Prescrição intercorrente no processo do trabalho após a Reforma

16/09/2017 às 14:27
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O texto aborda a disciplina e a aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho à luz das alterações promovidas pela reforma trabalhista.

Dentre as principais alterações introduzida pela reforma trabalhista, com impacto direto não apenas sobre futuras ações trabalhistas, como ainda sobre os processos já em andamento, figura a prescrição intercorrente, introduzida expressamente pelo art. 11-A, que reza:

Art. 11-A.  Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos. 

§ 1o  A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução. 

§ 2o  A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição.

A alteração legislativa põe uma pá de cal no debate doutrinário, e também jurisprudencial, a respeito da incidência da prescrição intercorrente no processo do trabalho.

De fato, a insegurança jurídica nesse aspecto era tão grande que o TST e o STF possuíam, inclusive, súmulas diametralmente opostas quanto ao tema, como se infere da Súmula 114, do TST[1], e Súmula 327 do STF[2]. Conquanto se aponte com frequência que a ratio decidendi que conduziu à edição de ambas as súmulas não seja a mesma, a importância desmesurada que se confere à literalidade dos enunciados de súmula na rotina forense brasileira sempre levou a conflitos quanto ao tema.

Essa disputa jurisprudencial também acabava se refletindo na doutrina, com posições antagônicas muito claras a respeito.

Maurício Godinho Delgado atacava a incidência da prescrição intercorrente no processo do trabalho, asseverando que

Na medida em que o Direito é a fórmula de razão, lógica e sensatez, obviamente não se pode admitir, com a amplitude do processo civil, a prescrição intercorrente em ramo processual caracterizado pelo franco impulso oficial. Cabendo ao juiz dirigir o processo, com ampla liberdade (art. 765, da CLT), indeferindo diligências inúteis e protelatórias (art. 130, CC), e, principalmente, determinando qualquer diligência que considere necessária ao esclarecimento da causa (art. 765, CLT), não se pode tributar à parte os efeitos de uma morosidade a que a lei busca fornecer instrumentos para seu eficaz e oficial combate[3].

Verdade seja dita, contudo, mesmo Godinho Delgado admitia pelo menos uma hipótese de prescrição intercorrente, em atenção ao disposto no art. 884, § 1º, da CLT, nas situações em que o exequente do processo abandonasse, de fato, a execução por um prazo superior a dois anos por exclusiva omissão sua[4].

Carlos Henrique Bezerra Leite, a seu turno, entendia aplicável ao processo do trabalho a prescrição intercorrente, argumentando que a previsão contida no art. 884, § 1º, da CLT, ao prever a prescrição como matéria de defesa nos embargos só poderia aludir à prescrição intercorrente, eis que inviável debater prescrição de pretensão que já foi acolhida e cujo deferimento já transitou em julgado[5].

Mauro Schiavi também admitia a prescrição intercorrente, embora em raras hipóteses, asseverando que

a prescrição intercorrente se aplica ao processo do trabalho, após o trânsito em julgado, nas fases processuais em que a iniciativa de promover os atos do processo dependem exclusivamente do autor, como na fase em que o reclamante é intimado para apresentar os cálculos e se mantém inerte pelo prazo de dois anos. Já na execução propriamente dita, por exemplo, a não apresentação pelo reclamante dos documentos necessários para o registro da penhora, no prazo de dois anos após a intimação judicial, faz gerar a prescrição intercorrente[6].

Wagner Giglio defendia a aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho, comungando com o entendimento de que efetivamente a existência da execução ex officio não eliminava totalmente as hipóteses em que o prosseguimento da execução dependeria de ato da parte, como nas hipóteses de liquidação por artigos ou ainda sujeitas à condição imposta à parte pelo magistrado em sentença[7].

Como destacado inicialmente, a reforma faz com que o debate quanto à aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho se encerre, definindo o art. 11-A sua aplicabilidade e fixando o prazo de dois anos. O § 1º do artigo em exame, contudo, ao estabelecer o marco inicial desse prazo, inova, fixando a fluência a partir do momento em que o exequente deixa de cumprir a determinação judicial no curso da execução.

Isso porque a prescrição intercorrente, quando adotada no processo do trabalho até o momento, aplicava o art. 40, § 4º, da lei 6830/80 de forma subsidiária, com fulcro no art. 889, da CLT, o que implicava o marco inicial da prescrição intercorrente a partir da decisão que determinava o arquivamento provisório da execução em face da inatividade do exequente. Com a reforma o marco inicial passa a ser levemente mais gravoso para o exequente, computando-se a partir do momento em que não atender ao comando judicial durante a fase de execução.

