2. REFORMAS LEGISLATIVAS
Através da análise das inúmeras reformas legislativas realizadas ao longo da vigência do Código de Processo Civil de 1973, compreende-se a introdução de inúmeros instrumentos processuais, arquiteturas organizacionais, tutelas diferenciadas, a fim de viabilizar a concretização da duração razoável do processo.
A Lei nº 8.952/94, ao alterar a redação do artigo 273 do revogado Código de Processo Civil, introduziu expressamente o instituto da tutela antecipada, outrora previsto especificamente em determinados procedimentos especiais, como o existente nas ações possessórias. Visando a viabilizar uma tutela jurisdicional adequada e efetiva, o legislador reformador conferiu maior celeridade e viabilizou a redistribuição do ônus do tempo, ao prever que, ainda que pautado em cognição sumária, o autor possa antecipar os efeitos do provimento jurisdicional definitivo, propiciando uma duração razoável do processo, ainda que através de técnica de sumarização da cognição.
Com o advento da Lei nº 11.232/05, por sua vez, houve a adoção de uma modelo arquitetural diferenciado do existente anteriormente, não sendo necessária a propositura de ação autônoma para a execução do comando previsto no dispositivo sentencial. Visando a uma maior celeridade e racionalidade no processo executivo, após o trânsito em julgado (ou mesmo antes do mesmo, no caso da execução provisória), inaugurar-se-ia uma mera fase processual, no bojo da mesma relação jurídica processual já então existente, sendo o devedor intimado, nos moldes do artigo 475-J do revogado Código de Processo Civil (correspondente ao artigo 523 do atual Código de Processo Civil), a efetuar o pagamento da quantia certa no prazo de quinze dias, sob pena de cominação da multa legal prevista no mesmo dispositivo normativo, no montante de 10% (dez por cento) sobre o quantum da condenação.
Com arrimo na necessidade de efetivação da duração razoável do processo, bem como na incorporação de uma concepção gerencial do sistema judiciário, houve expresso reconhecimento constitucional quanto à possibilidade de delegação aos servidores da prática de atos de administração e de mero expediente sem caráter decisório, nos moldes do inciso XIV do artigo 93 da Constituição Federal. Com tal delegação, agrega-se o princípio da eficiência (outrora visto única e exclusivamente sob o viés da Administração Pública, em virtude do disposto no artigo 37 da Constituição Federal) também à esfera do Poder Judiciário, intentando-se obter o máximo da prestação jurisdicional com o dispêndio do tempo estritamente necessário para a prestação da tutela jurisdicional.
O advento da Lei nº 9.099/95 (e, posteriormente, a Lei nº 10.259/01, no âmbito da Justiça Federal) estabeleceu a criação dos Juizados Especiais (Cíveis e Criminais), concretizando o comando previsto no bojo do artigo 98, I, da Constituição Federal. Os Juizados estariam equipados a conferir e prestar uma tutela jurisdicional mais célere, porquanto adequada às peculiaridades do processo e julgamento de causas cíveis de menor complexidade (especialmente, em virtude da limitação em relação ao quantum pleiteado) e de infrações penais de menor potencial ofensivo (com pena máxima igual ou inferior a dois anos, nos moldes do definido pelo artigo 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação dada pela Lei nº 11.313/06).
A Lei nº 10.444/02, ao alterar o Código de Processo Civil, previu a fungibilidade, no bojo do §7º do artigo 273, entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, à luz da instrumentalidade processual como meio de efetivação e concretização do direito material a ser tutelado. Viabilizou-se, portanto, que o magistrado deferisse a tutela jurisdicional adequada e não se limitasse a extinguir a ação sem resolução de mérito, ante a inadequação formal do pleito. Outrossim, o §6º também foi acrescentado, possibilitando, na hipótese de pedidos incontroversos, a concessão da tutela antecipada, viabilizando a imediata satisfação, ainda que parcial, do pleito deduzido jurisdicionalmente pela parte autora.
