu à aplicação subsidiária de qualquer outro ato normativo, ou seja, foi completamente omissa quanto à matéria.
Pelo menos duas questões, então, se impõem:
- Será que a intenção do legislador foi a de desobrigar a Administração de submeter tais instrumentos (editais e contratos lato sensu) ao exame prévio e à aprovação por assessoria jurídica do Poder Público?
- Será que, dada a inspiração da Lei, notadamente com vistas a assegurar o máximo de eficiência às estatais, foi-se no sentido mesmo de se retirar da assessoria jurídica da Administração tal incumbência?
Entende-se que não. E há algumas razões para tanto.
Em conversa informal com dois Ministros[10] do Tribunal de Contas da União sobre o tema, um deles foi no sentido de que este seria o debate do momento e o outro de que se deveria disciplinar tal questão no regulamento interno de licitações e contratos, exigido pelo art. 40[11] do referido diploma legal, nem que seja para os maiores contratos da estatal.
Não se pode olvidar que um dos princípios constitucionais regentes da Administração Pública é o da legalidade.[12] Outro, de ordem legal,[13] é o da segurança jurídica.
Enfrentando o assunto, parece que o mais adequado, até para proteger o próprio gestor público – que fará uso do manancial normativo previsto na legislação em vigor, mesmo que eminentemente de direito privado, pois a novel lei o privilegia bastante – seria o de se prever, no regulamento a que se refere o art. 40 da Lei nº 13.303/2016, que as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração, extraído do art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993.
Por óbvio, se do entendimento de cada estatal houver a necessidade de adaptação do texto, ficará a critério de cada uma a regulamentação específica e final do conteúdo da norma, inclusive para temperar a forma ou o tipo de instrumentos – pelo valor de alçada, por exemplo – que seriam submetidos à assessoria jurídica da Administração, de modo a nortear a atividade de gestão administrativa de tais entidades e gerar a segurança necessária para o próprio patrimônio da estatal, que pode ser submetido a risco, por exemplo, em caso de fixação de obrigação ao particular que, se onerosa e não for suportada pela Administração, poderá gerar direito à indenização, ante a omissão legislativa.
A Lei nº 13.303/2016, apesar de já ter sido apreciada pontualmente pelo Tribunal de Contas da União, no plano federal,[14] e pelas Cortes de Contas Estaduais ou Municipais,[15] nas respectivas esferas, sobre um ou outro aspecto, ainda demandará algum tempo de apreciação e maturação pelos referidos Órgãos de Controle. Ainda mais distante será a avaliação judicante pelos Órgãos do Poder Judiciário, que levarão bastante tempo para consolidar jurisprudência sobre o assunto.
Todas estas questões estão postas, atualmente, no cotidiano da Administração Pública em todas as esferas, clamando pela atenção devida e urgente de todos os gestores públicos das estatais, que devem, no caso de dúvidas de ordem legal, ouvir também as respectivas assessorias ou consultorias jurídicas a elas vinculadas.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 22 jun. 2017.
BRASIL. Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 01 jul. 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13303.htm>. Acesso em: 22 jun. 2017.
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 22 jun. 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666compilado.htm>. Acesso em: 22 jun. 2017.
Notas
[1] DOU nº 125, de 01/07/2016, p. 1 e seguintes.
[2] Leia-se: empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos (conforme art. 1º da Lei nº 13.303/2016).
[3] Art. 91, §3º, da Lei nº 13.303/2016.
[4] Art. 91, caput, da Lei nº 13.303/2016.
[5] Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
[6] Grande celeuma jurídica se instaurou entre os doutrinadores sobre este tema, se estaria vigente ou não a lei, e em que amplitude, dado o disposto no art. 91, §3º, da referida Lei. Este, entretanto, é tema para outro artigo.
[7] Entendimento extraído do art. 91, caput, da Lei nº 13.303/2016.
[8] Leia-se em sentido lato: acordos, convênios ou ajustes.
[9] Nesse caso, a assessoria jurídica da Administração poderia ser contratada externamente, por meio de procedimento próprio, seja por dispensa, inexigibilidade ou licitação.
[10] A identidade de ambos será aqui preservada, para não comprometer eventual manifestação futura destes no exercício de seus misteres constitucionais e legais.
[11] Art. 40. As empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão publicar e manter atualizado regulamento interno de licitações e contratos, compatível com o disposto nesta Lei, especialmente quanto a:
I - glossário de expressões técnicas;
II - cadastro de fornecedores;
III - minutas-padrão de editais e contratos;
IV - procedimentos de licitação e contratação direta;
V - tramitação de recursos;
VI - formalização de contratos;
VII - gestão e fiscalização de contratos;
VIII - aplicação de penalidades;
IX - recebimento do objeto do contrato.
[12] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
[13] Lei nº 9.784/1999:
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
[14] São exemplos os Acórdãos nº 728/2017 e 1130/2017, ambos do Plenário.
[15] Das ainda existentes no plano específico de alguns municípios brasileiros ou, no plano estadual, dos Tribunais de Contas com jurisdição sobre os municípios de determinados Estados da federação.