Da reparação dos danos causados ao trabalhador em virtude de acidente de trabalho ou doença ocupacional

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20/09/2017 às 02:34
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 6 A responsabilidade civil subjetiva

É evidente que a obrigação de indenizar tenha como precedente o caso fático que culminou o dano. Nos acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais, a relação de causalidade é, indubitavelmente, substancial. Por conseguinte, nos termos da responsabilidade civil subjetiva, a devida indenização só surge a partir da existência de culpa. Com isso, o dever de ressarcimento só aflora quando estiver à baila o comportamento do sujeito que deu causa ao fato, com ou sem intenção.

Para essa teoria, o simples acontecimento do infortúnio não denota o dever de reparação, deve, porém, ocorrer à verificação do dolo ou culpa. Isto é, o empregador só irá compensar o empregado acidentado, desde que tenha com sua conduta comissiva ou omissiva contribuído para o ocorrido.

Nesse sentido, preleciona o Professor Sebastião Geraldo de Oliveira (2013, p. 96):

Pela concepção clássica da responsabilidade civil subjetiva, só haverá obrigação de indenizar o acidentado se restar comprovado que o empregador teve alguma culpa no evento, mesmo que de natureza leve ou levíssima. A ocorrência do acidente ou doença proveniente do risco normal da atividade da empresa não gera automaticamente o dever de indenizar, restando à vítima, nessa hipótese, apenas a cobertura do seguro de acidente do trabalho,conforme as normas da Previdência Social.O substrato do dever de indenizar tem como base o comportamento desidioso do patrão que atua de forma descuidada quanto ao cumprimento das normas de segurança, higiene ou saúde do trabalhador, propiciando, pela sua incúria, a ocorrência do acidente ou doença ocupacional. Com isso, pode--se concluir que, a rigor, o acidente não surgiu do risco da atividade, mas originou-se da conduta culposa do empregador.

Com o mesmo raciocínio, o Ilustre mestre Fernando José Cunha Belfort (2010, p. 21) assevera:

A relação que se produz entre causa e dano é precisamente uma relação de causa e efeito, na qual o dano deve necessariamente decorrer das consequências da causa, que deve ser a conduta, a ação ou omissão livre e voluntária do agente. Não havendo tal relação de conseqüência, mesmo que se possa vislumbrar, na situação de fato retratada, uma longínqua participação do agente no evento danoso, não se há de falar em obrigação de indenizar.A tradicional teoria da culpa é o principal fundamento da responsabilidade civil, uma vez que ninguém será obrigado a indenizar se não houver agido culposamente.

Em suma, para a corrente defensora da responsabilidade civil subjetiva, a indenização só tem cabimento se estiver explícito o dano, o nexo causal e a culpa. Quer dizer,  é necessário haver o acidente ou a doença, o nexo de causalidade do evento com o labor e indiscutivelmente a culpa do empregador.

No entendimento de alguns juristas, é a teoria da responsabilidade civil subjetiva que deve ser observada nos casos de acidente do trabalho. Exemplo disso é o douto Sérgio Cavalieri Filho (2008, p.142) que elenca:

A norma infraconstitucional não pode dispor de forma diferente da norma constitucional. Assim como o Código Civil não poderia, por exemplo, atribuir ao Estado responsabilidade subjetiva por estar esta responsabilidade disciplinada na Constituição Federal como objetiva (art.37, § 6º18), não poderia também atribuir responsabilidade objetiva ao empregador quando tal responsabilidade está estabelecida na Constituição como subjetiva.

Nesta acepção, é relevante elencar dentre tantos,um julgado recente do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, in verbis:

EMENTA: ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. A responsabilidade civil tem previsão nos artigos 5º, incisos V e X, e 7º, inciso XXVIII, da CF/88, bem como nos artigos 186 e 927 do Código Civil, sendo necessário, para configuração do dano moral e estético e, consequentemente, do dever de indenizar, que se constatem, ao mesmo tempo, três pressupostos essenciais, quais sejam: ocorrência do dano, ação/omissão dolosa ou culposa do agente ofensor e o respectivo nexo causal.(TRT da 3.ª Região; Processo: 0000725-61.2014.5.03.0075 RO; Data de Publicação: 02/05/2016; Órgão Julgador: Quarta Turma; Relator (a): Paula Oliveira Cantelli; Revisor: Paulo Chaves Correa Filho)


 7 A responsabilidade civil objetiva

A responsabilidade civil objetiva vislumbra o dever de indenizar independentemente de culpa. Dessa forma, a teoria objetiva conhecida também como teoria do risco, se opõe à subjetiva, vez que ocorrendo somente o dano e o nexo causal, logo, está configurada a obrigação de indenização.