A prioridade na tramitação em todas as instâncias conferida à pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, considerada como idosa, nos moldes da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), ou portadora de doença grave configura também um passo em prol da concretização da duração razoável do processo. Apesar de se tratar de uma medida incipiente, porquanto tendo como destinatária apenas parcela da população (idosos e portadores de doença grave), não se trata de um discrímen odioso ou inconstitucional. Pelo contrário. Levando em consideração a idade já avançada ou a possibilidade de agravamento do quadro clínico (inclusive com possibilidade de falecimento) do portador de doença grave, o Poder Judiciário deve conferir prioridade na tramitação processual de tais feitos, com arrimo no princípio da igualdade material. No mundo do dever-ser, seria imperioso que a todos fosse garantida a duração razoável do processo. Entretanto, levando em consideração a realidade ainda em vigor, é evidentemente proporcional e razoável a concessão de prioridades de tramitação a uma parcela da população em situação mais calamitosa.
O processo eletrônico, introduzido no ordenamento jurídico com o advento da Lei nº 11.419/06, também configurou um instrumento de agilidade à tramitação processual. Em virtude do imperioso peticionamento por meio eletrônico, a depender da regulamentação delineada pelos órgãos do Poder Judiciário, ganhou-se em eficiência, bem como economia de materiais (especialmente, papel), em prol da preservação do meio ambiente. Com a informatização do processo judicial, há um incremento na agilidade da tramitação dos processos, recrudescimento na produtividade, bem como a minoração dos custos despendidos pela tramitação processual. Permite-se o acesso simultâneo por todas as partes processuais, evitando os inconvenientes da impossibilidade de carga no caso de prazo comum, nos moldes delineados no §2º do artigo 40 do revogado Código de Processo Civil[14] (correspondente aos §§ 2º e 3º do artigo 107 do atual Código de Processo Civil), com a redação dada pela Lei nº 11.969/09. Pode-se, portanto, perfeitamente correlacionar a informatização do processo judicial com a celeridade na resolução dos conflitos e com a própria prestação da tutela jurisdicional, viabilizando, por conseguinte, a efetivação e a concretização do princípio da duração razoável do processo.
O próprio incentivo à composição amigável e extrajudicial dos conflitos representa também uma busca de celeridade processual, a fim de concretizar a duração razoável do processo. A Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, dispõe sobre a mediação entre os particulares, como meio de solução de controvérsias, bem como estabelece a normativa para a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública. O novo Código de Processo Civil, consoante se infere do §2º do artigo 3º, estabelece que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. O §3º do mesmo dispositivo normativo prevê que “a conciliação, a medicação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.
3. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DO TEMPO, TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA E EFETIVIDADE PROCESSUAL
O direito processual, em que pese sua autonomia enquanto ciência jurídica, não pode se desprender do direito material a ser tutelado. Assim, o tempo representa uma das variáveis mais importantes na relação jurídica processual, porquanto, em sendo excessivamente demorado, o processo não concretiza e efetiva o direito material posto em debate. Entretanto, em se desenvolvendo de forma excessivamente célere, tende a entregar uma cognição superficial e uma resposta estatal coberta de incertezas e dúvidas. A Emenda Constitucional nº 45/04, ao incluir no bojo do artigo 5º da Constituição Federal o inciso LXXVIII, expressamente previu o direito do jurisdicionado a um processo com duração razoável.
Entretanto, é notório entre os estudiosos que o processo exige um certo lapso de tempo para se desenvolver de forma completa. Há um aparente conflito entre os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da certeza jurídica, de um lado, e o direito à efetividade da tutela processual e da razoável duração do processo, de outro lado. Deve-se, à luz do princípio da proporcionalidade, priorizar uma relação jurídica processual célere, sem, todavia, se descurar dos direitos e garantias fundamentais das partes envolvidas.
De acordo com os conceitos delineados por Luiz Guilherme Marinoni, em sua obra “A antecipação da tutela”, o ônus do tempo recai, como regra geral, exclusivamente em detrimento do autor, que deve aguardar o término da relação jurídica processual e a concessão da tutela definitiva para concretizar seu direito material[15]. Entretanto, é mister salientar que não é justo que o ônus do tempo recaia unicamente sobre a figura do requerente, apenas por ter sido este quem deflagrou a relação jurídica processual. Em determinados casos, deve-se redistribuir o ônus temporal entre as partes. É justamente em tais cenários que o instituto da tutela provisória ganha importância e realce (tanto a tutela de urgência, quanto a tutela de evidência).