Sob o aspecto de aplicação do direito intertemporal, para aqueles que entendiam que a prescrição intercorrente já era cabível no processo do trabalho antes do advento da Reforma, a alteração no particular atinge o marco inicial, e, tendo em vista a divergência se o prazo seria de 5 anos ou 2 anos, também pacifica esta questão. Entendo, contudo, que o novo marco inicial se aplicará apenas aos processos em que o exequente deixar de cumprir a determinação judicial no curso da execução após o término da vacatio legis da lei da reforma, prevalecendo, com relação aos processos arquivados provisoriamente antes desta data o marco inicial como sendo a data do arquivamento. Naturalmente para quem entendia até então inaplicável a prescrição intercorrente no processo do trabalho, sua aplicação se restringirá aos processos em que a parte deixar de cumprir a determinação judicial na execução após o término da vacatio legis.

Outra questão que surge nesse caso diz respeito às execuções nas ações em que o exequente estiver atuando sem patrocínio de advogado, no exercício do ius postulandi. Essa questão é ainda mais relevante levando em consideração que embora a reforma, como se verá na sequência, tenha extinto a inciativa ex officio do magistrado na fase de execução processual, manteve-a nas hipóteses em que a parte esteja exercendo o ius postulandi.     

Mauro Schiavi entende que “a prescrição intercorrente não incidirá na fase liquidatória quando o reclamante estiver sem advogado, valendo-se do ius postulandi, ou quando, mesmo tendo advogado, este, justificadamente, não tiver condições de promover a liquidação, apresentando os cálculos ou os artigos de liquidação”[8].

Do ponto de vista prático é possível antecipar que provavelmente a jurisprudência trabalhista se inclinará no sentido de ser inaplicável a prescrição intercorrente nas hipóteses de execução de ação em que o exequente atua no exercício do ius postulandi. Isso se deve em grande parte ao fato de que um dos principais fundamentos contrários à aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho antes da reforma era precisamente o de que o dever do magistrado de promover a execução ex officio não seria compatível com as hipóteses de arquivamento processual por inatividade.

Tal argumento, para a maior parte das ações, cede tanto face à literalidade do caput do art. 11-A, como também em razão da extinção da execução ex officio no processo do trabalho. Como esta última, contudo, permanece nas hipóteses de exercício do ius postulandi, a tendência é que a jurisprudência dominante permaneça com o entendimento de não ser possível a aplicação da prescrição intercorrente em tais casos, por interpretação lógica e sistêmica, muito embora rigorosamente a norma não estabeleça qualquer exceção à aplicabilidade da prescrição intercorrente nesses casos.

Finalmente, é importante destacar o fato de que a prescrição intercorrente, na forma do § 2º do art. 11-A, pode ser requerida ou declarada de ofício pelo magistrado, o que atrai a discussão a respeito da possibilidade de declaração de ofício da prescrição no processo do trabalho.

Nos termos do art. 219, § 5º, do CPC, cabe ao juiz pronunciar, de ofício, a prescrição incidente sobre as pretensões formuladas.

Entendo não existir incompatibilidade entre a norma processual civil em tela e o processo do trabalho. A alteração legislativa ocorrida não modificou a natureza jurídica do instituto, mas apenas a disciplina jurídica relacionada às hipóteses de seu reconhecimento em juízo. O instituto da prescrição jamais ofendeu a natureza privilegiada do crédito trabalhista, tampouco o denominado princípio protetivo, sendo certo que sua existência é consagrada tanto em caráter infraconstitucional, como também na própria legislação constitucional.

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Conforme assinala Melchíades Rodrigues Martins:

se a Constituição Federal Brasileira estipula que os créditos resultantes das relações de trabalho estão sujeitos ao prazo prescricional de cinco anos, para os trabalhadores urbanos ou rurais, e até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho (art. 7º, XXIX), os atores sociais a ela vinculados também estarão obrigados a observa-los, sob pena de ferir a segurança jurídica e a confiança que se deve inspirar todo o Estado de Direito.

O princípio da proteção não deve ser analisado isoladamente no trato de matéria de regência constitucional, mas em conjunto com os da segurança e da salvaguarda dos interesses da gestão empresarial em virtude do interesse maior preconizado no art. 7º, XXIX, da Carta Magna, que visa acima de tudo a paz social e a estabilidade jurídico-social[9].