A teoria subjetiva sempre foi considerada como a regra geral. Haja vista que possui raízes milenares e está engendrada diretamente em todas as facetas da responsabilidade civil. Conforme elenca a professora Maria Celina Bodin, citada pelo Ilustre Sebastião Geraldo Oliveira: "a ideia subjacente à responsabilidade subjetiva possui raízes tão profundas na cultura ocidental que nunca foi preciso, realmente, explicar porque a culpa enseja responsabilidade, sendo ela própria a sua razão justificativa". (2013, p. 109)

Lado outro, diante do desenvolvimento dos fatores de risco, da complexidade em provar a culpabilidade, sobretudo, da fragilidade da vítima, nossa legislação com o escopo protetivo, criou exceções a essa regra, adotando a teoria objetiva que, como dito alhures, não exige o instituto culpa para emergir a obrigação de ressarcimento.

Nesse contexto, mister se faz transcrever a lição do Mestre Sebastião Geraldo Oliveira (2013, p. 109-110):

No caso do acidente do trabalho, tem sido frequente o indeferimento do pedido por ausência de prova da culpa patronal ou por acolher a alegação de ato inseguro do empregado ou, ainda, pela conclusão da culpa exclusiva da vítima.O choque da realidade com a rigidez da norma legal impulsionou os estudiosos no sentido da busca de soluções para abrandar, ou mesmo excluir,o rigorismo da prova da culpa como pressuposto para indenização, até porque o fato concreto, colocado em pauta para incomodo dos juristas, era o dano consumado e o lesado ao desamparo... Pouco a pouco, o instrumental da ciência jurídica começou a vislumbrar nova alternativa para acudir as vitimas dos infortúnios. Ao lado da teoria subjetiva, dependente da culpa comprovada, desenvolveu-se a teoria do risco ou da responsabilidade objetiva, segundo a qual basta o autor demonstrar o dano e a relação de causalidade, para o deferimento da indenização. Em outras palavras, os riscos da atividade, em sentido amplo, devem ser suportados por quem dela se beneficia.

A referida tese encontra amparo legal no art. 927, p. único do Código Civil, que diz:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

 Como se pode visualizar, a lei reverencia as atividades que por sua essência promovam risco para os direitos de outrem. Isto é, enquanto o elemento peculiar da teoria subjetiva é a culpa, o da teoria objetiva é o risco. Mas como definir a palavra "risco"?

Nos ensinamentos de Cavalieri Filho, citado por Fernando José Cunha Belfort (2010, p. 23), "risco é perigo, probabilidade de dano, importando, isso dizer que aquele que exerce atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente".

Consagrado o alicerce da responsabilidade objetiva, surgiram várias teses, criando assim, distintas espécies do gênero central. Ao revés, todas ventilando o mesmo tema, ou seja, a reparação dos danos causados ao trabalhador consubstanciado somente com a presença do risco, não sendo necessária a culpabilidade. São elas: A teoria do risco proveito, do risco criado, do risco profissional, do risco excepcional e do risco integral.

A teoria do risco proveito estabelece que o empregador que se beneficia da atividade tem por obrigação restituir os prejuízos que fora acarretados por meio dela. Logo, quem goza das vantagens, deve responder pelos infortúnios oriundos do empreendimento. Para Sebastião Geraldo Oliveira, "A dificuldade prática dessa teoria reside na indagação do que seria "proveito", com a possibilidade de restringir a reparação apenas quando haja proveito econômico.(2013, p. 116)

A tese do risco criado transpõe a do risco proveito, vez que ele não argumenta se existiu proveito ou não para o empregador. Neste caso, a reparação do dano torna-se automática, haja vista que a atividade perigosa por se só desenvolve o risco. Segundo o saudoso Caio Mario, citado por Sebastião Geraldo Oliveira (2013, p. 116):

O conceito de risco que melhor se adapta as condições de vida social e o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido a imprudência, a negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado.

Por outro lado, temos a teoria do risco profissional que se denota mais ampla do que a teoria do risco criado, mormente porque enquanto esta se limita as atividades perigosas, aquela abrange todos os empregadores.

Neste sentido, o Ilustre Professor José Dallegrave Neto estabelece (2009, P.104):

Independentemente de culpa, o empregador se responsabiliza pelos danos oriundos de acidentes de trabalho de seus empregados, mediante o custeio de seguro específico. Trata-se do SAT: Seguro de Acidente do Trabalho, previsto na primeira parte do art. 7º, XXVII, da CF.

 Ademais, Cavalieri Filho, citado por Sebastião Geraldo Oliveira (2013, p. 116) assevera: 

A desigualdade econômica, a força de pressão do empregador, a dificuldade do empregado de produzir provas, sem se falar nos casos em que o acidente decorria das próprias condições físicas do trabalhador, quer pela sua exaustão, quer pela monotonia da atividade, tudo isso acabava por dar lugar a um grande número de acidentes não indenizados, de sorte que a teoria do risco profissional veio para afastar esses inconvenientes.

Sobre a teoria do risco excepcional, é relevante destacar que o dever de indenização independe de culpa toda vez que o trabalho exercido pelo lesado seja de risco acentuando ou excepcional. Atividades com redes elétricas de alta tensão, exploração de energia nuclear, são alguns exemplos.