Nos termos das lições esposadas pelo doutrinador Marcelo Abelha Rodrigues, há instrumentos processuais postos à disposição do magistrado e das partes a fim de redistribuir o ônus temporal de forma proporcional e razoável. O autor, de forma sistemática, estabelece dois grandes grupos de técnicas processuais para a redistribuição do ônus do tempo: técnica de sumarização do procedimento e técnica de sumarização da cognição.
Tais técnicas de sumarização (procedimental e material) são inseridas dentro do que se denominou de tutelas jurisdicionais diferenciadas, nos moldes do preconizado por Andrea Proto Pisani.
No artigo “Tutela giurisdizionale differenziata e nuovo processo del lavoro”[16], o doutrinador Andrea Proto Pisani ressalta a crise do processo e a necessidade da tutela jurisdicional diferenciada. Adotando como parâmetro de avaliação o rito do procedimento ordinário, o professor italiano ressalta que, segundo os dados estatísticos publicados na década de 70, a duração de uma relação jurídica processual cognitiva até o primeiro grau era de 568 dias, aproximadamente dois anos[17]. Em relação ao juízo de cassação, Andrea Proto Pisani salienta que a duração atingia o patamar de 1077 dias, na década de 1970, demonstrando a necessidade de adequação da tutela processual a fim de se atingir a efetividade do direito material.
Em relação ao processo trabalhista, Andrea menciona que, no biênio de 1967 e 1968, a duração médica da controvérsia em matéria trabalhista foi de 824 e 624 dias, no primeiro e segundo grau, respectivamente. Com base em tais lapso temporais excessivos, o doutrinador italiano ressalta que a prestação jurisdicional tardia e não célere configura uma substancial denegação de justiça – un sostanziale diniego di giustizia.
Levando em consideração o lapso temporal excessivo obtido mediante os estudos estatísticos, tornou-se imperiosa a constatação da crise do processo e, por conseguinte, a imprescindível necessidade de obtenção de uma tutela giurisdizionale differenziata. Somente uma tutela jurisdicional diferenciada será considerada efetiva para a concretização do direito material tutelado, cioè idonea a tutelare il diritto bisognoso di tutela.[18]
A importância da tutela jurisdicional diferenciada é uma das características mais marcantes das obras doutrinárias do professor italiano. De acordo com o doutrinador, não há uma única forma de tutela jurisdicional, um processo único, idôneo a garantir adequadamente qualquer situação de direito material, independentemente do conteúdo das questões[19].
Levando em consideração a necessidade de efetividade da tutela processual, bem como a imprescindibilidade da compatibilização dos procedimentos e da cognição às especificidades do direito material a ser tutelado com o processo civil (a par da instrumentalidade do processo), viabiliza-se a obtenção de uma tutela adequada às peculiaridades do direito material a ser protegido.
O processo, enquanto instrumento de efetivação do direito material, não pode ser encarado como uma técnica a ser aplicada a toda e qualquer demanda, indiscriminadamente. A adaptabilidade das técnicas diferenciadas viabiliza uma maior efetividade na tutela jurisdicional, adequando-se às peculiaridades do caso em concreto, bem como ao próprio direito material posto em debate.
Nos moldes dos ensinamentos esposados pelo italiano Andrea Proto Pisani, existe uma série articulada e múltipla de formas de tutela jurisdicional, a depender das peculiaridades e das especificidades do direito material posto em debate[20]. De acordo com Rogério Aguiar Munhoz Soares, “o estudo das tutelas jurisdicionais diferenciadas é o estudo da busca da forma adequada da prestação da tutela jurisdicional em face da pretensão deduzida”[21]
Analisando o tema, o professor João Batista Lopes ressalta ser a tutela jurídica diferenciada “o conjunto de instrumentos e modelos para fazer o processo atuar pronta e eficazmente, garantindo a adequada proteção dos direitos segundo os princípios, regras e valores constantes da ordem jurídica”[22].