Neusa Moura defende a aplicação da prescrição de ofício, indicando que tanto a CLT quanto a Constituição são omissas em relação ao fato de a prescrição precisar ser invocada pela parte interessada, tampouco negam o seu pronunciamento de ofício pelo magistrado, caracterizando a omissão que permite a aplicação subsidiária da norma[10]. Também Scalércio e Martinez Minto defendem sua declaração de ofício, asseverando que a norma vai ao encontro da segurança jurídica e efetividade do processo, ainda que alertando para a necessidade de intimação prévia da parte Autora para se manifestar a respeito de eventuais hipóteses de interrupção ou suspensão prescricional[11]. Vólia Bomfim também se manifesta favoravelmente a sua aplicação no direito do trabalho, assinalando se tratar de hipótese em que o interesse público na pacificação do conflito prepondera sobre o interesse privado[12].

A opinião, contudo, não é unânime. Mauro Schiavi entende que não é possível declaração de ofício da prescrição (revendo posicionamento anterior), por entender que, como se trata de instituto de direito material, deve observar os princípios correspondentes, tais como os princípios protetivos, a irrenunciabilidade de direitos, não retrocesso social, além dos fins sociais da lei e as exigências de bem comum[13].

De forma mais significativa, contudo, o TST tem majoritariamente entendido inaplicável ao processo do trabalho a declaração de ofício da prescrição, como se infere da seguinte ementa:

RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI N° 11.496/2007. RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO. PRONÚNCIA DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. INCOMPATIBILIDADE DO ARTIGO 219, § 5º, DO CPC COM O PROCESSO DO TRABALHO. O artigo 219, § 5º, do CPC, que possibilita a pronúncia de ofício da prescrição pelo juiz, não se aplica subsidiariamente ao Processo do Trabalho, porque não se coaduna com a natureza alimentar dos créditos trabalhistas e com o princípio da proteção ao hipossuficiente. Precedentes desta Subseção Especializada. Recurso de embargos conhecido e não provido." (E-RR-82841-64.2004.5.10.0016, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 20/2/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 7/3/2014)

Em face da redação do art. 11-A, da CLT, em seu § 2º, a possibilidade de declaração de ofício da prescrição intercorrente é indene de dúvidas. Resta saber se em face de tal alteração minam-se também os argumentos contrários à declaração da prescrição na fase de conhecimento. Particularmente, entendo que é muito difícil sustentar que a declaração da prescrição de ofício seria incompatível com o processo do trabalho na fase de conhecimento - etapa processual em que ainda predomina a incerteza e indefinição a respeito da existência do direito material vindicado - mas não o seria na fase de execução, em que já há um título executivo em favor da parte exequente.

É muito difícil visualizar, com efeito, de que forma o princípio da proteção no processo do trabalho serviria de escudo contra a incidência da prescrição de ofício na fase de conhecimento, mas deixaria de existir precisamente na etapa processual em que o an debeatur já foi reconhecido.

Tudo leva a crer que a consagração da possibilidade da declaração de ofício da prescrição intercorrente implicará uma revisão do entendimento no que se refere à possibilidade de declaração da prescrição também na fase de conhecimento, ou, no mínimo, uma severa revisão jurisprudencial dos fundamentos pelos quais a prescrição de ofício na fase de cognição seria incompatível com o processo do trabalho.


Notas

[1] Súmula 114 do TST: É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente.

[2] Súmula 327 do STF: O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente.

[3] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009. P. 259

[4] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009. P. 260

[5] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2007. P. 505

[6] SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2014. P. 476

[7] GIGLIO, Wagner Drdla. Direito processual do trabalho. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 499

[8] SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2014. P. 955

[9] MARTINS, Melchíades Rodrigues. Prescrição e sua declaração de ofício – lei nº 11280/06 – aplicação no direito e processo do trabalho. in Revista LTr, ano 74, março, 2010. p. 274

[10] MOURA, Neusa. A prescrição trabalhista e as alterações legislativas. in VILLATORE, Marco Antônio; HASSON, Roland (coord.). Estado e atividade econômica: o direito laboral em perspectiva. Curitiba: Juruá, 2007. P. 305

[11] SCALÉRCIO, Marcos; MINTO, Tulio Martinez. Prática de audiência trabalhista conforme o novo cpc. São Paulo: LTr, 2016. P. 123

[12] CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho. 12a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1224.

[13] SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2014. P. 482-483

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Sobre o autor
Roberto Dala Barba Filho

Juiz do Trabalho no TRT da 9a Região Bacharel em direito pela UFPR Mestre em direito pela PUC-PR

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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