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Desvio de finalidade e documentação escrita dos atos administrativos:

Os limites entre a modernização e as velhas práticas da administração pública brasileira

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02/11/2017 às 10:00
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Conclusão

O presente trabalho trata, sob o prisma da intenção dissimulada do agente público, do desvio de finalidade. Não é uma tarefa das mais fáceis, pois visa encontrar manifestações registráveis das relações de causa e efeito entre as intenções e vontades (psiquê) do agente público, propenso ao desvio e finalidade, e o ato administrativo simulado.

Para isso, no entanto, além da apropriação de conhecimentos já consolidados por renomados publicistas, como as definições de ato administrativo, ato discricionário, administração pública, legitimidade, documento público, boa-fé e etc., nos empenhamos em sistematizar novas classificações de ato administrativo. Como bem dissemos, os critérios de classificação não são um fim em si mesmo, mas são instrumentais, pois as tarefas de estudar e sistematizar são de suma importância para reconhecermos no documento escrito, o retrato maior da prevenção do desvio de finalidade.

E assim o fizemos, classificamos os atos administrativos: 1) quanto à possibilidade de documentação em - a) Atos Administrativos documentáveis e, b) Atos administrativos não documentáveis; 2) quanto ao instrumento de documentação - a) atos administrativos escrituráveis; b) atos administrativos faláveis (ou verbalizáveis); c) atos administrativos gesticuláveis e, d) atos administrativos graváveis; 3) quanto ao momento de sua documentação escrita - a) Atos administrativos imediatamente documentados; b) atos administrativos posteriormente documentados e, c) atos administrativos sucessivamente documentados .

Concluímos que o tipo de ato administrativo que, por excelência, é inibidor e prevenidor do desvio de finalidade é retratado pela combinação dos itens 2.3.2.a) e 2.3.3.b), ou seja, um ato administrativo imediatamente escrito. Vimos ainda que a danosidade advinda da prática do desvio de finalidade à administração pública é alta, dando azo ao surgimento da corrupção, assédios (estrutural, moral e sexual) e disfunções da burocracia administrativa, quando não o ressurgimento do anacrônico patrimonialismo.

Os princípios da publicidade e do formalismo temperado (ou moderado) são corolários e conditio sine qua non a demonstrar a importância e o cuidado ao se registrar a prática dos atos administrativos. Com efeito, ainda que não tramite em determinado órgão público um procedimento formal (autos), ainda assim há que se respeitar o princípio do formalismo (Lei nº 9.784/99). Relatamos que a produção de documentos escritos, em concomitância com a prática de atos estão cada vez mais fáceis de serem feitos, com o advento da informática, da internet, das impressoras e dos escâneres. Nesse trilhar, os chamados documentos oficiais (ofícios, memorandos, atas, boletins e etc), objetos da redação oficial, perderam muito de suas sacralidades, pois agora, com as mensagens eletrônicas de e-mail e aplicativos criados especificamente gerenciar documentos e procedimentos, os excessos de formalismos documentais se enfraqueceram.

Ora, as intenções da administração pública são as intenções de seus agentes, investidos em determinada função pública; e, nesse trilhar, também são subjetivas, como é a intenção de um eventual desvio de finalidade. O agente público que pratica desvio de finalidade, e o faz de propósito (com dolo), com vontade e lucidez, tem a seu favor a dificuldade de materializar o malefício, que não se coaduna com o regime jurídico-administrativo brasileiro. Com efeito, existem formas de se majorar e captar as intenções das pessoas. Logicamente que só o interesse público é capaz de justificar o enveredamento da ciência jurídica pelo caminho das recônditas intenções do agente público. E, nesse caminhar, a comprovação do desvio de finalidade é matéria da maior importância para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

Com o advento e disseminação do correio eletrônico (e-mail institucional), o registro escrito, imediato, objetivo e econômico dos atos administrativos tornou possível manter uma cultura de alerta contra os abusos de autoridade sem, no entanto, parecer paranoia do servidor que cultiva essa conduta, pois, de fato, assim agindo, estará apenas cumprindo o que o sistema jurídico-administrativo brasileiro ordena, ou seja, observar e fomentar os princípios do formalismo moderado, da publicidade, da economicidade e da eficiência, sem correr o risco de alimentar burocracias desnecessárias, que tanto atrasam o já combalido serviço público brasileiro. Portanto, reformar a Constituição para torná-la menos democrática e, assim, deixarmos de ser taxados de hipócritas não é a melhor solução; nossas atitudes é que devem mudar para aproximarem-se ao máximo dos cânones Constitucionais.


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Notas

1Espécie de assédio moral vislumbrado e sistematizado pela bacharela em direito Deuzete Ferreira Barbosa, em monografia para obtenção da graduação da Faculdade Estácio de Macapá/SEAMA, em 2016. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16617&revista_caderno=4 >. Acesso em 24 de maio de 2017.

2Disponível em: http://observatory-elites.org/wp-content/uploads/2012/06/newsletter-Observatorio-v.-2-n.-9.pdf. Acesso em 12 de junho de 2017.

3Acessível em: https://cleazevo.jusbrasil.com.br/noticias/423323681/mp-brasileiro-elitista-e-o-mais-caro-do-mundo?ref=topic_feed. Acesso em 12 de junho de 2017.

4O caboclo é, por vezes, ingênuo ao ser incapaz de perceber a obviedade de o comportamento individual ser maléfico a longo e médio prazos para a coletividade.

5Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/05/06/o-brasil-hoje-e-um-grande-desvio-de-finalidade. Acesso em 12 de junho de 2017.

6Acessível em: http://www.conjur.com.br/2012-dez-04/peculato-corrupcao-podem-caracterizados-crime-continuado. Acesso em 12 de junho de 2017.

7Professor Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor visitante na Universidade de Frankfurt am Main, na Universidade de Buenos Aires e na Universidade Pablo D’Olavide (Sevilha). Professor honorário da Universidade de San Martín (Lima). Pós-doutor pela Universidade de Frankfurt am Main. Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

8 ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral na Relação de Trabalho. 3ª edição. Curitiba: Juruá, 2009.

9Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16617&revista_caderno=4. Acesso em: 05 de julho de 2017

10Disponível em : <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=45&data=16/10/2014>. Acesso em 26 de junho de 2017

11Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/atos_administrativos/resoluo-n199-07-10-2014-presidncia.pdf>. Acesso em 26 de junho de 2017

12 Mário Juruna (Barra do Garças, 3 de setembro de 1943 – Brasília, 18 de julho de 2002) foi um líder indígena e político brasileiro. Filiado ao Partido Democrático Trabalhista - PDT, foi o primeiro e até hoje o único deputado federal indígena do Brasil.

13É bom repetir que para efeitos desse trabalho, documento escrito pode ser, preferencialmente, o digitado em sistema informatizado (softwares e aplicativos), ainda que não impressos.

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Sobre o autor
Elias da Costa Farias

Graduado em Direito e Licenciado em Matemática pela UNIFAP; Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Estácio de Macapá; Mestrando em Mediação e Resolução de Conflitos pela Fundação Universitária Iberoamericana - FUNIBER.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS, Elias Costa. Desvio de finalidade e documentação escrita dos atos administrativos:: Os limites entre a modernização e as velhas práticas da administração pública brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5237, 2 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60569. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Elias da Costa Farias é Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Estácio de Macapá. É Técnico do MPU.

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