Na técnica de sumarização do procedimento, há um encurtamento do rito processual, abreviando-se o procedimento como um todo. A cognição permanece exauriente, tornando-se apenas mais célere o rito procedimental. No antigo procedimento sumário[23], por exemplo, o artigo 277 do revogado Código de Processo Civil previa a concentração dos atos processuais em uma audiência única, devendo o réu ser citado para comparecer à audiência de conciliação e, na mesma audiência, caso restasse infrutífera a tentativa de composição amigável, deveria apresentar a contestação, tornando o rito mais célere e dinâmico. A sumarização, todavia, restringia-se ao procedimento, porquanto a cognição continuava sendo exauriente. O encurtamento ocorria no que tange ao rito procedimental, permanecendo o espectro cognitivo inalterado, incumbindo ao magistrado o exaurimento da cognição.
Na técnica de sumarização da cognição, por sua vez, Marcelo Abelho Rodrigues menciona inúmeros instrumentos utilizados para a redistribuição do ônus do tempo entre as partes processuais: (i) inversão da iniciativa e consequente estabelecimento de contraditório eventual (como se verá mais à frente, no bojo das ações monitórias e nas tutelas antecipadas concedidas em caráter antecedente, incumbe ao réu a iniciativa de deflagrar a cognição exauriente, ao opor os embargos monitórios ou ao interpor o recurso de agravo de instrumento. Caso permaneça inerte, a cognição restará sumária e constituir-se-á de pleno direito o mandado monitório, de acordo com o disposto no §2º do artigo 701 do Código de Processo Civil. Caso o réu se quede omisso e não se insurja contra a decisão concessiva da tutela antecipada concedida em caráter antecedente, a mesma se estabilizará, nos moldes do artigo 304 do Código de Processo Civil. De acordo com a inversão da iniciativa, recai sobre o réu e não sobre o autor a iniciativa de deflagrar a cognição exauriente, redistribuindo-se, portanto, o ônus quanto ao tempo); (ii) limitação da atividade probatória (no mandado de segurança, por exemplo, a prova deve ser pré-constituída em relação ao direito líquido e certo a ser amparado com a concessão da segurança pleiteada); (iii) limitação da amplitude da cognição (na ação de desapropriação, o réu proprietário não pode discutir judicialmente a existência da utilidade ou necessidade pública necessárias à edição do ato desapropriatório, devendo se restringir, no âmbito da defesa, ao valor ofertado, bem como a eventuais vícios no procedimento, de acordo com as regras e normas balizadoras da desapropriação no Direito Administrativo) e (iv) limitação da profundidade da cognição, como ocorre nas tutelas de urgência.
Acerca da sumarização da cognição, o doutrinador Pisani, na obra já mencionada anteriormente “Sulla tutela giurisdizionale differenziata”, menciona três causas estruturais para a existência de reformas legislativas que sumarizam a cognição: (i) evitar o dispêndio desnecessário de recursos e tempos, quando o próprio réu não deseja a obtenção de uma cognição plena e exauriente, se satisfazendo com uma cognição calcada em análise judicial sumária; (ii) evitar o abuso no exercício da defesa protelatória por parte do réu, encurtando-se, por conseguinte, o iter processual a ser percorrido até a satisfação do direito em questão e (iii) viabilizar, nos casos de periculum in mora, ao autor que lhe seja oportunizada a possibilidade de obtenção do direito material, nos casos em que a demora na entrega da prestação jurisdicional ao cabo da relação jurídica processual poderia acarretar um prejuízo irreparável à parte.
Em regra, o autor deve aguardar a ocorrência do trânsito em julgado para lograr a obtenção da tutela definitiva e, assim, dar azo aos atos executivos para a efetiva concretização do direito material que lhe pertence. O processo, por ser um procedimento lógico e concatenado, exige, per si, determinado lapso temporal para maturação e desenvolvimento. O ônus do tempo é uma realidade palpável no cenário jurídico brasileiro. Entretanto, tal ônus temporal não deve recair única e exclusivamente sobre o autor. Em determinados cenários, especialmente os pautados no perigo de dano ou de risco ao resultado útil ao processo (periculum in mora), a parte pode ter a utilidade do direito material esvaziada, caso seja impelida a aguardar a tutela definitiva. É por isso que há instrumentos a fim de redistribuir o ônus do tempo dentro da relação jurídica processual. A tutela provisória, ainda que pautada em uma cognição sumária e não exauriente (e, portanto, calcada na probabilidade e não na certeza), é uma ferramenta processual imprescindível para redistribuir o ônus do tempo entre as partes.