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Por fim, Sebastião Geraldo Oliveira (2013, p. 117) esclarece sobre a teoria do risco integral:

A teoria do risco integral é considerada a modalidade extremada da responsabilidade objetiva, já que exige somente o dano para acolher a indenização, mesmo que o prejuízo tenha ocorrido por culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Dada a sua grande abrangência, essa modalidade só é adotada em situações especificas indicadas em leis especiais, como é o caso das indenizações devidas pelo seguro obrigatório — DPVAT— as vítimas de acidentes de veículos, mesmo que o acidente tenha sido provocado por veículo desconhecido ou que tenha ocorrido culpa exclusiva da vítima.

Diante disso, é percebível que o foco central de todas as teorias é exatamente tutelar o trabalhador lesado, promovendo a reparação dos danos causados a sua saúde. Portanto, a teoria objetiva se preocupa principalmente com o ser humano, não está atrelada a investigação da existência ou não de culpa. Mas, tem como finalidade a compensação do obreiro pelos prejuízos sofridos.

Vale trazer à tona alguns dispositivos legais do nosso ordenamento jurídico que adotaram a teoria objetiva, exemplo clássico é a lei 8.078/90 – O Código de Defesa do Consumidor; A lei 6.453/77 – Acidentes Nucleares; DL227/67 – Minas, além do já mencionado art. 927, p. único do Código Civil.

Temos também a Constituição da República que, em vários artigos, adotou essa teoria, modelo disso é o seu art. 225, § 3 que elenca: "As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados".

 Finalmente, destaca-se a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho acerca do assunto, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DE TRABALHO. MOTOCICLISTA. ATIVIDADE DE RISCO ACENTUADO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA .POSSIBILIDADE . Agravo de instrumento a que se dá provimento para determinar o processamento do recurso de revista, em Podendo, agora, o próprio empregado, seus dependentes, o sindicato, o médico que assistiu ou face de haver sido demonstrada possível afronta ao artigo927, parágrafo único, do Código Civil. RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. ANOTAÇÃO NA CTPS. APELO DESFUNDAMENTADO. Afigura-se desfundamentado o apelo no qual a parte não indica, expressamente, violação de dispositivo da Constituição ou de lei federal, nem aponta dissenso pretoriano. Exegese do artigo 896 da CLT. Recurso de revista de que não de conhece. DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DE TRABALHO. MOTOCICLISTA. ATIVIDADE DE RISCO ACENTUADO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA .POSSIBILIDADE . Perante o Direito do Trabalho, a responsabilidade do empregador, pela reparação de dano, no seu sentido mais abrangente, derivante do acidente do trabalho ou de doença profissional a ele equiparada, sofrido pelo empregado, é subjetiva, conforme prescreve o artigo 7º,XVIII, da Constituição Federal de 1988. No entanto, podemse considerar algumas situações em que é recomendável a aplicação da responsabilidade objetiva, especialmente quando a atividade desenvolvida pelo empregador causar ao trabalhador um risco muito mais acentuado do que aquele imposto aos demais cidadãos, conforme previsto no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil Brasileiro. Tal ocorre com o trabalho do motociclista que cotidianamente nas ruas fica submetido à probabilidade substancialmente maior de ser vítima de acidentes de trânsito, sujeito, portanto, a inúmeros fatores de risco, desde mordidas de cachorro até buracos na pista, passando pela imprudência dos motoristas de automóveis. No caso, o quadro fático registrado pelo Tribunal Regional revela que o autor foi vítima de acidente de trânsito quando prestava serviços para a reclamada por meio de motocicleta, que culminou em diversas lesões físicas. Destarte, independentemente de a recorrente ter culpa ou não no acidente que importou em lesões físicas com sequelas, não cabe a ele, empregado, assumir o risco do negócio, ainda mais se considerando que o referido infortúnio ocorreu quando prestava serviços para a reclamada. Reconhecida a responsabilidade objetiva decorrente de atividade de risco, reforma-se a decisão regional para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 e por danos materiais, consubstanciado em pensão mensal, nos termos do artigo 950 do Código Civil, até alcançar R$30.000,00, limite este fixado na petição inicial. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.‖(TST; Processo: RR 26341420115120037; data da publicação: 04/12/2015; Órgão julgador: Sétima Turma; Relator: Cláudio Mascarenhas Brandão)

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Sobre o autor
Henrique Costa

Advogado. Orador. Autor de artigos e textos jurídicos. Especialista em Licitações Públicas e Contratos Administrativos. Atua como Treinador, Consultor e Assessor Jurídico. Participante do Projeto Implantação da Nova Lei de Licitações com ênfase nos Órgãos e Entidades Públicas. Participante do Curso Desmistificando as Obras e Serviços de Engenharia - Os Novos Desafios da Lei 14.133/21 e as Velhas Questões; Congressista no VI Congresso Brasileiro de Licitações e Contratos. Congressista no I Congresso do Instituto Nacional de Contratações Públicas (INCP). Congressista no III Congresso Jurídico Internacional da Fundação Pres. Antônio Carlos. Participante da XXIV Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. Pós-graduado em Direito Constitucional e Administrativo. Pós-Graduado em Direito Trabalhista e Previdenciário. Pós-Graduado em Direito e Processo Civil. Pós-graduado em Ciências Penais e Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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