De acordo com Rodrigo Mazzei e Bruno Pereira Marques, “a adoção de sumarização da cognição, e em especial a limitação da profundidade da cognição, mostra-se como um remédio com maior gama de aplicabilidade, sendo uma técnica de adoção geral na luta contra o tempo”[24]
Com a concessão da tutela antecipada, neutraliza-se os efeitos do tempo em favor do autor e em detrimento do réu. Em virtude da inversão do ônus do tempo, o réu também tem interesse na celeridade processual a fim de que seja proferida decisão baseada em cognição exauriente. Evita-se, portanto, a perda da utilidade do provimento final para o autor, uma vez que são antecipados os efeitos práticos executivos ou mandamentais da tutela final, invertendo-se o ônus do tempo para o réu.
A sumarização da cognição e do procedimento representa uma das modalidades da tutela jurisdicional diferenciada. Com a redistribuição do ônus do tempo entre as partes, no bojo da relação jurídica processual, a tutela jurisdicional diferenciada representa um instrumento imprescindível para a concretização da efetividade processual. O processo exerce função social, resguardando e tutelando o direito material de lesões e ameaças de violações. Deve-se, portanto, atuar de forma efetiva e concreta, sob pena de esvaziamento de sua função social a ser exercida. Ao adotar tutelas jurídicas diferenciadas, sumarizando-se a cognição, por exemplo, o legislador viabiliza a redistribuição do ônus do tempo, ao longo do trâmite da relação jurídica processual, propiciando, por conseguinte, uma tutela jurisdicional adequada e efetiva. Mais do que uma mera prestação jurisdicional, a tutela jurisdicional pressupõe uma proteção dos direitos com o devido respeito às garantias e direitos constitucionalmente previstos.
De acordo com o escólio do professor João Batista Lopes,
O que justifica a tutela jurisdicional diferenciada é a necessidade de adoção, para cada situação particular, de proteção adequada e em tempo razoável, o que não poderia ser alcançado com a aplicação das disposições que regem o procedimento ordinário (...) Essa técnica, que não é nova, mas que vem sendo trabalhada pela doutrina atual, tem como escopo principal, portanto, a efetividade processual. À luz dessas considerações, tem-se que a tutela jurisdicional diferenciada é um conjunto de instrumentos ou técnicas para fazer o processo atuar eficazmente, em tempo razoável, garantindo a adequada proteção dos direitos segundo os princípios, regras e valores constantes da ordem jurídica[25].
A tutela jurisdicional diferenciada, à luz da concepção da razoável duração do processo e da efetividade processual, representa um instrumento jurídico posto à disposição das partes a fim de viabilizar a redistribuição do ônus do tempo e garantir o cumprimento da função social do processo. Em breves esboços, analisar-se-á cinco espécies de tutela jurisdicional diferenciada: tutela cautelar, tutela de evidência, tutela inibitória, tutela urgente satisfativa e tutela antecipada.
A tutela cautelar, como se verá mais à frente, se distingue da tutela antecipada, porquanto aquela visa a resguardar a utilidade da relação jurídica processual, não possuindo, por conseguinte, caráter satisfativo. O arresto judicialmente concedido não satisfaz a pretensão executória do credor, mas sim apenas evita, por exemplo, que o devedor dilapide seu patrimônio. A tutela cautelar, portanto, possui uma instrumentalidade ao quadrado. Se o processo, por si só, já representa um instrumento para a concretização do direito material lesado ou ameaçado de violação, a tutela cautelar visa a resguarda a utilidade do próprio processo e do provimento jurisdicional futuro a ser exarado. Trata-se de uma instrumentalidade qualificada, uma vez que a tutela cautelar representa o instrumento do instrumento.
A tutela de evidência, delineada no bojo do artigo 311 do Código de Processo Civil atualmente em vigor, torna prescindível a comprovação do periculum in mora para a sua concessão. Em virtude da evidência do direito, o magistrado defere a tutela de evidência, não sendo necessário que o autor comprove o perigo na demora. A redação do caput do dispositivo normativo supramencionado explicitamente menciona a desnecessidade de demonstração do perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.
De acordo com o doutrinador Araken de Assis,
à semelhança do que se verifica na tutela de urgência, as medidas antecipatórias baseadas na evidência invertem o fator tempo, buscando concerto mais adequado à situação concreta do processo. E, assim, destinam-se a atender o direito fundamental ao processo sem indevidas dilações[26].
A tutela inibitória, por sua vez, diversamente da tutela ressarcitória, visa a atuar de forma preventiva, inibindo a prática ou a continuação do ato ilícito. Assim, no caso de instalação de uma fábrica próxima a um rio e com ameaça de poluição ambiental, pode-se ajuizar ação de obrigação de não fazer, com o objetivo de inibir a instalação da fábrica e, por conseguinte, a concretização da lesão ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado. A tutela inibitória, para ser concedida, independe da demonstração de dolo ou culpa e tampouco da existência do dano, porquanto, como se infere, a mesma visa justamente a inibir sua efetiva ocorrência. Atua-se a priori, viabilizando a inibição do dano, e não a posteriori, com intuito exclusivamente reparatório.
O Novo Código de Processo Civil abordou, de forma assistemática, a tutela inibitória em capítulo diverso do regratório das tutelas jurisdicionais diferenciadas. O artigo 497, parágrafo único, estabelece ser irrelevante, para a concessão da tutela específica inibitória (para inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito ou a sua remoção), a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa e dolo. Seria mais apropriado o tratamento normativo junto às demais espécies de tutela jurisdicional diferenciada.
O caput do artigo 300 do Novo Código de Processo Civil exige o perigo de dano para a concessão da tutela de urgência (gênero que engloba as tutelas cautelares e as tutelas antecipadas). Luiz Guilherme Marinoni[27], todavia, ressalta que nem sempre haverá o perigo de dano na concessão da tutela de urgência. Nas tutelas jurisdicionais inibitórias ou reintegratórias, segundo classificação doutrinária do supracitado professor, o autor da demanda visa a impedir ou reverter a prática de ilícito por parte do réu. Assim, o autor pleiteia que seu nome não seja inserido em cadastro restritivo de crédito, uma vez que a pretensão do credor restara prescrita. Trata-se de tutela inibitória, porquanto seu conteúdo prestacional jurisdicional é justamente a inibição de determinado comportamento ilícito por parte do réu, independentemente de tal ilícito repercutir na concretização de determinado dano, que pode ser conteúdo meritório de outra pretensão – uma tutela condenatória indenizatória pelos danos morais sofridos, por exemplo. Dissociando-se, portanto, o conceito de dano da tutela de urgência, Marinoni entende que é possível sua concessão a fim de inibir a prática de determinado ilícito ou, quando já praticado, viabilizar o retorno ao status quo anterior, mediante a execução específica da tutela reintegratória, como sustenta o professor.
A tutela de urgência satisfativa, diversamente da tutela cautelar, pressupõe um caráter nitidamente satisfativo, como se infere de sua própria nomenclatura. Dentro do gênero tutela provisória, o legislador do Novo Código de Processo Civil cindiu em dois grandes grupos: tutelas de urgência e tutelas de evidência. No segundo grupo, é prescindível a comprovação do perigo na demora. Já o grupo das tutelas de urgência exige a existência de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo para sua concessão. As tutelas de urgência, por sua vez, subdividem-se em tutelas antecipadas (ante seu conteúdo satisfativo) e as tutelas cautelares (em razão de seu eminente caráter assecuratório). Todas são tutelas jurídicas diferenciadas, ante a sumarização da cognição, representando instrumentos jurídicos postos à disposição dos operadores de direito para a concretização da efetividade processual.